segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Nha Vótu  2017 (Facebook de 19/12/2016):
Anu Nhaku
Fésta Bédju,
Ku Pas y Saúdi
Ku Justisa y Suguransa
Ku Amor y Fraternidadi
Ku Konhisimentu y Prosperidadi
Ku Partilha y Solidariedadi
Ku Susésu, Umildadi y Amizadi:
Na Vida Pesoal, Familiar y Profisional.


(O Meu Voto para 2017Feliz Ano, Festa Rija/ Com a Paz e a Saúde/ Com a Justiça e a Segurança/ Com o Amor e a Fraternidade/ Com o Conhecimento e a Prosperidade/ Com a Partilha e a Solidariedade/ Com o Sucesso, a Umildade e a Amizade: Na Vida Pessoal, Familiar e Profissional).

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA NA LITERATURA CABOVERDIANA CONTEMPORÂNEA




A Doutora Fátima Fernandes (FF) é, seguramente, uma autoridade académica, em Cabo Verde, tanto no domínio do magistério, como no da descodificação e interpretação da literatura caboverdiana.
Gostaria de poder abordar o universo do trabalho de investigação levado a cabo por ela. Porém a riqueza e a diversidade de uma tese não se esgotam no limitado espaço e tempo de uma apresentação. Assim, optei por abordar apenas uma parte do que para mim constitui um apreciável contributo às letras e à cultura. Trata-se do capítulo em que ela aborda “A Construção Identitária na Literatura Cabo-verdiana Contemporânea”, a partir de três destacados escritores: João Varela, Corsino Fortes e José Luís Tavares.
          Devo dizer que a defesa de uma tese de doutoramento assinala o nascimento de uma obra, não uma qualquer, na medida em que ela não pode ser apenas descritiva; tem que poder contribuir para o avanço científico do objecto que analisa. Assim sendo, uma tese de doutoramento é uma festa para o mundo académico, mas também para todos os que se interessam pela matéria que constituiu o seu objecto.
          Na academia, essa festa vai para além do convívio de “comes e bebes”, em confraternização, para ser sobretudo um prazer intelectual de partilha, de constatar e de socializar o avanço da ciência que emerge do objecto estudado.
          Será que a tese da FF é uma mais-valia científica em termos da configuração ou desconfiguração para uma nova configuração identitária da literatura caboverdiana? É esse o testemunho que vou tentar apresentar.
          A tese da Doutora Fátima não é para ser lida apenas; é sobretudo para ser estudada. Por isso, não é minha intenção fazer a exegese da obra no seu todo. Prefiro apresentar o testemunho da parte que mais chamou a minha atenção.
          Retomemos então a questão de “A Construção Identitária na Literatura Cabo-verdiana Contemporânea”. Antes de apresentar as análises feitas pela autora, vejamos qual é a inteligência da palavra “identidade”, para depois aplicar o conceito à literatura caboverdiana contemporânea.

Escrevi algures que os contornos e, por vezes mesmo, a essência da identidade de um povo (na circunstância, a identidade da literatura caboverdiana) é algo de flutuante e de horizonte aberto.
Sobre esta questão, e indo um pouco mais longe, Martine-Abdallah-Preteceille acrescenta, de maneira inteligente
«... la valeur polyssémique de l’identité culturelle [interdit] toute théorisation à valeur normative, toute modélisation à partir d’une série d’attributs. Toute énumération, toute nomenclatura, même les plus affinées possibles sur les plans quantitatif et qualitatif, des composantes de l’identité culturelle, non seulement ne recouvrent pas la réalité de l’objet, mais comportent un risque d’institutionalisation et fixation d’un concepte dont, par ailleurs, une des caractéristiques est justement la mouvance»[1].

A própria Fátima Fernandes (p. 52), citando BAUMAN Zigmunt (2005), admite o seguinte :
“Tornamo-nos conscientes de que o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’”.

        Isto significa que a identidade é e não é, porque está sempre em movimento, de acordo com as contingências do tempo, do espaço e das situações em que é construída, sentida e vivida.
          Não sendo a identidade cultural um todo de horizontes fechados, e possuindo como uma das características fundamentais a movimentação e o dinamismo, condicionados pelo contexto humano, histórico, social, económico e geográfico que a enformam e projectam, a análise da “Construção Identitária na Literatura Cabo-verdiana Contemporânea” abordada na tese da Doutora FF vai consistir mais na procura do seu percurso do que na inefável definição da sua essência.
Assim, o nosso testemunho vai incidir sobre o percurso dessa identidade, referida pela autora, no horizonte temporal que vai de 1960 a 2004, tendo por protagonistas os poetas João Vário, Corsino Fortes e José Luis Tavares.
Devolvamos a palavra à FF que, com a experiência do magistério exercido por largos anos e a observação de uma estudiosa engajada com a “coisa literária caboverdiana”, afirma assim:

Desde a nossa graduação, há cerca de duas décadas, os anos de aprendizagem, formação, pesquisa e ensino nesse domínio têm assegurado e reforçado [a] nossa percepção de que a Literatura Cabo-verdiana, notoriamente a partir da segunda metade do século passado, demarcou-se, no conjunto das literaturas escritas em língua portuguesa, pelo percurso singular de afirmação, assim como pelos processos de inovação e reorganização temática que legitimam a reflexão atenta sobre tais questões e uma consequente (re) configuração do seu sistema literário.”

          Neste percurso, o destaque vai para os três poetas já referidos e que para FF são representativos do período estudado.
Num outro trecho, a autora, continua:
As circunstâncias e a dinâmica que permitem compreender os percursos tomados pela Literatura Cabo-verdiana a partir dos anos sessenta do século XX merecem um estudo atento que possa, em primeiro lugar, identificar as linhas de atuação dessa produção, traduzindo-se em opções com que se demarcam os autores na busca concreta de uma viragem que acabará por legitimar a afirmação dessa Literatura e, por outro lado, (re) definir um solo teórico mais adequado e pertinente a essa procura”.

