Surgiu, ultimamente, uma forte polémica à
volta da decisão do atual Governo em promover uma nova metodologia para o
ensino do português, isto é, a de Língua Segunda. Se uns poucos, por estarem familiarizados
com os conceitos de L1 e de L2 em linguística, saudaram a medida, o certo é que
uma maioria esmagadora de compatriotas lamentou, condenou e esconjurou a
medida.
Analisando, friamente, os que
condenaram a medida, a conclusão que se pode tirar é que eles reconhecem a
grande importância do português em Cabo Verde e não admitem que o mesmo, em
termos de importância linguística, tenha o estatuto de língua de segunda
categoria.
Curiosamente, a decisão do
Governo é correta, mas também os que querem ver o português valorizado em Cabo
Verde estão cobertos de razão.
Então como compreender a
aparente contradição?
Em termos linguísticos, em
qualquer parte do mundo, a Língua Materna é sempre a Língua Primeira. E ela é
primeira não porquê é mais importante, mas porque no processo de aprendizagem
ela ocupa o primeiro lugar. É verdade ou não que a maioria esmagadora dos
caboverdianos aprende, antes de qualquer outra língua, o caboverdiano? Se a resposta
for afirmativa fica comprovado que, em termos do processo de aprendizagem, em
Cabo Verde, o caboverdiano é Língua Primeira ou Materna, se quiserem.
É verdade ou não que a maioria
esmagadora dos caboverdianos aprende o Português na escola e não desde o berço
como acontece com Língua Caboverdiana? Se a resposta for afirmativa, então o
português, em termos de processo de aprendizagem, é Língua Segunda, em Cabo
Verde.
É evidente que ambas as
línguas são muito importantes. Uma (o caboverdiano) é língua do nosso
quotidiano, sobretudo informal, e como tal é suporte e veículo privilegiado da
nossa identidade. A outra (o português) é oficial, melhor instrumento que possuímos
para a comunicação formal dentro e fora de Cabo Verde, veiculando, ele também,
uma parte importante da nossa identidade.
Isto dito, vemos que ambas as
línguas são importantes para o nosso povo. Aqui o que importa não é a
hierarquia da importância, mas a sua complementaridade.
Sendo ambas as línguas
importantes, ambas devem ser estudadas com rigor, mas com metodologia
diferente.
Se é certo que em Cabo Verde
se deve estudar o português com o mesmo rigor que é estudado em Portugal, não
será satisfatório ensiná-lo com a mesma metodologia que aí se usa, já que em
Portugal ele é língua materna dos aprendizes. Com efeito, em Portugal, o ensino
da língua representa a continuidade do que o aluno aprende em casa e nos ciclos
de amizade. Em Cabo Verde, o aluno que vai à escola leva um manancial de
conhecimento na sua língua materna (o caboverdiano) e terá que começar aprender
o português, a partir da sua entrada na escola.
É evidente que, em Cabo Verde,
utilizar a mesma metodologia de aprendizagem para as duas línguas é menos
eficiente do que utilizar a metodologia de língua Primeira para o Caboverdiano
e a de Língua Segunda para o Português.
Tendo em conta que a
terminologia de Língua Primeira e de Língua Segunda está a gerar confusão na
cabeça de alguns compatriotas, proponho que se utilize: Metodologia de Língua
Materna para o Caboverdiano e Metodologia de Língua não Materna/Oficial para o
Português.
Devo esclarecer que a metodologia de L1 para a língua materna e de L2
para a língua oficial não materna tem sido defendida pela UNESCO há vários
anos. Em Cabo Verde, já desde 1977, a Dra. Dulce Duarte defendia uma tal
metodologia (cf. Revista Raízes, número 2, AbrilJunho de 1977).
Manuel
Veiga
(Janeiro de 2017)
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