segunda-feira, 14 de novembro de 2016


Saudações e agradecimento
Boa tarde,
Começo por agradecer o amável convite do Doutor Veiga para uma coapresentação deste livro.
Doutor Veiga reúne neste livro, A PALAVRA E O VERBO, as suas principais comunicações e discursos sobre a cultura cabo-verdiana enquanto linguista que é, mas também como governante que foi e ainda como professor universitário. Coube-me a mim, apresentar a primeira e a segunda partes do livro dedicada à linguística e estudos linguísticos da língua cabo-verdiana.
Elegendo o nosso crioulo, como o elemento central da nossa crioulidade e o elo de entre os demais os elementos, o autor  faz-nos um historial sobre a origem  da língua cabo-verdiana que se confunde com a própria história do povoamento das ilhas, descreve-nos a estrutura da língua cabo-verdiana, como uma única língua, e apresenta as  características gramaticais particulares e únicas do nosso crioulo que a diferenciam das outras línguas latinas, por exemplo da  língua portuguesa, que poderá ser a língua latina mais próxima do nosso crioulo ao mesmo tempo que deixa aqui selado as suas posições relativamente às questões sociolinguísticas que inquietaram e continuam a inquietar a nossa sociedade. Refiro-me à valorização da língua cabo-verdiana, seu funcionamento e uso enquanto língua materna e língua nacional de uma comunidade.
Esta obra, como dissemos, é a vivência profissional do autor, enquanto linguista que em diferentes momentos e lugares valorizou, a língua cabo-verdiana seja com comunicações, discursos, legislação ou artigos de opinião com conhecimento de causa.  
São textos que foram escritos para um público alvo diferente, mas pelo interesse do tema e pela abordagem precisa, é de interesse primeiro para todos os falantes do crioulo, para o público académico, nacional e internacional e para a sociedade em geral, já que nela encontramos toda a evolução dos estudos da língua cabo-verdiana, referências, atos, incentivos e legislação.  Vejo-o como uma obra de referência ao lado das demais obras do autor e que  enriquece a longa e lenta caminhada dos estudos linguísticos cabo-verdianos.
N “ A PALAVRA E O VERBO encontramos desde o levantamento de todas as referências bibliográficas  que dizem respeito ao nosso crioulo, começando com a primeira referência de um cariz mais cientifico,  e que  apareceu no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (1880). Escrito por António de Paula Brito com o título  Apontamentos para a Gramática do Crioulo que se Fala na Ilha de Santiago de Cabo Verde”, seguindo-lhe Pedro Cardoso, Eugénio Tavares, Napoleão Fernandes e já no séc. XX Baltasar Lopes (1957) com o seu Dialecto crioulo de Cabo Verde e ainda Dulce Almada Duarte ( 1960), para focar apenas os pioneiros dos estudos crioulos cujas ideias e posturas académicas continuam atuais. Mas ainda é possível localizar aqui, a identificação de todos os sujeitos que na época pré e pós independência  se posicionaram em defesa da língua cabo-verdiana.
Como nos diz o autor, até meados do séc. XIX, o crioulo já formado era usado sem sobressaltos.  Os discursos epilinguísticos começaram nos meados do séc. XIX e as tentativas deliberadas de  sufocar a língua crioula ganharam destaque nesta altura, com introdução do ensino formal em Cabo Verde, mais precisamente, a criação do primeiro liceu – o seminário-liceu de S. Nicolau – em 1866. Agudizaram-se os discursos contra o uso e o desenvolvimento do crioulo, nos finais do  séc. XIX, discursos esses que o autor, na pág, 124, chama de Discurso da negação do crioulo cabo-verdiano.
Estes discursos tinham como objetivo desmotivar o uso da língua cabo-verdiana, já que a politica linguística na altura era construir a unidade do império, baseado na existência de uma língua únicaNo império Português fala-se português!  (faz-nos lembrar as comunidades imaginadas de Benedite Anderson!!!) Como diz o próprio autor ( pag 220) “ Não era suposto o surgimento do crioulo cabo-verdiano no âmbito das expansões lusas quinhentistas. O crioulo só nasceu devido, sobretudo, a uma feliz distração do rei Afonso V. Com efeito, muito dificilmente o crioulo surgiria sem a bendita Carta Régia de 1472 (…) “ que ordena “ que os armadores portugueses só podiam comercializar na costa ocidental africana co “ as novidades da terra”, isto é com o artesanato e outros produtos locais.” Tendo que ficar uma parte de africanos escravizados em Cabo Verde para cultivar a terra e desenvolver o artesanato local e outras lides, e estando presentes os armadores portugueses tinha-se acabado de criar as condições ideias para o desenvolvimento de uma língua. 
A emergência e o desenvolvimento do nosso crioulo nestas ilhas, era (e? para alguns ainda hoje?) um inimigo a abater! Mas os cabo-verdianos, alguns, como os pioneiros que atrás me referi, cedo tiveram a consciência de que no arquipélago de Cabo Verde tinha emergido uma língua. E assim, ao lado destes discursos de negação aparecem os Discursos de afirmação do Crioulo, registadas na pág, 125.
Fontes históricas   citadas ao longo de vários artigos no livro, confirmam que o povoamento de Cabo Verde, da ilha de santiago (e Fogo ligeiramente mais tarde), começou em 1462 e aí teria começado o primeiro momento da formação do nosso crioulo  com a presença de línguas europeias, nomeadamente:
 -  o português falado no Norte e sul de Portugal
- o português falado na Madeira;
-  castelhano
-  wolof, mandinga  e demais alguma outra língua africana
É de notar tb que nos diz que estes falantes não eram os falantes da norma culta do português e nem pertenciam a classes sociais privilegiadas.
Falamos de um primeiro momento de formação do crioulo, sim, porque o autor distingue três momentos de formação da nossa língua. A primeira geração nasceu em Santiago, a partir da segunda metade do séc. XV, sabendo que finais do séc. XVI – inicio de séc. XVII já se registava a presença da língua crioula.
Se no primeiro momento, a língua portuguesa era a língua de base, no segundo momento (pg. 194), no momento da formação da segunda geração do nosso crioulo, localiza-se na Ilha do fogo com um contexto social e linguístico parecido com o da primeira geração. Possivelmente, este será a explicação para uma maior aproximação destas duas variedades, apesar de cada uma ter as suas variantes próprias.   Quem for consultar o livro poderá identificar estas variantes bem como variação lexical. Damos apenas alguns exemplos, como por exemplo a pronúncia os pronomes pessoais da primeira pessoa do plural, que em santiago se diz “nu” e no Fogo “du”.
E num último momento, avança o autor, a variedade de S. Vicente aparece como exemplo da terceira geração da língua cabo-verdiana, com início no séc. XVIII e que recebeu como input as variedades das outras ilhas já bem desenvolvidas e estado estável.

