segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Resposta a Jürgen Lang

1. Uso ou não de diacrítico no “a” tónico e aberto de palavras graves, no caboverdiano 1.1. Tomei boa nota do texto enviado para os compatriotas Dora Pires, Tomé Varela e eu próprio, sobre o uso do diacrítico no “a” de palavras graves, em caboverdiano e, ainda, sobre o uso do “e” gutural, no Barlavento (refiro-me ao “e” comum e creio que impropriamente apelidado de “e” mudo. 1.2. Como é sabido, a escrita é uma convenção e, hoje, a maior parte dos linguistas defende que uma escrita bem concebida deve poder ter as seguintes características: funcionalidade, economia, sistematicidade. 1.3. É em nome da economia, da funcionalidade e da pragmática que continuo defendendo que o uso de um diacrítico para assinalar o “a” tónico e aberto de palavras graves, em caboverdiano, não se justifica. 1.4. Se a natureza dessa vogal é preditível; se com diacrítico ou sem diacrítico, as palavras como “ratu, lata, matu, patu, kama, kamada, palha” têm a mesma prolação para um nativo, qual a real funcionalidade desse diacrítico que sobrecarrega a escrita e o seu uso não traz nenhum valor distintivo, salvo em casos de pares mínimos, como, por exemplo, em “karapáti” (substantivo) e “karapati (verbo); “parti”(substantivo) e “parti” (verbo), onde a presença do diacrítico ajuda a distinguir as duas unidades? 1.5. Ainda em nome da pragmática (embora esta não seja uma justificação de grande peso), num contexto onde existe o hábito arreigado de se escrever as mesmas palavras em português, com correspondência semântica e fonética nas duas línguas, a pragmática aconselha, desde que não prejudique o génio próprio de cada língua, que a representação, na medida do possível, seja aproximada. Se em português temos “rato, lata, mato, cama, palha”, é razoável que em caboverdiano tenhamos também: “ratu, lata, matu, kama, palha”. 1.6. Ninguém põe em causa que o “a” tónico de palavras graves, em caboverdiano, possa ser aberto ou fechado. Porém, é preciso também saber que enquanto o “a”aberto”, no mesmo contexto, é de um rendimento funcional elevadíssimo, o “a”fechado, no mesmo contexto é de um rendimento funcional muito baixo. Além disso, esse “a”fechado se encontra, particularmente, na variante basilectal de Santiago que tem menos chance de se vingar. Podemos encontrar “maki-maki, patxi-patxi, fatxi-fatxi, paspasi, nfanhi, labi-labi, latxi,langilangi, lapi, patxi, txapi-txapi”. Porém, julgo que ninguém, com conhecimento na matéria, possa duvidar que essas realizações são basilectais, utilizadas particularmente por pessoas iletradas, com fraca dinâmica social para impor a sua variante. 1.7. Alguém pode argumentar dizendo que, por uma questão de lógica, se se acentua o “e” semi-aberto de palavras graves, como em “stréla”, devia-se também acentuar a “a” aberto de palavras graves como em “lata”. A razão é simples: o “e” semi-aberto, no contexto que acabo de referir tem o rendimento funcional grande. Também o “e”semi-fechado, no mesmo contesto tem um rendimento funcional não desprezível. O mesmo não acontece com o “a”aberto que tem um rendimento funcional grande e o “a “fechado cujo rendimento funcional é muito pequeno. Daí que a lei da economia linguística aconselha que o “e” semi-aberto seja acentuado e o “a” aberto não. Conclusão sobre o ponto 1: Em nome da funcionalidade linguística, da economia e da pragmática, não aconselho o uso de diacrítico sobre o “a” aberto de palavras graves, no caboverdiano. 2. Uso ou não do “e”gutural (o chamado “e” mudo), nas variedades do Norte 2.1. Para mim, este é um problema menor. A norma oficial existente manda que esse “e” seja representado na escrita. 2.2. Eu concordo com essa norma. Porém, se a gente do Norte, maioritariamente, preferir uma escrita sem a representação do “e”gutural, isto não seria nenhuma hecatombe. 2.3. Eu, pessoalmente, defendo o uso do “e “ gutural pelas seguintes razões: • Em primeiro lugar, porque se trata de um som que, foneticamente, existe, mesmo que a quase totalidade dos linguistas, talvez por inércia, continua a dizer que se trata de um “e” mudo. Em Caboverdiano, eu tenho a percepção desse “e” gutural. Nitidamente pode-se distinguir o “e” semi-aberto anterior, como na palavra “stréla”, e o “e” semi-fechado , também anterior, como em “stretu”. O “e” gutural posterior encontra-se nas variedades do Norte: “respondê, sóbede, txemeská...” • Por uma questão linguística, há toda a conveniência da estrutura silábica das variedades linguísticas se aproximarem. O uso do “e” gutural no Norte faz com que haja, largamente, aproximação da estrutura silábica em todo o Cabo Verde. Do mesmo modo, haveria também (embora esta não seja uma razão de muito peso) a aproximação com a estrutura silábica do português que constitui uma das matrizes do caboverdiano. • A escrita sem o “e”gutural dificulta a determinação da estrutura silábica de palavras que na língua matriz exibiam esse “e”gutural. Se “respondê” vem de “responder”; se somos capazes de aceitar, pacificamente, o “e” gutural em português, porquê que esse mesmo “e haveria de ferir a nossa sensibilidade no caboverdiano? Como entender que “txmská”, em vez de “txemeská”, tenha apenas uma sílaba quando a mesma palavra em português (chamuscar) e na variedade de Santiago (“txumuska”) tem três sílabas? Conclusão, Fica claro que é sobretudo a pragmática e a possibilidade de uma maior integração linguística que aconselham o uso do “e”gutural. Daí a minha recomendação. Praia Outubro de 2013 Manuel Veiga

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