quinta-feira, 12 de setembro de 2019


 

Caríssimos Membros da Fundação Amílcar Cabral,

 

Para os que não têm acesso `minha conta no Facebook, queiram tomar conhecimento do texto que publiquei por ocasião do 95º aniversário de Amílcar Cabral. O mesmo mereceu várias apreciações positivas, nomeadamente a do Padre José Álvaro, Reitor do Seminário de S. José que disse tratar-se de:


 
Um texto humanista-cristāo, … belo, profundo, poético, com uma visāo de um projecto universal ainda por realizar e que depende de todos e de cada ser humano Sem excepçāo! Texto que traduz o ideal cristāo da fraternidade total que Jesus viveu e passou como missāo do Homem-Novo de que Ele é a realizaçāo plena!

 

Eis o texto acima referido:


DOZE DE SETMBRO DE 2019

A HUMANIDADE COMO FAMÍLIA, A VIDA COMO UMA BÊNÇÃO

 

Na data em que Amílcar Cabral completa 95 anos de idade lembrei-me do texto que escrevi em “O LEGADO DE CABRAL NA MEMÓRIA DO TEMPO” sobre o seu HUMANISMO VISIONÁRIO, e isto no âmbito da candidatura de alguns dos seus escritos ao “Programa Memória do Mundo da UNESCO”:

Uma das páginas mais bonitas e mais significativas do humanismo de Cabral, aquela que antevê a HUMANIDADE como uma família e a VIDA como um dom e uma bênção para todos, para o Homem preto ou branco, vermelho ou amarelo, para os sujeitos de todas as raças, de todo os horizontes, de todos os credos, de todos os Partidos, de todas as condições sociais. Como vate visionário, eis o sonho que acalentou:

“Hoje, na fogueira das bombas, assa-se carne humana. A responsabilidade dessa tremenda realidade que é a guerra é reciprocamente imputada pelos adversários em luta. Arrasam-se cidades inteiras e de edifícios que foram magníficos ficam escombros…

"Mas do caos surgirá um mundo novo e melhor. Está tão certo isto como é certo que o mundo precisa de uma remodelação: uma nova ordem que não é a nazi, nem a que alguns sonham que há-de ser defendida por uma Polícia Internacional…

"Será outra que significará o Homem, preto ou branco, vermelho ou amarelo, que proporcionará ao Homem uma vida vivida e não sofrida. Em que Ele, esteja no mais longínquo aposento do Mundo, terá a certeza no dia de amanhã e terá sempre presente que pertence a uma mesma família pela qual tem de velar – a HUMANIDADE.

"E, ao pensar nessa futura realidade que muito chamarão quimera, lembro-me das palavras do Abade de la Roudaire: ‘Não será já, talvez, mas o dia da Justiça e da Paz há-de raiar com certeza. Há na Terra um só povo a que pertencem todas as Nações’.

”Não será já, mas é amanhã!
E é para amanhã que eu quero ter filho. Estou na casa dos vinte, e nada me garante que poderei subir a ladeira ascendente da vida, dobrar a colina, descer a prumo e pender da outra banda – que é a velhice – e, depois de ter vivido, entrar, atravessando o fio do nada que separa o ser do não ser, na planície desconhecida que é a Morte.

"…não sei se não serei um dos que ficarão pelo caminho…
Mas com o meu filho não será o mesmo. Ele há-de viver a vida por que anseio, hão-de ser para ele realidades as minhas esperanças de hoje…

"Mas o meu filho viverá. Ele há-de ser aquilo que desejar ser, desde que, sendo-o, concorra para a felicidade de todos. O filho que tiver viverá num mundo diferente…

"Nesse futuro e próximo mundo de que o meu filho fará parte, ele ou ela, talvez venha a escrever: A Vida. Por toda a parte a Vida. Por toda a parte a felicidade e a Vida”

(CF. Amílcar Cabral 2015. Cabo Verde - Reflexões e Mensagens, FAC: 29-30).

Que belas páginas! Cabral escreveu-a em Outubro de 1944, quando tinha apenas 20 anos de idade. Trata-se de um dos legados mais valiosos que o jovem Cabral nos deixou. Sabia que o seu sonho era, para muitos, uma quimera, na altura em que a teve. Porém, como poeta visionário queria que, pelo menos, os seus filhos tivessem a sorte de, um dia, ver o seu sonho concretizado. Sabemos que o mesmo, inteiramente, ainda não aconteceu. Nem em Cabo Verde, nem no mundo. Basta ver o que se passa hoje na Síria, no Afeganistão, em alguns países da África e, mesmo, com o terrorismo internacional; e a violência, um pouco por toda a parte. Mesmo aqui, em Cabo Verde.

A HUMANIDADE, como família, do jeito que Cabral a preconizara, é ainda um projeto. A cada um de nós a responsabilidade de concretizar esse projeto. Qualquer que seja a geografia ou o contexto em que vivemos hoje, uma coisa é certa: o Mundo precisa, urgentemente, de fazer da HUMANIDADE uma família. De outro modo, estamos condenados a enfrentar um dilúvio ou uma catástrofe mundial em que os poucos sobreviventes poderão, eles mesmos, acabar por não sobreviver.

 

Saudações, Manuel Veiga