quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A não pertinência do uso de diacríticos no /a/ tónico de palavras graves

Caro Tomé, Recebi o documento enviado sobre a questão do uso de diacríticos no cabovrdiano. Por me encontrar na preparação do início do ano académico, e por integrar o Júri do mestrado de Crioulística e Língua Caboverdiana, com defesa marcada para os dias 11 e 12 de Novembro, estando ainda metido na preparação de duas mesas-redondas e edição de uma revista, com data de saída marcada para o próximo mês de Novembro, só poderei ler o teu trabalho, com interesse académico, após as defesas acima referidas. Entretanto, como o Tomé me disse que sufraga a posição do linguista alemão Jürgen Lang que defende o uso de diacrítico, no caboverdiano, sobre o /a/de palavras graves, para assinalar a abertura da vogal tónica, permito-me de lhe dizer o seguinte: 1.Nas circunstâncias acima referidas, o uso de diacrítico, do ponto de vista linguístico, não constitui uma escolha pertinente. E isto porque no referido contexto, o /a/ tónico é sempre aberto. Com efeito, usando ou não o diacrítico sobre esse /a/ tónico de palavras como: “ratu, patu, matu, lata, djata, nada, kama, akamadu....”, a pronúncia seria a mesma. Em linguística, diz-se que o acento tónico e o grau de abertura da vogal tónica são preditíveis, não havendo a necessidade funcional de assinalar a qualidade vocálica com qualquer diacrítico. 2.A funcionalidade e a economia são regras de ouro no sistema de escrita de base fonológica. E o uso de diacrítico no contexto em que estou referindo-me não é, do ponto de vista linguístico, nem funcional, nem económico. 3.Esse mesmo uso, põe em causa um outro princípio muito caro ao modelo fonológico que é o princípio da sistematicidade. Com efeito, se o /a/ tónico de palavras graves devem levar diacrítico, porque é que, por exemplo, o /i/ e o /u/ tónicos de palavras graves não são acentuados também? Se se defende a colocação de diacrítico em “ratu, sapu, patu”, por lógica, dever-se-ia também defender o uso de diacrítico em palavras como “pinta, tinta, finta, riku, tudu, mutu...”. 4.Eventualmente, alguém poderia argumentar que, em nome da lógica, “ratu” leva diacrítico pelas mesmas razões que “stréla, séti...” levam diacrítico também. Entretanto, essa lógica é meramente aparente. Com efeito, no mesmo contesto de palavras graves, encontramos /é/ semi-abérto e encontramos /ê/ semifechado. É por isso que existe “stréla”, mas também existe “strela”. Por uma questão de economia, o Grupo de padronização recomendou o uso de diacrítico no contexto semi-aberto e a ausência de diacrítico no contexto semi-fechado. É isto que se chama uma escolha pertinente, em linguística e o exercício da economia também linguística. 5.Concluindo, gostaria de reafirmar que o uso de diacrítico no /a/ aberto de palavras graves não é um escolha pertinente. Pode-se no entanto defender esse uso, já que a escrita é sempre uma convenção. Neste caso, apenas digo que esse uso não é uma escolha pertinente, do ponto de vista linguístico. Um nativo cabovrdiano sempre haveria de ler com a mesma prolação “ratu”ou “rátu”. Onde está a utilidade do diacrítico no segundo caso? 6.Mais: o uso de diacrítico no contexto que vimos referindo seria de tal maneira um peso para a escrita do caboverdiano que eu preferiria que fossem eliminados todos os diacrítico na nossa escrita, a ter que acolher a proposta avançada, no sentido da acentuação do /a/ tónico de palavras graves. Mesmo reconhecendo a funcionalidade do uso de diacríticos no caboverdiano, há que reconhecer que o latim, o italiano, o inglês... não fazem uso de diacríticos e, no entanto, não há confusão na comunicação. 7.Se o Tomé, através do estudo feito me convencer que a razão está do seu lado, academicamente aceitarei rever a minha posição. Já agora, fico com curiosidade de ver os argumentos avançados. Um abraço, Manuel Veiga, Outubro de 2013

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