          Fátima Fernandes elege a poética de João Vário, de Corsino Fortes e de José Luís Tavares para caracterizar a identidade movediça da literatura caboverdiana contemporânea, circunscrita entre 1960 e 2004. A mesma é peremptória quando diz (na página 16):

“... ao definir os marcos periodológicos da série literária cabo-verdiana em pré e pós claridosa, estaremos apresentando uma visão limitada que, de certo modo, não dá conta da matriz identitária cabo-verdiana e de como as várias manifestações dela se apropriaram.
Pela sua pertinência e atualidade, tais afirmações vêm ao encontro da necessidade de definir critérios e parâmetros que, do ponto de vista teórico e metodológico, permitam organizar a série literária cabo-verdiana a partir de um novo paradigma, diferente daquele que toma a Claridade como manifestação literária e orientação determinante de uma perspectiva periodológica que situa o conjunto de mais de século de produções (desde a metade do século XIX à contemporaneidade) em pré e pós claridosa”.

          A novidade da tese de FF está, precisamente, no novo paradigma de periodização da literatura caboverdiana que preconiza, diferente daquela que mais tem vigorado até aos dias de hoje, isto é: pré-claridosa, claridosa e pós-claridosa. Esse novo paradigma evidencia-se:

“pelo recurso à metáfora para traduzir um modo próprio de sentir o mundo, no contexto em que ocorrem algumas das principais transformações identitárias e suas consequências no sistema mundial: o fenômeno das independências das ex-colônias africanas, que veio oferecer novos espaços de análise e reorientar as perspectivas de abordagem, sobretudo no contexto acadêmico, ao lado do fenômeno da globalização e seus efeitos econômicos, sociológicos, culturais, e, evidentemente, literários”.

          Segundo a autora
“...as obras poéticas de João Varela (através do seu heterônimo João Vário)  e Corsino     Fortes estabelecem referências identitárias para uma nova forma de produção          literária cabo-verdiana, compondo os vértices de um triângulo de percurso que se completa com a obra de José Luís Tavares”.

          É essa nova forma de produção literária recusando o paraíso da passargada colonial que encontramos nos poetas acima referido. Eles e os seus contemporâneos demonstram, através das suas liras, que

“..a trajetória do povo cabo-verdiano tem sido assinalada por lutas constantes, travadas nas malhas de trocas, dádivas e infortúnios que a história dos Homens e o destino ditaram. Vencidas as batalhas contra a força colonial, entre as palavras de sonho e a utopia de uma liberdade que se tornou hino na certeza dos seus homens, Cabo Verde, um pequeno arquipélago do Oceano Atlântico, conheceu, no seu itinerário histórico, graças à mestria dos seus trovadores e poetas, a transformação do canto das saudades e da separação em hino de beleza, coragem e crença num amanhã livre e de horizontes promissores” (p. 148).

Continuando, FF reafirma que

“A realidade das ilhas, impactada por vários ciclos de seca e de fome... deu fruto às inquietações de toda uma geração de escritores que constituiu, sem dúvida, o primeiro projeto de afirmação literária na história da então jovem literatura” (p.153).

          Se a leitura rápida e parcial do texto da Doutra Fátima não me trai, a designação de pós-claridosa para a literatura contemporânea não colhe, pelo que teríamos que encontrar uma outra designação mais funcional e mais objectiva em que Claridade não desaparece, porque também importante, mas deixa de ser o centro de todas as referências literárias em Cabo Verde.

          Sabendo da percepção que existe, até este momento, sobre o brilho de Claridade que, se não encobre, pelo menos ofusca outras luzes da cena literária caboverdiana, a interpretação que agora nos traz FF não deixa de ser ousada.

É por isso que diz:

“...no início dos anos sessenta, outras vozes se levantam em defesa de uma nova “identidade” literária, fundada num cenário de engajamento explícito do qual fizeram parte autores como Ovídio Martins (1928-1997) e o próprio herói nacional Amílcar Cabral (1924-1973)”.

          Segundo a autora, esta nova identidade literária é, “[...] assumidamente não Claridosa, isto é, ... não tem a Claridosidade como seu eixo central e muito menos seu fio condutor”.  Continuando, acrescenta que

“ é tão complexa a abordagem da questão do ‘pós-colonial’ [ ou então do pós-claridade], sendo ingrata a significação do prefixo ‘pós’, por não se revelar eficaz falar dela em termos de um depois, quando há uma continuidade, o continuum que prevalece, tanto num escritor com produção iniciada há mais de meio século, como Corsino Fortes, como num outro mais recente, José Luís Tavares”.

          Mais para frente acrescenta que
“...ao propor um novo discurso e uma orientação africana no ideário da novíssima geração, Onésimo Silveira dá voz a uma inquietação emergente, antes exposta por Manuel Duarte (1999) no ensaio ‘Caboverdianidade e Africanidade’, publicado pela primeira vez em 1954, em acérrima oposição à opção identitária claridosa, clamando por novos tempos que seriam uma consequência de mudança de atitudes”.

Concluindo diz que, na sua abordagem,

“...a escolha do plural ‘identidades’ não se apresenta aleatória, antes pelo contrário,           obedece a um refletir sobre um processo de análise, discussão e comparação do modo      como o perfil identitário dos escritores [ que estudou] determinou a emergência de           novas subjetividades” no campo da literatura, o que poderá significar também o       surgimento de novas identidades literárias com um  “discurso marcadamente metafórico, onde se assinalam conceitos que não são compreendidos pelo regime       anterior”(p.191).

Para a autora,
“... a construção de novas identidades, dos anos setenta a esta parte, processa-se em ausência de localizações sólidas, entre fronteiras menos definidas e   reveladoras de que não existe mais um centro ou, se existe, configura-se em outros moldes”.

          Se é que compreendi bem as palavras da autora, uma das conclusões que se pode tirar da análise das produções literárias de João Vário, Corsino Fortes, José Luís Tavares e outros autores contemporâneos, é que a Claridade, sem desaparecer, porque também importante, deixou de ser o centro de referência na periodização da literatura caboverdiana para passar a ser um modo de sentir literário, entre os anos 30 e 60 do século XX, assim como os escritores estudados marcam um outro modo de sentir literário próprio dos constrangimentos da época vivida por cada um deles. Assim, não temos a identidade literária caboverdiana, mas sim várias identidades literárias caboverdianas, sendo a Claridade uma delas. Todas essas manifestações compõem o mosaico das identidades plurais caboverdianas.

          Tudo leva a crer que a riqueza literária caboverdiana está precisamente na pluralidade do sentir literário das diversas épocas e dos diversos protagonistas. É isto que pude apreender da breve leitura feita da tese de FF.

