sábado, 29 de fevereiro de 2020

ARTIGO 9º DA CONSTITUIÇÃO (O que diz o legislador)




Continua a haver ambiguidades na interpretação do artigo 9º da Constituição da República, cuja epígrafe é “Línguas Oficiais”, integrando três alíneas:

a)      “É língua oficial o Português.

b)      O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa.

c)      Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las”.

Para um linguista, como é o meu caso, a interpretação da epígrafe, em conjugação com o articulado das três alíneas, leva-mea concluir que, através do artigo 9º, a Constituição da República reconheceu o estatuto de oficialidade tanto ao português, como ao crioulo. É que as palavras significam e a gramática e a semântica explicitam esse mesmo significado. E o linguista, por formação, tem a obrigação de poder captar o significado das palavras e de compreender a semântica e o funcionamento da gramática das línguas que sabe ou que estudou.

É por isso que, desde sempre, entendi que, pelo articulado do artigo 9º, acima referido, o português era língua oficial plena e o crioulo língua oficial, em construção.

A minha convicção ficou reforçada quando, através de um artigo de Marciano Moreira (ver o Jornal A Nação, nº 652, de 27/02/20200), pude relembrar-me da afirmação de um dos legisladores, na circunstância o então deputado Carlos Veiga, que como porta-voz do seu grupo parlamentar, no debate da revisão constitucional de 1999, afirmou:

“(…) nu ten dos língua oficial. Tudu dos é di-nos, di faktu, komu línguas nasional. É pur isu ki epígrafi di artigu é Linguas Ofisial (…). Un dja é plenamente ofisial … kelotu sta en konstruson”(ver a ata do dia 20/07/1999, p. 15-16).

Naquela mesma sessão, o deputado Eutrópio Lima da Cruza, também como porta-voz do seu grupo parlamentar,  defendera, para o crioulo, o estatuto de “Língua Oficial em Construção”.

Apesar de tudo, continua a haver quem se escude apenas na alínea a) do artigo em referência para defender que o crioulo ainda não esta oficializado.

A essa gente, eu gostaria de perguntar: quando na epígrafe vem “Línguas Oficiais” será que se trata apenas de uma língua? Isto seria uma interpretação contrária ao significado do sintagma. Quando na alínea a) vem “é Língua Oficial o português" e não “A Língua Oficial é o português”, a conclusão que se pode tirar é que há espaço para haver uma outra língua oficial e que, na circunstância, só pode ser o crioulo caboverdiano.

Na alínea b), de acordo com o articulado, o que se pretende dizer é que ao crioulo que já é língua oficial em construção deve poder contar com as condições que possam promover a elevação do seu estatuto a uma paridade com a língua portuguesa que já goza do estatuto de língua oficial plena.

Na interpretação da alínea c), do artigo 9º, temos que convir que, se “os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las” é porque essas línguas oficiais existem.

Na verdade, não se pode exigir um dever e conferir um direito de algo que não existe.

Devo ainda acrescentar que, face à ambiguidade na interpretação do artigo 9º da Constituição, eu próprio, num debate aqui na Praia, em que participou o jurista Vladmir Brito, considerado pai da nossa Constituição, pedi-lhe que esclarecesse qual era o estatuto do português e o do crioulo  caboverdiano que a Constituição reconhece. A resposta foi clara: "o português é língua oficial plena e o crioulo é língua materna e oficial em construção". Esta informação foi prestada na presença da Professora Doutora Amália Melo.

Face ao que ficou exposto, a nova revisão constitucional tem apenas de explicitar o que já é implícito na alínea a), do artigo 9º, isto é: a) “São Línguas oficiais o português e o caboverdiano”.  b) O Estado promove as condições para a construção efetiva da paridade entre as duas línguas oficiais. A alínea c) permanece inalterável.




sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O CRIOULO E “A DOCE GUERRA”




A construção da tão desejada PADRONIZAÇÃO, no Crioulo de Cabo Verde, exige ciência, paciência, sabedoria, bom senso, investimento afetivo, cultural, académico, pedagógico, económico e geracional.
A PADRONIZAÇÃO não é uma meta, ela é um processo, uma caminhada de todos, com determinação, ciência e bom senso, mas sem pressa de terminar o percurso ou de queimar etapas.
No processo da PADRONIZAÇÃO há uma fase em que temos a unidade básica do crioulo, na diversidade. É a fase em que nós nos encontramos, neste momento. É essa unidade básica, na diversidade, que faz com que eu, sendo badio, possa compreender, basicamente, as variantes e variedades das ilhas todas. Penso que o mesmo acontece com todos os caboverdianos, embora em níveis diferenciados, de acordo com o grau de aquisição e socialização das diversas variantes.
Porém, não é essa padronização do básico, na diversidade, que se pretende. O que se quer é a SUPERIOR UNIDADE FUNDAMENTAL DO CRIOULO, NA INCLUSÃO. Esse desiderato só pode ser fruto de um longo processo, com os necessários investimentos na prática linguística de todas e de cada variante, na investigação, no ensino, na criação literária e artística, na diversificação dos domínios de emprego, em situações formais e informais. Isto pode levar décadas. Porém é preciso ter em conta que a cronologia de uma língua é, de longe, superior à de qualquer indivíduo.
Tal tarefa de construção dessa superior unidade é do Governo, é das autarquias, é dos estabelecimentos de ensino, é dos professores, é dos artistas e escritores, é dos pais e encarregados de educação, é das associações, é da cidadania em geral. É, portanto, UM DESÍGNIO NACIONAL.
Tudo isto para dizer que se queremos alcançar um tal objetivo, cada um tem que colocar a sua pedra no edifício, em construção. Utilizando a bonita metáfora de Antero Simas (a quem envio um abraço de amizade e solidariedade) direi que há que fazer “uma doce guerra” a favor das variantes e variedade do Crioulo Caboverdiano para que a sua Superior Unidade venha a ser uma conquista e uma vivência saudável e inclusiva.
Que cada um equacione o problema e programe a sua "feuille de route"
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

