Em
Cabo Verde, para uns, ser africano é um orgulho. Para outros é uma dor. Para
outros ainda é algo idílico, apenas sentimental. Uns dizem que temos fraco
conhecimento de África e que África também conhece muito pouco Cabo Verde. Há quem
diga que para além do fraco conhecimento, há também fraca cooperação com a
África e que os nossos “clusters” estão ancorados mais na Europa do que na
África, defendendo a recentragem em África.
E
eu, como africano e cidadão caboverdiano, penso que:
- Cabo Verde é um rosto de África. Tem especificidades, tem particularidades próprias.Tem aspectos positivos e negativos, como em todo o lado. É parte de um todo, com um ID próprio, id este que não é indiferente às matrizes: África, Europa e o Mundo. Por isso, temos uma Nação Global cuja marca (brand) é o diálogo, a tolerância, a partilha, a complementaridade. Se somos uma Nação crioula é, precisamente, porque o nosso ser e estar no mundo têm o DNA e o arco-íris do humanismo africano e mundial. É que ontem o nosso DNA tinha a cumplicidade de África e de Portugal, mas hoje, através da Nação diasporizada, a nossa cumplicidade é com o mundo, mesmo que a África ocupe um lugar especial, porque ali é que está o nosso “oikos.
- O futuro da humanidade, como dizia um notável africano, é crioulo. O que para os outros é futuro, para nós é presente. Nós já somos o resultado da globalização. É por isso que o racismo e o etnocentrismo não devem ter espaço em nenhum lugar no mundo, particularmente na nossa sociedade crioula.
- E a nossa relação com a África deve ser uma relação inclusiva, sem nunca pretender excluir a relação com o mundo e com a globalização, mesmo na questão das ancoragens. Essa relação deve estar assente num triângulo em que num lado está a cultura e a história; noutro lado o sentimento profundo que nos liga à África; finalmente, no terceiro lado do triângulo devem estar os interesses económicos de Cabo Verde. Qualquer ancoragem com a África baseada apenas no sentimentalismo e na exclusão de outros espaços vai contra a essência da crioulidade; diria, mesmo, que vai contra o sentido da história, da nossa história.
No
dia em que celebramos a África, queria saudar, vivamente, o Continente da esperança,
o Continente do futuro, mas na tolerância, na inclusão e na equidade. Essa
responsabilidade é, particularmente, nossa: nós os africanos de todos os rostos
e de todas as latitudes, em África.
Neste
dia de África, gostaria de saudar a memória de três caboverdianos que nos
ensinaram não só a amar, mas também a admirar a África: Pedro Cardoso da Ode à
África, quando escreve: ‘’Africa minha, das Esfinges berço/ Já foste
grande, poderosa e livre:/ Já sob o golpe do gládio ingente/ Tremeu o Tibre/
... Se foste tu quem acendeu o facho/Que fez da Grécia a glória
peregrina/Porque hoje vergas para o chão a fronte/Adamantina?”.
Amílcar
Cabral que diz ser “Um simples africano que quis saldar a sua dívida para com o
seu povo”, tendo consentido o sacrifício da própria vida para a libertação de
Cabo Verde e da Guiné-Bissau, como, de algum modo também, da própria África.
Finalmente,
Manuel Duarte que em “Caboverdianidade e Africanidade” afirma: “Nós os
caboverdianos estamos étnica e historicamente ligados tanto à África como à
Europa, acrescendo sobremaneira no sentido da africanidade, a situação
geográfica, o condicionamento climatérico, a predominância da corrente imigratória
negra no povoamento das ilhas, ... em suma, o fenómeno colonial e as suas
necessárias implicações ...”.
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