          Não pretendo fazer nenhum julgamento porque o meu papel consiste em testemunhar o que apreendi. Ficam, pois, alinhavadas as pistas para quem quiser fazer uma leitura mais profunda e mais integral, talvez mesmo um estudo mais rigoroso da tese de FF. Quem fizer este estudo apreenderá e poderá até sintetizar a questão da identidade literária através da periodização apresentada por Manuel Ferreira, em 1985 (pré-claridosa, claridosa e pós-claridosa); a concebida por Pires Laranjeira, em 1995:  1. Iniciação, que vai das origens a 1925; 2. Hesperitana, que vai de 1926 a 1935; 3. Caboverdianidade, que vai de 1936 até 1957; 4. Caboverdianitude (com a influência da corrente da negritude, que vai de 1958 a 1965; 5. Universalismo que vai de 1966 a 1982; 6. Consolidação que vai de 1983 até aos dias de hoje.

          Outra periodização, referida por FF, é a de Manuel Brito Semedo que na sua tese (2006), defende uma periodização consubstanciada na da geração de Eugénio Tavares; na da geração de Baltasar Lopes e na da geração de Amílcar Cabral, sendo certo que os três poetas estudados, em termos literários, pertenceriam à última geração.

          A Douta Fátima Fernandes quis, também, sintetizar, para nós a sua própria proposta de periodização da nossa literatura quando afirma:

          “Mesmo considerando a reflexão em aberto, se nos fosse possível adiantar uma proposta, esta deveria poder atender ao estado de desenvolvimento da Literatura Cabo-verdiana, concentrando nossa atenção sobre o período pós-independência”.

Assim, teríamo”:

1º Período de Fátima Fernandes (FF): o Iniciático, entre 1850 e 1936. Na nomenclatura de Manuel Ferreira, esse período corresponderia a Pré-claridade. Na de Pires Laranjeira corresponderia a dois períodos, o da Iniciação e o Hesperitano. Na nomenclatura de Brito Semedo corresponderia à Geração de Eugénio Tavares.
2º Período de FF: o da Caboverdianidade, entre 1936 e 1962. Este período, na nomenclatura de Manuel Ferreira, corresponde ao da Claridade. No de Pires Laranjeira corresponderia também ao de Caboverdianidade. Enquanto na nomenclatura de Brito Semedo corresponderia à Geração de Baltasar Lopes.
3º Período de FF: o da Modernidade propriamente dita que vai de 1960 a 1980; e o da Modernidade Tardia, que vai de 1980 a 2001. Este terceiro período de FF corresponderia a Pós-claridade em Manuel Ferreira. Na nomenclatura de Pires Laranjeira seria: o de Caboverdianitude que vai de 1958 a 1965 e o de Universalismo que vai de 1966 a 1982. Na nomenclatura de Brito Semedo, este terceiro período de FF corresponderia à Geração de Cabral.
4º Período de FF: o da Consolidação (ou do processo de consolidação) que vai de 2001 à actualidade. Para Manuel Ferreira continuaria a ser o Pós-claridade. Na nomenclatura de Pires Laranjeira este período é também de Consolidação e na de Brito Semedo continuaria a ser o da Geração de Amílcar Cabral.

          Como estamos a ver, a doutora FF equaciona a questão da periodização da nossa literatura em quatro períodos, demarcando-se, sobretudo da que toma Claridade como tutela ou centro de referência. Sem subestimar as diferentes tentativas de periodização e de percepção do sentir literário das diversas épocas, FF perspectiva uma nova periodização, sem centro e sem tutela e com espírito aberto na procura da periodização que seja a mais pertinente e a mais funcional, de acordo com as manifestações da expressão e do sentir literários das diversas épocas.

          O projecto da história da literatura caboverdiana que já está em incubação não ignorará os diversos contributos quanto à percepção e periodização das diversas identidades literárias em Cabo Verde. Não tenho dúvidas que a tese cujo testemunho estou proferindo vai ser um contributo valioso na definição dessa periodização de horizontes abertos e na apreensão do sentir plural das diversas épocas e dos diversos momentos que configuram o nosso ser e estar na literatura.

          Agradeço à Doutora Fátima Fernandes pela mais-valia que esta tese representa, mas também pelo seu longo magistério literário. Todos nós ficamos e ficaremos atentos ao contributo dado, mas também ao contributo que, certamente vai continuar a dar, nas diversas azáguas e sementeiras da palavra, a palavra que forma e enforma o ser, o estar e o sentir literário das ilhas, ontem, hoje e amanhã.

                                                                           Obrigado

                                                                       Manuel Veiga
                                                                   Novembro de 2016





[1] Martine ABDALLAH-PRETCEILLE, «Identité Culturelle et Stéréotype de l’Identité Culturelle», in Recherche,   Pédagogie et Culture, nº62, avril/juin/83, p.72

terça-feira, 22 de novembro de 2016

PEDRO PIRES Recebe o Título de Doutor Honoris Causa na Uni-CV (Fundamentação)