No entanto, apesar destas diferenças temporais e consequentes alterações na estrutura gramatical da língua consoante os espaços e tempo, o autor não tem dúvidas que se trata de uma única língua, pois sempre houve intercompreensão ainda que várias vezes, em vários momentos, a intercompreensão só foi possível devido aquilo que o autor chama de tolerância linguística dos falantes. Na literatura sobre a filosofia da linguagem e no modelo proposto por Henry Paul Grice, trata-se de Cooperação linguística  - “Grice no seu modelo de análise das manifestações linguísticas e das práticas de conversação que se tornam paradigmáticas, ele diz que nossas intervenções linguísticas são, principalmente (…) esforços cooperativos em que cada interlocutor reconhece em si e nos demais um ou um conjunto de propósito em que cada ato linguístico é concebido como uma contribuição nesse esforço cooperativo.
O autor no seu levantamento bibliográfico sobre a nossa língua, têm anotado a partir das págs. 311, dissertações, teses e publicações que contribuíram para a afirmação da lcv no meio académico, dentro e fora do país e que estudaram já com algum grau de cientificidade quase todas as variedades, isto no âmbito do mestrado em crioulística, coordenado por ele.
Na A PALAVRA E O VERBO, obra que o autor escolheu para deixar vincadas a sua posição em relação a vários aspetos do crioulo cabo-verdiano, não ficou de fora a tomada de posição relativamente à situação do contacto de línguas em que Cabo Verde vive.
Defende que Cabo Verde vive uma diglossia, que se caminhou rapidamente para um bilinguismo mas que este ainda está em construção. Ainda se nota a presença da Diglossia.  No entanto, passos importantes foram dados como a aprovação do Artigo 9º da nossa Carta Magna.  O autor fala da construção de uma nação bilingue, com a adoção de algumas medidas, entre elas a introdução da língua cabo-verdiana no ensino formal desde o ensino básico, cumprindo alguns requisitos.
Na introdução da lcv no ensino um desafio é a padronização e que ele desmistifica apresentando uma proposta que respeita a diversidade linguística.
Lembra que para além de proporcionar o conhecimento da língua materna,  ela ainda aumenta o autoestima das crianças  e dá-lhes maior segurança linguística no uso das duas línguas e permite um maior desenvolvimento da competência comunicativa.
Tendo em conta as variedades, na palavra do autor o nosso atlas linguístico, nos dá duas zonas linguísticas bem distintas, uma para o norte e outra para o sul. E a partir de aí focalizar-se numa variedade que seja social e regionalmente aceite e não fazer a opção por uma única variedade para toda o arquipélago. A ideia seria na zona de barlavento, opta-se pela variedade de São Vicente, mas dando a conhecer aos alunos as particularidades das outras variedades. E na zona sul, tomar a variedade de Santiago como base. 
Para melhor se entender e identificar as variantes de cada variedade e os traços comuns recomendamos a consulta da obra, nas páginas 195-199 e 141 a 151.
Ainda sobre a introdução da lcv no ensino e ensino bilingue, o autor aponta algumas medidas e entre elas, investimento na formação do corpo docente, suporte institucional forte, monitoramento e continuação de investigação sobre a língua cabo-verdiana.
Porque é apenas uma apresentação do livro e não devo esgotá-lo aqui na apresentação até porque há mais um apresentador…
A terminar, alerto que o livro pode ser considerado bilingue uma vez que tem textos escritos em português e em crioulo e desafio-vos a fazerem uma leitura integral do livro, ou seja não saltem os textos em crioulo.

Reitero os meus agradecimentos ao doutor Veiga pelo convite e muito obrigada pela vossa paciência.

Adelaide Monteiro
Linguista



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