Saudações e agradecimento
Boa tarde,
Começo por agradecer o amável convite
do Doutor Veiga para uma coapresentação deste livro.
Doutor Veiga reúne neste livro, A
PALAVRA E O VERBO, as suas principais comunicações e discursos sobre a cultura cabo-verdiana
enquanto linguista que é, mas também como governante que foi e ainda como
professor universitário. Coube-me a mim, apresentar a primeira e a segunda
partes do livro dedicada à linguística e estudos linguísticos da língua
cabo-verdiana.
Elegendo o nosso crioulo, como o
elemento central da nossa crioulidade e o elo de entre os demais os elementos,
o autor faz-nos um historial sobre a
origem da língua cabo-verdiana que se
confunde com a própria história do povoamento das ilhas, descreve-nos a estrutura
da língua cabo-verdiana, como uma única língua, e apresenta as características gramaticais particulares e
únicas do nosso crioulo que a diferenciam das outras línguas latinas, por
exemplo da língua portuguesa, que poderá
ser a língua latina mais próxima do nosso crioulo ao mesmo tempo que deixa aqui
selado as suas posições relativamente às questões sociolinguísticas que
inquietaram e continuam a inquietar a nossa sociedade. Refiro-me à valorização
da língua cabo-verdiana, seu funcionamento e uso enquanto língua materna e
língua nacional de uma comunidade.
Esta obra, como dissemos, é a
vivência profissional do autor, enquanto linguista que em diferentes momentos e
lugares valorizou, a língua cabo-verdiana seja com comunicações, discursos, legislação
ou artigos de opinião com conhecimento de causa.
São textos que foram escritos para um
público alvo diferente, mas pelo interesse do tema e pela abordagem precisa, é
de interesse primeiro para todos os falantes do crioulo, para o público
académico, nacional e internacional e para a sociedade em geral, já que nela
encontramos toda a evolução dos estudos da língua cabo-verdiana, referências,
atos, incentivos e legislação. Vejo-o
como uma obra de referência ao lado das
demais obras do autor e que enriquece
a longa e lenta caminhada dos estudos linguísticos cabo-verdianos.
N “ A PALAVRA E O VERBO encontramos desde o
levantamento de todas as referências bibliográficas que dizem respeito ao nosso crioulo, começando
com a primeira referência de um cariz mais cientifico, e que apareceu no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (1880). Escrito por António
de Paula Brito com o título “Apontamentos para a Gramática do Crioulo que se Fala na Ilha
de Santiago de Cabo Verde”, seguindo-lhe Pedro Cardoso, Eugénio Tavares,
Napoleão Fernandes e já no séc. XX Baltasar Lopes (1957) com o seu Dialecto crioulo
de Cabo Verde e ainda Dulce Almada Duarte ( 1960), para focar apenas os
pioneiros dos estudos crioulos cujas ideias e posturas académicas continuam
atuais. Mas ainda é possível localizar aqui, a identificação de todos os
sujeitos que na época pré e
pós independência se posicionaram em defesa da língua cabo-verdiana.
Como nos diz o autor, até meados do séc. XIX, o crioulo já
formado era usado sem sobressaltos. Os discursos epilinguísticos começaram nos meados do séc. XIX e as
tentativas deliberadas de sufocar a
língua crioula ganharam destaque nesta altura, com introdução do ensino formal
em Cabo Verde, mais precisamente, a criação do primeiro liceu – o
seminário-liceu de S. Nicolau – em 1866.
Agudizaram-se os discursos contra o uso e o desenvolvimento do crioulo, nos
finais do séc. XIX, discursos esses que o autor, na
pág, 124, chama de Discurso da negação
do crioulo cabo-verdiano.
Estes discursos tinham como objetivo desmotivar o uso da língua cabo-verdiana, já que a politica linguística
na altura era construir a unidade do império, baseado na existência de uma
língua única – No império Português fala-se português! (faz-nos lembrar as comunidades imaginadas de
Benedite Anderson!!!) Como diz o próprio autor ( pag 220) “ Não era suposto o surgimento
do crioulo cabo-verdiano no âmbito das expansões lusas quinhentistas. O crioulo
só nasceu devido, sobretudo, a uma feliz distração do rei Afonso V. Com efeito,
muito dificilmente o crioulo surgiria sem a bendita Carta Régia de 1472 (…) “
que ordena “ que os armadores portugueses só podiam comercializar na costa
ocidental africana co “ as novidades da terra”, isto é com o artesanato e
outros produtos locais.” Tendo que ficar uma parte de africanos escravizados em
Cabo Verde para cultivar a terra e desenvolver o artesanato local e outras
lides, e estando presentes os armadores portugueses tinha-se acabado de criar
as condições ideias para o desenvolvimento de uma língua.
A emergência e o desenvolvimento do nosso crioulo nestas ilhas, era
(e? para alguns ainda hoje?)
um inimigo a abater! Mas os cabo-verdianos, alguns, como os
pioneiros que atrás me referi, cedo tiveram a consciência de que no arquipélago
de Cabo Verde tinha emergido uma língua. E assim, ao lado destes discursos de negação aparecem os Discursos de afirmação do Crioulo,
registadas na pág, 125.