A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) celebra, a 21 de Novembro, o seu 10º aniversário. Toda a Academia encontra-se em festa e muito orgulhosa do caminho percorrido.
 Foram visionários os que em 2006, a partir do legado do ISE, lançaram os fundamentos da instituição que hoje é aniversariante. Foram ousados os que colocaram as primeiras pedras na edificação deste areópago do conhecimento: o Governo do Dr. José-Maria Neves, a Comissão Instaladora, as direções subsequentes, os serviços académicos e administrativos, as diversas coordenações, o corpo docente, a comunidade estudantil.
Volvidos já dez anos, hoje a Uni-CV é uma instituição credível e ousada, afigurando-se como um estabelecimento do Ensino Superior, em Cabo Verde, com maior oferta formativa, com maior número de alunos e melhores condições em termos de propina, do número e da qualidade dos docentes.
Recentemente, no número 478 do jornal A Nação, uma voz autorizada chegou mesmo a declarar que: 
a Uni-CV é, reconhecidamente, a melhor universidade de Cabo Verde e é também a universidade que tem melhores condições para acolher uma boa parte dos estudantes que têm expectativas para fazer cursos superiores no país”.
Qualquer que seja a top position da Uni-CV, uma coisa é certa: nestes dez anos de percurso, ela conta com uma folha de serviço que orgulha o coletivo dos seus docentes e discentes, que orgulha os caboverdianos. Parabéns  para a Uni-CV, parabéns para a equipa reitoral, para o Conselho da Universidade, para as faculdades e coordenações existentes, para os Conselhos Científicos, para os Serviços Académicos e Pedagógicos, para o corpo docente, para o coletivo de estudantes e para toda a administração.
É no âmbito da celebração desses dez fecundos anos de percurso que, por aprovação dos Conselhos Científicos da Uni-CV (de 18/12/15 e 21/1/16) o Conselho da Universidade (pela deliberação número 004, de 5 de Fevereiro de 2016), decidiu homologar a atribuição do título de honoris causa a um ilustre filho da nossa terra.
Trata-se do Combatente da Liberdade da Pátria e ex-Presidente da República, o Comandante Pedro de Verona Rodrigues Pires.
Coube-me a mim, na qualidade de professor jubilado, da Uni-CV, que exerceu as funções de coordenador do primeiro Mestrado de Crioulística de Língua Caboverdiana e, ainda, as de ex-diretor da Cátedra Amílcar Cabral, apresentar a justeza, a pertinência e a oportunidade da atribuição do título de Doutor Honoris Causa a este ilustre compatriota, o homem que participou ativamente na Luta de Libertação Nacional e que pertenceu a uma geração “… sonhadora, generosa e corajosa[1]; o compatriota que chefiou a delegação do PAIGC nas difíceis e complicadas negociações para a Independência; o primeiro Primeiro-Ministro de Cabo Verde Independente; o 3º Presidente da República; o líder visionário e humanista, galardoado com o Prémio Mo Ibrahim 2011.
A Uni-CV, ao atribuir o seu mais alto título académico, acaba por realizar um ato de justiça e de reconhecimento a um dos mais ilustres filhos da nossa terra. Com essa atribuição, ela própria fica mais prestigiada e melhor cotada tanto no País como no exterior.
A minha fundamentação, quanto à pertinência e ao mérito do título atribuído, vai cingir-se a três aspetos que considero importantes e, por isso, determinantes:

1)  Pedro Pires: Patriota e Humanista;
2)  Pedro Pires: Líder e Visionário;
3)  Pedro Pires: Um Homem de Palavra, Comprometido com o seu Povo.

Comecemos com
I.              PEDRO PIRES: PATRIOTA E HUMANISTA
Ser patriota e humanista são epítetos que ficam bem a qualquer cidadão. Porém, quando, para tal, aceitamos, com determinação, em defesa do nosso povo, assumir os riscos que podem custar a própria vida, deixamos de ser apenas um cidadão comum para vestirmos as vestes de um herói nacional. Foi o que aconteceu com Pedro Pires.
Com efeito, tendo nascido na ilha do Fogo, em 1934, presenciou, com indignação, o embarque de contratados para as roças de S. Tomé e, em 1942/43, com oito anos de idade, assistiu, com o coração partido, aos horrores da fome que, drasticamente, tinha assolado Cabo Verde.

Datam desta época tristes cenas como, por exemplo, aquela em que o nosso homenageado, ainda criança, chegou a ver “um pai que tinha sido obrigado a trocar cada telha da sua casa por uma bolacha, no esforço de salvar os filhos de morrer de fome”.
Esta situação leva qualquer ser sensível a manifestar a sua revolta. Porém, quando essa revolta assume os riscos que podem custar a própria vida, estamos diante não apenas de um ser sensível, mas de um espírito superior, profundamente engajado com o seu povo e com a sua terra. Aliás, é o próprio Pedro Pires que, no documento “Pequena Narrativa da Libertação” afirma:
Aderi ao projecto político do PAIGC com muita paixão e, com sentido estratégico do futuro. Foi um compromisso patriótico e ético assumido com Cabo Verde, com os meus camaradas de luta e com os outros povos oprimidos da África. Estava certo da validade da minha opção e da possibilidade do seu triunfo. Investi o melhor de mim mesmo para o desenvolvimento e o triunfo dessa causa, procurando servi-la com abnegação, lealdade e sinceridade…”.
O projeto político maior do PAIGC consistia na libertação dos povos da Guiné e de Cabo Verde da opressão colonial-fascista e na restituição da sua dignidade. Tendo falhado todas as tentativas de diálogo aberto e construtivo, aos homens do PAIGC, de que Pedro Pires fazia parte, apenas restou o caminho da luta, não apenas a diplomática, mas também a armada.
No documento “Nota biográfica” constata-se que, em 1961, encontrando-se a prestar serviço militar em Portugal, foge, clandestinamente, para se juntar ao PAIGC, em Conacri. Entre 1962 e 1965, empreende, em França e depois no Senegal, a mobilização de emigrantes caboverdianos para a luta. De 1968 a 1974 exerce altas responsabilidades no campo político e militar, na qualidade de membro do Comité Executivo da Luta e do Conselho de Guerra e, ainda, como Comandante de Região Militar.
Face à investida das lutas armada e diplomática levadas a cabo pelo PAIGC, mas também pelos outros movimentos de libertação nas outras antigas colónias portuguesas, o regime colonial fascista de Portugal estava condenado ao fracasso. Aliás, já em Fevereiro de 1974, o General António Spínola que comandava as tropas portuguesas na Guiné-Bissau, chegou a declarar no seu livro Portugal e o Futuro (1974:235):
“… não é pela força, nem pela proclamação unilateral de uma verdade que conseguiremos conservar portugueses os nossos territórios ultramarinos. Por essa via apenas caminharemos para a desintegração do todo nacional pela amputação violenta e sucessiva das suas parcelas… [já que] Nação e Pátria, muito mais do que criação de um estatuto legal, são sentimento e vivência no subconsciente de cada homem[2]”.
O 25 de Abril de 1974, com a revolução dos cravos, em Portugal, veio dar razão à luta do PAIGC e à magnanimidade do projeto no qual Pedro Pires e os seus companheiros de luta estavam envolvidos.
A Guiné-Bissau e Cabo Verde alcançaram a sua Independência, respetivamente a 24 de Setembro de 1973 e 5 de Julho de 1975.
Pedro Pires não só lutou para a proclamação dessa “Hora Grande”, mas foi quem liderou o grupo de negociações com a antiga potência colonial.
Somente um patriota e um grande humanista seria capaz de lutar para a dignidade e libertação do seu povo, custe o que custar, mesmo que esse custo viesse a ser o sacrifício supremo da própria vida.
Hoje somos independentes, vivemos numa democracia em construção, com o nosso parlamento, o nosso governo, o nosso sistema judicial, o nosso sistema de ensino e de saúde, o nosso hino, a nossa bandeira.
Não fosse o projeto de luta no qual Pedro Pires e outros estiveram envolvidos, não fossem o patriotismo e o humanismo dele e de outros compatriotas, dificilmente a liberdade e a democracia fariam hoje parte do nosso quotidiano. Então, a nossa dívida para com os cabouqueiros da nossa Independência, onde Pires está incluído, é grande. Daí que o título de Honoris Causa, a Pires atribuído, pela Uni-CV, não só é justo como é também merecido. Esse merecimento advém de outros fatores. Pedro Pires, para além de patriota e humanista foi e é para o nosso povo um

