domingo, 29 de janeiro de 2017

O Português como L2 e o Caboverdiano como L1


 Surgiu, ultimamente, uma forte polémica à volta da decisão do atual Governo em promover uma nova metodologia para o ensino do português, isto é, a de Língua Segunda. Se uns poucos, por estarem familiarizados com os conceitos de L1 e de L2 em linguística, saudaram a medida, o certo é que uma maioria esmagadora de compatriotas lamentou, condenou e esconjurou a medida.
Analisando, friamente, os que condenaram a medida, a conclusão que se pode tirar é que eles reconhecem a grande importância do português em Cabo Verde e não admitem que o mesmo, em termos de importância linguística, tenha o estatuto de língua de segunda categoria.
Curiosamente, a decisão do Governo é correta, mas também os que querem ver o português valorizado em Cabo Verde estão cobertos de razão.
Então como compreender a aparente contradição?
Em termos linguísticos, em qualquer parte do mundo, a Língua Materna é sempre a Língua Primeira. E ela é primeira não porquê é mais importante, mas porque no processo de aprendizagem ela ocupa o primeiro lugar. É verdade ou não que a maioria esmagadora dos caboverdianos aprende, antes de qualquer outra língua, o caboverdiano? Se a resposta for afirmativa fica comprovado que, em termos do processo de aprendizagem, em Cabo Verde, o caboverdiano é Língua Primeira ou Materna, se quiserem.
É verdade ou não que a maioria esmagadora dos caboverdianos aprende o Português na escola e não desde o berço como acontece com Língua Caboverdiana? Se a resposta for afirmativa, então o português, em termos de processo de aprendizagem, é Língua Segunda, em Cabo Verde.
É evidente que ambas as línguas são muito importantes. Uma (o caboverdiano) é língua do nosso quotidiano, sobretudo informal, e como tal é suporte e veículo privilegiado da nossa identidade. A outra (o português) é oficial, melhor instrumento que possuímos para a comunicação formal dentro e fora de Cabo Verde, veiculando, ele também, uma parte importante da nossa identidade.
Isto dito, vemos que ambas as línguas são importantes para o nosso povo. Aqui o que importa não é a hierarquia da importância, mas a sua complementaridade.
Sendo ambas as línguas importantes, ambas devem ser estudadas com rigor, mas com metodologia diferente.
Se é certo que em Cabo Verde se deve estudar o português com o mesmo rigor que é estudado em Portugal, não será satisfatório ensiná-lo com a mesma metodologia que aí se usa, já que em Portugal ele é língua materna dos aprendizes. Com efeito, em Portugal, o ensino da língua representa a continuidade do que o aluno aprende em casa e nos ciclos de amizade. Em Cabo Verde, o aluno que vai à escola leva um manancial de conhecimento na sua língua materna (o caboverdiano) e terá que começar aprender o português, a partir da sua entrada na escola.
É evidente que, em Cabo Verde, utilizar a mesma metodologia de aprendizagem para as duas línguas é menos eficiente do que utilizar a metodologia de língua Primeira para o Caboverdiano e a de Língua Segunda para o Português.
Tendo em conta que a terminologia de Língua Primeira e de Língua Segunda está a gerar confusão na cabeça de alguns compatriotas, proponho que se utilize: Metodologia de Língua Materna para o Caboverdiano e Metodologia de Língua não Materna/Oficial para o Português.
Devo esclarecer que a metodologia de L1 para a língua materna e de L2 para a língua oficial não materna tem sido defendida pela UNESCO há vários anos. Em Cabo Verde, já desde 1977, a Dra. Dulce Duarte defendia uma tal metodologia (cf. Revista Raízes, número 2, AbrilJunho de 1977).


                                                                                                   Manuel Veiga
                                                                                                (Janeiro de 2017)

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