REGRAS DE ACENTUAÇÃO NO CRIOULO


1  

Cada uma das seis regras da acentuação vai figurar como R1, R2, R3, R4, R5, R6, sendo certo que R= regra.
A acentuação, no presente contexto, é a indicação da vogal sobre a qual recai a tónica da palavra.
Há que ter em conta que todas as palavras têm o seu acento próprio. Não se deve confundir acento com diacrítico que é o sinal gráfico que recai sobre as vogais tónicas de certas palavras. Há que ter presente que mesmo as palavras sem diacrítico têm acento, como: «kume, skrebe, djata».
Uma regra de ouro para a economia da escrita consiste em colocar diacrítico (comummente chamados “acentos”) somente lá onde eles não são previsíveis  (preditíveis).
Deve-se  estabelecer regras que privilegiem, de forma sistemática, o não uso de diacríticos, sempre que seja previsível a sílaba tónica.
Este procedimento faz com que o texto seja leve e despido de ornamentação desnecessária.

R1
Em Caboverdiano, a maior parte das palavras é grave. Neste caso, o acento é previsível, não havendo a necessidade de nenhum diacrítico para assinalar a sílaba tónica.
Os exemplos abundam: «banda, fidju/fidje, povu/e, txuba/txuva, oxi/aoje, aonte».
[NB: quando a palavra é grave e a vogal tónica é um i ou um u precedidos de uma outra vogal com a qual não fazem sílaba, a vogal tónica leva diacrítico: «saúdi, faíska, raínha»].

R2
Quando a palavra é grave e a sílaba tónica é um «é» ou um «ó» (semi-abertos) usa-se o diacrítico.
Exemplos: béku, féra, patéta, kuméta, néta;
róda, bóka, nóka, fódja, rótxa,  mónda;
NB: No «á» de palavras graves considera-se previsível a sílaba tónica: ratu, matu, patu. Nos pares mínimos, o «a» mais aberto leva diacrítico: sábi/sabi (e) (adjetivo e verbo, respetivamente).

R3
Todas as palavras esdrúxulas levam diacrítico:
Exemplos: «sílaba prátiku/ke, búsula,  rústiku/ke».

R4
a)     As palavras agudas, de uma só sílaba, levam diacrítico, de acordo com a natureza vocálica, se terminarem por e ou por o (abertos, seguidos ou não de “s”): “fé, pó.

b)    Se a palavra é aguda, de uma só sílaba, e terminar por e ou o fechados); por a, i, o, u, seguidos ou não de s, não leva diacrítico, salvo se se tratar de pares mínimos: “bes, tres, mes[1], la, li, dju».

Porém, diz-se: «pa/pá; mas/más; nu/nú», por serem pares mínimos. Constitui ainda exceção a escrita da conjunção coordenada disjuntiva: ô. E isto para diferenciar do artigo definido “o”, do português.

c)     As palavras agudas, de mais de uma sílaba, levam sempre diacrítico, de acordo com a natureza vocálica: «atrás, rapás,  kafé, raís, país».

d)    Os pronomes pessoais e demonstrativos, os determinantes possessivos e demonstrativos, sendo classes gramaticais fechadas e de grande rendimento funcional, não levam diacrítico: «bo, bu, abo, nos, anos, es, aes, nhos, anhos, mi, ami, nho, anho, nha, anha;  es, es-li,  kel, kel-li, kel-la».

R5
As palavras terminadas por [n, r, l], são normalmente agudas. A sílaba tónica é previsível, por isso não se usa o diacrítico:
Exemplo: «kanson, kurason, profesor, amor, baril».
Quando as palavras terminam por n, r, l e não são agudas, levam o acento:
Exemplo: «jóven, sensível».
NB: No R5 do ALUPEC Falava-se de palavras terminadas por uma consoante que não o s do plural.

R6
As palavras terminadas por um ditongo precedido de uma consoante são, normalmente, agudas e não precisam de diacrítico (já que o seu acento é preditível):
Exemplo: «balai, liseu. Romeu, Bartolomeu, sabedoria».
Sempre que essas mesmas palavras não são agudas, levam diacrítico, de acordo com a natureza vocálica
Exemplo: «patrísiu, língua, míngua, azágua, sabedoria/sabedoriâ».
Em «txapéu», o diacrítico indica a natureza vocálica e não a sílaba tónica que é previsível. Em «praia, feiu» segue-se R1 já que o ditongo não é precedido de consoante.




[1] Até a elaboração de Profecias do Ali-Ben-Ténpu, eu escrevia as palavras agudas de uma sílaba só, seguidas ou não de “s”, com um diacrítico, de acordo com a natureza vocálica. Alguém chamou a minha atenção dizendo que, como acontece, com a R2, apenas o “é” e o “ó”de palavras agudas de uma só sílaba, deveriam ter o diacrítico. A observação tinha lógica, favorecia a economia, em termos do uso de diacríticos, e passei a observá-la.