II.           LÍDER E VISIONÁRIO
Um líder é aquele que, coordenando uma equipa, é capaz de mobilizar vontades à volta de projetos, de índole diversa, levando os colaboradores, com empatia e espírito de generosidade, a assumi-los, a defendê-los e a valorizá-los, assegurando, deste modo, tanto a eficiência como a eficácia da operação.
Este mesmo líder será um visionário quando for capaz de viver o presente, antecipando o futuro e antevendo os resultados da sementeira feita no presente. E a faculdade de antever as coisas pode condicionar a sementeira, como esta pode influenciar a qualidade e a natureza do futuro em perspetiva.
Ora, não tenho a menor dúvida: Pedro Pires tem sido um líder e um visionário. Vou propor-vos apenas três de entre os momentos que considero mais significativos da sua liderança visionária: 1) chefiando, logo após o 25 de Abril de 1974, a delegação que negociou a Independência da Guiné e de Cabo Verde, tanto em Londres, como em Argel e em Lisboa; 2) na qualidade de Primeiro-Ministro de Cabo Verde Independente, de 1975-1991; 3) fundando, em 2013, o Instituto Pedro Pires, uma instituição voltada para a incubação da liderança no seio da juventude, empoderando-a para a consolidação do processo de desenvolvimento de Cabo Verde e da África. Segundo uma nota de imprensa (ver A Semana online de 30 de Agosto de 2013),
“O IPP pretende desenvolver actividades que promovam e implementem acções de carácter científico, técnico, educativo e sociocultural, em diversos domínios. Por isso vai formar e capacitar jovens líderes, que fomentem uma liderança transformadora e o desenvolvimento da participação cidadã, cooperativa e emancipadora”.
Vejamos cada um dos três momentos de liderança visionária acima referidos:
1.   Chefiando a Delegação que negociou a Independência
Com uma trajetória que inclui: a participação na luta clandestina para a libertação do nosso povo; a mobilização de emigrantes para a luta, no Senegal e em França; a guerrilha nas matas da Guiné; a coordenação do núcleo de militares para a formação em Cuba, e depois na então URSS, para o início da luta armada em Cabo Verde, Pedro Pires granjeou respeito e reconhecimento nas hostes do então PAIGC.
Indigitado chefe de delegação para negociar a Independência, Pedro Pires sabia o quão difícil e complicada era essa missão. Foram a sua habilidade diplomática, as suas qualidades de liderança e a sua capacidade de visionário que possibilitaram a tão bem-sucedida negociação, tendo convencido os seus interlocutores. Aliás, o artigo 6.° do Acordo diz que  O Governo português reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência…”. E o artigo 7º do mesmo Acordo reafirma que O Governo Português e o PAIGC consideram que o acesso à independência, no quadro geral da descolonização dos territórios africanos sob dominação portuguesa, constitui factor necessário para a paz duradoura e uma cooperação sincera …”.