Fontes históricas citadas ao longo de vários artigos no livro,
confirmam que o povoamento de Cabo Verde, da ilha de santiago (e Fogo
ligeiramente mais tarde), começou em 1462 e aí teria começado o primeiro momento da formação do nosso
crioulo com a presença de
línguas europeias, nomeadamente:
- o
português falado no Norte e sul de
Portugal
- o português falado na Madeira;
- castelhano
-
wolof, mandinga e demais alguma
outra língua africana
É de notar tb que nos diz que estes
falantes não eram os falantes da norma culta do português e nem pertenciam a
classes sociais privilegiadas.
Falamos de um primeiro momento de
formação do crioulo, sim, porque o autor distingue três momentos de formação da nossa língua. A primeira geração nasceu em
Santiago, a partir da segunda metade do séc. XV, sabendo que finais do séc. XVI
– inicio de séc. XVII já se registava a presença da língua crioula.
Se no primeiro momento, a língua portuguesa era a língua de
base, no segundo momento (pg. 194),
no momento da formação da segunda geração do nosso crioulo, localiza-se na Ilha do fogo com um contexto
social e linguístico parecido com o da primeira geração. Possivelmente, este
será a explicação para uma maior aproximação destas duas variedades, apesar de
cada uma ter as suas variantes próprias.
Quem for consultar o livro poderá identificar estas variantes bem como
variação lexical. Damos apenas alguns exemplos, como por exemplo a pronúncia os
pronomes pessoais da primeira pessoa do plural, que em santiago se diz “nu” e
no Fogo “du”.
E num último momento, avança o autor, a variedade de S. Vicente aparece como exemplo da
terceira geração da língua cabo-verdiana, com início no séc. XVIII e que
recebeu como input as variedades das
outras ilhas já bem desenvolvidas e estado estável.
No entanto, apesar destas diferenças
temporais e consequentes alterações na estrutura gramatical da língua consoante
os espaços e tempo, o autor não tem dúvidas que se trata de uma única
língua, pois sempre houve intercompreensão ainda que várias vezes, em vários
momentos, a intercompreensão só foi possível devido aquilo que o autor chama de
tolerância linguística dos falantes. Na
literatura sobre a filosofia da linguagem e no modelo proposto por Henry Paul
Grice, trata-se de Cooperação linguística
- “Grice no seu modelo de análise
das manifestações linguísticas e das práticas de conversação que se tornam
paradigmáticas, ele diz que nossas intervenções linguísticas são,
principalmente (…) esforços cooperativos em que cada interlocutor reconhece em
si e nos demais um ou um conjunto de propósito em que cada ato linguístico é
concebido como uma contribuição nesse esforço cooperativo.
O autor no seu levantamento
bibliográfico sobre a nossa língua, têm anotado a partir das págs. 311,
dissertações, teses e publicações que contribuíram para a afirmação da lcv no
meio académico, dentro e fora do país e que estudaram já com algum grau de
cientificidade quase todas as variedades, isto no âmbito do mestrado em
crioulística, coordenado por ele.
Na A PALAVRA E O VERBO, obra que o
autor escolheu para deixar vincadas a sua posição em relação a vários aspetos
do crioulo cabo-verdiano, não ficou de fora a tomada de posição relativamente à
situação do contacto de línguas em que Cabo Verde vive.
Defende que Cabo Verde vive uma
diglossia, que se caminhou rapidamente para um bilinguismo mas que este ainda
está em construção. Ainda se nota a presença da Diglossia. No entanto, passos importantes foram dados
como a aprovação do Artigo 9º da nossa Carta Magna. O autor fala da construção de uma nação
bilingue, com a adoção de algumas medidas, entre elas a introdução da língua
cabo-verdiana no ensino formal desde o ensino básico, cumprindo alguns
requisitos.
Na introdução da lcv no ensino um
desafio é a padronização e que ele desmistifica apresentando uma proposta que
respeita a diversidade linguística.
Lembra que para além de proporcionar
o conhecimento da língua materna, ela
ainda aumenta o autoestima das crianças
e dá-lhes maior segurança linguística no uso das duas línguas e permite
um maior desenvolvimento da competência comunicativa.
Tendo em conta as variedades, na
palavra do autor o nosso atlas linguístico, nos dá duas zonas linguísticas bem
distintas, uma para o norte e outra para o sul. E a partir de aí focalizar-se numa
variedade que seja social e regionalmente aceite e não fazer a opção por uma
única variedade para toda o arquipélago. A ideia seria na zona de barlavento,
opta-se pela variedade de São Vicente, mas dando a conhecer aos alunos as particularidades
das outras variedades. E na zona sul, tomar a variedade de Santiago como
base.
Para melhor se entender e identificar
as variantes de cada variedade e os traços comuns recomendamos a consulta da
obra, nas páginas 195-199 e 141 a 151.
Ainda sobre a introdução da lcv no
ensino e ensino bilingue, o autor aponta algumas medidas e entre elas, investimento
na formação do corpo docente, suporte institucional forte, monitoramento e
continuação de investigação sobre a língua cabo-verdiana.
Porque é apenas uma apresentação do
livro e não devo esgotá-lo aqui na apresentação até porque há mais um
apresentador…
A terminar, alerto que o livro pode
ser considerado bilingue uma vez que tem textos escritos em português e em
crioulo e desafio-vos a fazerem uma leitura integral do livro, ou seja não
saltem os textos em crioulo.
Reitero os meus agradecimentos ao
doutor Veiga pelo convite e muito obrigada pela vossa paciência.
Adelaide Monteiro
Linguista
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