Se hoje, mais de quatro décadas volvidas, vimos celebrando o 5 de Julho, é, em grande medida, devido ao sucesso da liderança de Pedro Pires nas negociações havidas. Ora, esta mesma liderança teve continuidade
2.   Na Qualidade de primeiro Primeiro-Ministro de Cabo Verde
Trata-se de um novo contexto em que o exercício da liderança implicava grandes riscos e grandes desafios. Cabo Verde carecia tanto de recursos materiais e económicos, como da própria mão de obra qualificada, numa situação em que mais de 60% da população era analfabeta. Se a organização e a implantação do Estado de direito eram uma preocupação, a formação, a saúde e a luta contra a fome, numa terra de escassez de água, de chuva e de recursos naturais, eram a prioridade das prioridades. É assim que
Durante três mandatos sucessivos, os Governos chefiados por Pedro Pires levaram a cabo uma política ponderada e pragmática, visando a edificação de um Estado organizado, eficaz e credível... foram concebidos e realizados planos de emergência e impulsionaram-se programas de reforma em diversos domínios da vida nacional. Em seguida, adoptaram-se medidas de liberalização da economia cabo-verdiana, incentivando o investimento da poupança nacional e atraindo os investimentos externos” (in Nota Biográfica).
Apraz registar que, de 1976 a 1988, o PIB per capita passou de 260 para 818 dólares. Atualmente, esse mesmo PIB per capita ascendeu a $4.400, segundo os dados do Banco Mundial de 2013. Os ganhos nos domínios da educação, da formação, da alfabetização e do desenvolvimento económico e social são de tal ordem que Cabo Verde é apontado como exemplo em África, apesar do sonho caboverdiano continuar a aspirar por dias sempre melhores.
Foi o realismo, a pragmática e a liderança visionária de Pedro Pires que conseguiram aquilo que para muitos era uma espécie de fantasia. Com efeito,
“Havia camaradas que tinham posições muito revolucionárias, queriam que o PAIGC se declarasse um partido marxista-leninista. Pedro Pires moderava-os: A única revolução que podemos fazer é promover o desenvolvimento de Cabo Verde …”.
E no cenário de dúvida sobre a viabilidade do País uma missão do Banco Mundial visita Cabo Verde (1975/76) e termina “o seu relatório com a fria conclusão de que Cabo Verde era um país impossível”.
Com a habilidade que o caracteriza, Pedro Pires convence os seus interlocutores a admitirem que o país é difícil, mas que havia a possibilidade de recuperação (cf. Perfil de um Combatente, por G.A.). A história acabaria por dar razão a Pedro Pires e hoje o país é tido como um caso de sucesso em África.
Podia-se referir, ainda, ao contributo da diplomacia caboverdiana na busca da paz e da estabilidade na região africana, particularmente na África Austral, na década de 1980, em que Pedro Pires foi um dos grandes impulsionadores, na convicção de que a opção para uma política de paz era a que melhor servia os intereses  de África e de Cabo Verde.
Revisitemos um outro momento em que sobressai a liderança pragmática e visionária de Pedro Pires. Quero referir-me à
3.   Criação do Instituto Pedro Pires para a Liderança
O exercício e o magistério de liderança de Pedro Pires não se esgotam nas negociações para a independência e nos quinze anos de governação, como Primeiro-Ministro. No final dos seus dois mandatos como Presidente da República, aceita, nos termos legais, abandonar o poder e criar o Instituto Pedro Pires, com o objetivo de passar para a nova geração a experiência de liderança, não apenas no plano pessoal, mas sobretudo no plano global. É que a liderança, nas mais diversas frentes, conduz a um desenvolvimento integrado e inclusivo.
Ora, O instituto Pedro Pires mais não é do que um espaço de incubação de novas lideranças para o desenvolvimento. Temos de admitir que foi a atitude visionária do nosso homenageado e à grande importância que atribui à formação e à gestão de uma liderança fecunda e produtiva que o levou a empreender uma tal iniciativa, sendo certo que se trata de um projeto a que o desenvolvimento de Cabo Verde não pode ficar indiferente.
Numa recente palestra feita na Uni-CV, com a sabedoria que o carateriza, Pedro Pires discorre sobre a problemática “da gestão e da transição”, nos seguintes termos:
“O termo gestão abrange uma ampla lista de atividades que incidem sobretudo na procura da utilização eficiente de recursos disponíveis - humanos, tecnológicos, materiais, económicos financeiros e culturais – concernentes a uma instituição, com o propósito intencional de maximizar o seu bom uso, os seus respectivos rendimentos e, logo, assegurar resultados finais profícuos”.
Referindo-se à transição, Pedro Pires, na minha interpretação, deixa entender que ela surge no âmbito da competição política, não devendo confundir-se nem com a simples mudança, nem com a substituição desenfreada, sem a mínima preparação, sem o devido equacionamento. Ela deve ser “um processo, com um começo e uma conclusão”, processo esse que deve maximizar e potenciar os resultados da mudança, legitimamente conquistada, num quadro democrático, legal e ético, com respeito pelos direitos e garantias, tanto os das minorias como os da maioria, direitos esses constitucionalmente consagrados.
No nosso entendimento, a transição só pontualmente pode interessar ao Instituto Pedro Pires. O mesmo não se pode dizer da gestão para o desenvolvimento que, ao que tudo indica, constitui o fundamento do Instituto acima referido. O empoderamento de gestores, através da “utilização eficiente dos recursos disponíveis” para “assegurar os resultados finais profícuos” constitui o principal objetivo da instituição criada por Pedro Pires. Ainda que fosse apenas pela importância que atribui à formação, e pela política cada vez mais inclusiva de educação, nos quinze anos que chefiou o Governo de Cabo Verde, política esta defendida e encorajada nos dez anos que exerceu a Magistratura Suprema da Nação, a atribuição de Honoris Causa teria razão de ser. Arrisco-me a dizer que, sem essa política educativa, a Uni-CV poderia não existir hoje.
Não restam dúvidas de que é vasto o contributo de Pedro Pires para o desenvolvimento de Cabo Verde, da paz e estabilidade em África, mas ele é muito mais de tudo o que ficou já dito. Uma outra faceta dele consiste em ser
III.          UM HOMEM DE PALAVRA,
          COMPROMETIDO COM O SEU POVO
Um homem de palavra é aquele que procura a verdade, que diz a verdade, que respeita a verdade, que partilha a verdade, sem a distorcer, nem a adulterar. Um homem de palavra é tanto mais estimado e respeitado quanto maior for o seu sentido de ética e a sua prática de justiça, quanto mais elevado for o nível do seu humanismo e patriotismo.
É por ser um homem de palavra, estimado e respeitado por um número significativo de concidadãos, que Pedro Pires, por dois mandatos consecutivos, foi Presidente da República. Não é sem sentido que escolheu como lema, no primeiro mandato, “Um Homem de Palavra” e, no segundo mandato, “Um Homem Comprometido com o seu Povo”.
A verdade e a sinergia contidas nesses dois lemas catapultaram Pedro Pires à Magistratura Suprema da Nação.
É, seguramente, o estatuto de homem de palavra, comprometido com o seu povo, que levou Pedro Pires a envolver-se na luta para a libertação o seu povo; que o levou a ter sucesso nas negociações para a Independência; que o ajudou, juntamente com outros compatriotas, a construir um Cabo Verde de esperança, cada vez mais inclusivo, cada vez mais desenvolvido, cada vez mais ancorado na cultura, no orgulho nacional, na educação e na formação, com cada vez mais pão e fonema, com cada vez mais qualidade de vida e do ambiente.
Em Cabo Verde, a nossa riqueza maior são os recursos humanos, mas a matéria-prima que molda a nossa cultura, a nossa história, a nossa vivência, o nosso quotidiano e o nosso desenvolvimento é, sobretudo, a palavra, mas também o compromisso criativo e inclusivo que com ela possamos ter, a favor do humanismo, em geral, e do nosso povo, em particular.
Sabe-se que é por falta de compromisso sério com a palavra, com a verdade que ela deve veicular, e com a ética que a deve enformar e condicionar, que hoje assistimos, na cena mundial, às guerras fratricidas; à corrupção generalizada; à exploração do mais forte; à fome e à miséria, particularmente nos países menos desenvolvidos; à luta cega pelo poder; ao enriquecimento ilícito; ao desrespeito pelos direitos humanos; à exclusão social; à info-exclusão; à negação da qualidade de vida para todos.
Pedro Pires, ao assumir-se como um homem de palavra, queria também ter um forte compromisso com a verdade e com a ética, a favor do seu povo, mas também a favor do humanismo. O compromisso feito foi respeitado. Aliás, se em 2011 foi galardoado com o Prémio Mo Ibrahim, é porque o País e a comunidade internacional reconhecem a justeza e a vitalidade do seu compromisso com a palavra, com a verdade, com a ética, com a boa governança e com o desenvolvimento da sua terra. De ressaltar que o presidente de júri do prémio, o senhor Salim Ahmed Salim declarou que:
O Comité ficou impressionado pela visão do Presidente Pedro Pires em transformar Cabo Verde num modelo de democracia, estabilidade e crescente prosperidade”.
Creio que a Uni-CV ao atribuir-lhe o título de Honoris Causa o reconhece, ainda, como patriota e humanista, como líder e visionário, como homem de palavra, comprometido com a verdade e com a ética.
Obrigado, Pedro Pires, pelo rico legado que proporcionou e vem proporcionando ao nosso povo. Obrigado, Uni-CV, por esta tão merecida distinção.
Ao nosso homenageado, a comunidade académica e o coletivo dos doutores da Uni-CV desejam as maiores venturas e formulam votos de longa vida e de muitas outras azáguas da palavra, da ética, de liderança visionária e de compromisso patriótico com o nosso povo.

                                                            Novembro de 2016
                                                                Manuel Veiga
                                                     (Professor Jubilado da Uni-CV)





[1] Afirmação do Professor Luís Fontoura no discurso, como padrinho, na outotorga de doutotor honoris causa a Pedro Pires pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em 2011.
[2]Citação de Jorge Querido em Tempos de um Tempo que Passou (2015:226):

sábado, 19 de novembro de 2016

Atribuição do título de Doutor Honoris Causa
Hoje, 19 de Novembro de 2016, a Uni-CV, no quadro do seu décimo aniversário, vai atribuir ao Ex-Presidente da República, Comandante Pedro Pires, o título de Doutor Honoris Causa.
Fui escolhido para padrinho do doutorando, devendo apresentar as razões que justifiquem a pertinência, a justeza e a oportunidade dessa atribuição.
Fico muito honrado com esta incumbência e estou preparado para proferir um dos discursos mais importantes do meu percurso académico. Falarei de três aspetos que fazem do homenageado uma referência em Cabo Verde a) Pedro Pires: patriota e humanista; b) Pedro Pires: Líder e Visionário; c) Pedro Pires: Um Homem de Palavra, Comprometido com o seu Povo.
Obrigado Uni-CV, felicitações ao novo Doutor Honoris Causa.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016


Saudações e agradecimento
Boa tarde,
Começo por agradecer o amável convite do Doutor Veiga para uma coapresentação deste livro.
Doutor Veiga reúne neste livro, A PALAVRA E O VERBO, as suas principais comunicações e discursos sobre a cultura cabo-verdiana enquanto linguista que é, mas também como governante que foi e ainda como professor universitário. Coube-me a mim, apresentar a primeira e a segunda partes do livro dedicada à linguística e estudos linguísticos da língua cabo-verdiana.
Elegendo o nosso crioulo, como o elemento central da nossa crioulidade e o elo de entre os demais os elementos, o autor  faz-nos um historial sobre a origem  da língua cabo-verdiana que se confunde com a própria história do povoamento das ilhas, descreve-nos a estrutura da língua cabo-verdiana, como uma única língua, e apresenta as  características gramaticais particulares e únicas do nosso crioulo que a diferenciam das outras línguas latinas, por exemplo da  língua portuguesa, que poderá ser a língua latina mais próxima do nosso crioulo ao mesmo tempo que deixa aqui selado as suas posições relativamente às questões sociolinguísticas que inquietaram e continuam a inquietar a nossa sociedade. Refiro-me à valorização da língua cabo-verdiana, seu funcionamento e uso enquanto língua materna e língua nacional de uma comunidade.
Esta obra, como dissemos, é a vivência profissional do autor, enquanto linguista que em diferentes momentos e lugares valorizou, a língua cabo-verdiana seja com comunicações, discursos, legislação ou artigos de opinião com conhecimento de causa.  
São textos que foram escritos para um público alvo diferente, mas pelo interesse do tema e pela abordagem precisa, é de interesse primeiro para todos os falantes do crioulo, para o público académico, nacional e internacional e para a sociedade em geral, já que nela encontramos toda a evolução dos estudos da língua cabo-verdiana, referências, atos, incentivos e legislação.  Vejo-o como uma obra de referência ao lado das demais obras do autor e que  enriquece a longa e lenta caminhada dos estudos linguísticos cabo-verdianos.
N “ A PALAVRA E O VERBO encontramos desde o levantamento de todas as referências bibliográficas  que dizem respeito ao nosso crioulo, começando com a primeira referência de um cariz mais cientifico,  e que  apareceu no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (1880). Escrito por António de Paula Brito com o título  Apontamentos para a Gramática do Crioulo que se Fala na Ilha de Santiago de Cabo Verde”, seguindo-lhe Pedro Cardoso, Eugénio Tavares, Napoleão Fernandes e já no séc. XX Baltasar Lopes (1957) com o seu Dialecto crioulo de Cabo Verde e ainda Dulce Almada Duarte ( 1960), para focar apenas os pioneiros dos estudos crioulos cujas ideias e posturas académicas continuam atuais. Mas ainda é possível localizar aqui, a identificação de todos os sujeitos que na época pré e pós independência  se posicionaram em defesa da língua cabo-verdiana.
Como nos diz o autor, até meados do séc. XIX, o crioulo já formado era usado sem sobressaltos.  Os discursos epilinguísticos começaram nos meados do séc. XIX e as tentativas deliberadas de  sufocar a língua crioula ganharam destaque nesta altura, com introdução do ensino formal em Cabo Verde, mais precisamente, a criação do primeiro liceu – o seminário-liceu de S. Nicolau – em 1866. Agudizaram-se os discursos contra o uso e o desenvolvimento do crioulo, nos finais do  séc. XIX, discursos esses que o autor, na pág, 124, chama de Discurso da negação do crioulo cabo-verdiano.
Estes discursos tinham como objetivo desmotivar o uso da língua cabo-verdiana, já que a politica linguística na altura era construir a unidade do império, baseado na existência de uma língua únicaNo império Português fala-se português!  (faz-nos lembrar as comunidades imaginadas de Benedite Anderson!!!) Como diz o próprio autor ( pag 220) “ Não era suposto o surgimento do crioulo cabo-verdiano no âmbito das expansões lusas quinhentistas. O crioulo só nasceu devido, sobretudo, a uma feliz distração do rei Afonso V. Com efeito, muito dificilmente o crioulo surgiria sem a bendita Carta Régia de 1472 (…) “ que ordena “ que os armadores portugueses só podiam comercializar na costa ocidental africana co “ as novidades da terra”, isto é com o artesanato e outros produtos locais.” Tendo que ficar uma parte de africanos escravizados em Cabo Verde para cultivar a terra e desenvolver o artesanato local e outras lides, e estando presentes os armadores portugueses tinha-se acabado de criar as condições ideias para o desenvolvimento de uma língua. 
A emergência e o desenvolvimento do nosso crioulo nestas ilhas, era (e? para alguns ainda hoje?) um inimigo a abater! Mas os cabo-verdianos, alguns, como os pioneiros que atrás me referi, cedo tiveram a consciência de que no arquipélago de Cabo Verde tinha emergido uma língua. E assim, ao lado destes discursos de negação aparecem os Discursos de afirmação do Crioulo, registadas na pág, 125.
Fontes históricas   citadas ao longo de vários artigos no livro, confirmam que o povoamento de Cabo Verde, da ilha de santiago (e Fogo ligeiramente mais tarde), começou em 1462 e aí teria começado o primeiro momento da formação do nosso crioulo  com a presença de línguas europeias, nomeadamente:
 -  o português falado no Norte e sul de Portugal
- o português falado na Madeira;
-  castelhano
-  wolof, mandinga  e demais alguma outra língua africana
É de notar tb que nos diz que estes falantes não eram os falantes da norma culta do português e nem pertenciam a classes sociais privilegiadas.
Falamos de um primeiro momento de formação do crioulo, sim, porque o autor distingue três momentos de formação da nossa língua. A primeira geração nasceu em Santiago, a partir da segunda metade do séc. XV, sabendo que finais do séc. XVI – inicio de séc. XVII já se registava a presença da língua crioula.
Se no primeiro momento, a língua portuguesa era a língua de base, no segundo momento (pg. 194), no momento da formação da segunda geração do nosso crioulo, localiza-se na Ilha do fogo com um contexto social e linguístico parecido com o da primeira geração. Possivelmente, este será a explicação para uma maior aproximação destas duas variedades, apesar de cada uma ter as suas variantes próprias.   Quem for consultar o livro poderá identificar estas variantes bem como variação lexical. Damos apenas alguns exemplos, como por exemplo a pronúncia os pronomes pessoais da primeira pessoa do plural, que em santiago se diz “nu” e no Fogo “du”.
E num último momento, avança o autor, a variedade de S. Vicente aparece como exemplo da terceira geração da língua cabo-verdiana, com início no séc. XVIII e que recebeu como input as variedades das outras ilhas já bem desenvolvidas e estado estável.

No entanto, apesar destas diferenças temporais e consequentes alterações na estrutura gramatical da língua consoante os espaços e tempo, o autor não tem dúvidas que se trata de uma única língua, pois sempre houve intercompreensão ainda que várias vezes, em vários momentos, a intercompreensão só foi possível devido aquilo que o autor chama de tolerância linguística dos falantes. Na literatura sobre a filosofia da linguagem e no modelo proposto por Henry Paul Grice, trata-se de Cooperação linguística  - “Grice no seu modelo de análise das manifestações linguísticas e das práticas de conversação que se tornam paradigmáticas, ele diz que nossas intervenções linguísticas são, principalmente (…) esforços cooperativos em que cada interlocutor reconhece em si e nos demais um ou um conjunto de propósito em que cada ato linguístico é concebido como uma contribuição nesse esforço cooperativo.
O autor no seu levantamento bibliográfico sobre a nossa língua, têm anotado a partir das págs. 311, dissertações, teses e publicações que contribuíram para a afirmação da lcv no meio académico, dentro e fora do país e que estudaram já com algum grau de cientificidade quase todas as variedades, isto no âmbito do mestrado em crioulística, coordenado por ele.
Na A PALAVRA E O VERBO, obra que o autor escolheu para deixar vincadas a sua posição em relação a vários aspetos do crioulo cabo-verdiano, não ficou de fora a tomada de posição relativamente à situação do contacto de línguas em que Cabo Verde vive.
Defende que Cabo Verde vive uma diglossia, que se caminhou rapidamente para um bilinguismo mas que este ainda está em construção. Ainda se nota a presença da Diglossia.  No entanto, passos importantes foram dados como a aprovação do Artigo 9º da nossa Carta Magna.  O autor fala da construção de uma nação bilingue, com a adoção de algumas medidas, entre elas a introdução da língua cabo-verdiana no ensino formal desde o ensino básico, cumprindo alguns requisitos.
Na introdução da lcv no ensino um desafio é a padronização e que ele desmistifica apresentando uma proposta que respeita a diversidade linguística.
Lembra que para além de proporcionar o conhecimento da língua materna,  ela ainda aumenta o autoestima das crianças  e dá-lhes maior segurança linguística no uso das duas línguas e permite um maior desenvolvimento da competência comunicativa.
Tendo em conta as variedades, na palavra do autor o nosso atlas linguístico, nos dá duas zonas linguísticas bem distintas, uma para o norte e outra para o sul. E a partir de aí focalizar-se numa variedade que seja social e regionalmente aceite e não fazer a opção por uma única variedade para toda o arquipélago. A ideia seria na zona de barlavento, opta-se pela variedade de São Vicente, mas dando a conhecer aos alunos as particularidades das outras variedades. E na zona sul, tomar a variedade de Santiago como base. 
Para melhor se entender e identificar as variantes de cada variedade e os traços comuns recomendamos a consulta da obra, nas páginas 195-199 e 141 a 151.
Ainda sobre a introdução da lcv no ensino e ensino bilingue, o autor aponta algumas medidas e entre elas, investimento na formação do corpo docente, suporte institucional forte, monitoramento e continuação de investigação sobre a língua cabo-verdiana.
Porque é apenas uma apresentação do livro e não devo esgotá-lo aqui na apresentação até porque há mais um apresentador…
A terminar, alerto que o livro pode ser considerado bilingue uma vez que tem textos escritos em português e em crioulo e desafio-vos a fazerem uma leitura integral do livro, ou seja não saltem os textos em crioulo.

Reitero os meus agradecimentos ao doutor Veiga pelo convite e muito obrigada pela vossa paciência.

Adelaide Monteiro
Linguista