sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Resposta ao Dr. Demis Lobo





No meu post de 11 de dezembro, coloquei o texto da tradução do artigo 34º da Constituição, com a seguinte redacção:
«Artigu 34º
(Efetu di pénas y mididas di suguransa)

Ninhun péna ô midida di suguransa ten, komu efetu nisisáriu, pérda di direitus sivil, pulítiku ô profisional, nen e ka ta priva kondenadu di si direitus fundamental, exsétu limitasons inerenti na sentidu di kondenason y na ezijénsias spesífiku di ruspetivu izekuson».

O texto acima referido, mereceu o seguinte comentário do Dr. Démis Lobo:

«Caro sr. Manuel Veiga, duas questões, uma gramatical e outra técnica, respectivamente: primeira, será correcto dizer «di si direitus fundamental» ou o correcto seria dizer «di sis direitus fundamental» ou «di sis direitu fundamental». Imagine que quero traduzir para crioulo (variante de Santiago) a expressão «os seus filhos». Como devo dizer «si fidjus», «sis fijus» ou «sis fidju»? A segunda questão prende-se com o seguinte: traduzir a passagem «salvas as limitações…» para «exsétu limitasons…» leva, no meu entendimento, a uma interpretação incorrecta do preceito em causa. Preferiria que se dissesse: «isu, sen pô em causa kes limitasons ki sta inerenti na sentidu di kondenason...» (desculpa-me a escrita do meu crioulo). Com todo o respeito, penso que estamos diante de um exemplo de uma tradução excessivamente literal, o que irá comprometer a interpretação. Ora, se tratando da tradução da Constituição, e não de um poema, de um conto, de um romance ou de uma novela; cada palavra deve ser muito bem pesada, sob pena do futuro intérprete ser levado a cair em erro. Cumprimentos e votos de um bom trabalho».

Devo responder-lhe dizendo:

Antes de mais, agradeço ao Dr. Démis Lobo por se ter interessado pelo meu post, tendo, inclusivamente, colocado um comentário, visando a procura de uma solução que, eventualmente, poderá ser melhor, no seu entender.  Devo , no entanto, informar-lhe que o texto está de acordo com as normas que regem a morfologia do crioulo, no tocante ao número.

Assim, a realização «ses direitu fundamental» está correcta. E isto porque a morfologia do número, em crioulo, exige uma única marca do plural que pode estar no determinante ou no determinado.  Esta marca ou é um quantitativo («txeu kabra, dôs algen»), ou é a desinência «s» («trabadjus di kanpu; nhas amigu; amigus di-meu, ses amigu».
Assim, a frase «ses direitu fndamental», para traduzir «os seu direitos fundamentais» está correcta. A norma, é mesmo assim.

No caso de «si fidjus» (os seu filhos), há um possuidor e várias  «coisas» possuídas Em «ses fidju), a frase é ambígua. Pode significar vários possuidores e um «coisa» possuída;  pode significar, também, vários possuidores e várias coisas possuídas. O contexto encarregar-se-á de iluminar a ambiguidade.  O que a gramática crioula tem dificuldade em  aceitar, pelo menos neste momento, é a realização «ses fidjus», com a marca do número tanto no determinante como no determinado.

É o que se me oferece esclarecer sobre a questão. Quanto à revisão da tradução que venho fazendo, por um jurista,  faz parte dos meus propósitos. E isto, quando eu tiver todo o texto da Carta Magna traduzida. Neste momento, o que faço, é tão-somente uma proposta de tradução. A socialização da mesma no espaço do facebook é uma tentativa para provocar comentários enriquecedores.
Queira aceitar, caro Dr. Démis, as minhas saudações.

2 comentários:

  1. A resposta que dei ao Dr. Démis Lobo mereceu o seguinte comentário por parte dele:

    «Perfeitamente esclarecido, sr. Prof. Manuel Veiga , e muito agradecido pela sua atenção e pelo texto muito claro. Vejo que não tenho outra solução, se não arranjar tempo para estudar as regras gramaticais da escrita do cabo-verdiano (pelo menos as básicas). O poste chamou-me atenção pois, em primeiro lugar, trata-se da tradução para a língua cabo-verdiana da nossa Constituição e, em segundo lugar, por, curiosamente, em tempos, conversando com o Dr. Jose Luis Hopffer Almada, afloramos a possibilidade de abraçarmos o projecto da tradução para cabo-verdiano, precisamente, da Constituição da República de Cabo Verde e, ainda, por sugestão minha, a Declaração Universal dos Direitos do Homem que, como sabe, é parte integrante do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente, por ser directamente recepcionada pela nossa Constituição, através do seu art. 12.º, n.º 1. No tocante à questão da revisão técnica, fico também satisfeito por esta fazer parte dos seus intentos. Ela, de facto, é indispensável, pois no Direito a interpretação é (quase) tudo. Por mais que uma tradução respeite todas as regras técnicas, é fundamental que, se tratando da tradução de um diploma normativo, que as palavras sejam escolhidas com “pinças ”, precisamente para que não conduzam o intérprete (jurista ou não) a um erro interpretativo. Como defensor da oficialização da língua cabo-verdiana, permita-me desejar-lhe as melhores venturas, a si e a todos quantos, na Universidade ou fora dela, vêm labutando para que a nossa língua materna possa um dia – esperemos, em breve - ter o estatuto de língua oficial. Os melhores cumprimentos».

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  2. O comentário de Démis Lobo mereceu a seguinte resposta, da minha parte:

    Caro Démis Lobo,

    Registo com apreço a sua compreensão, relativamente à explicação dada, sobre as questões que tinha levantado, quanto à tradução do artigo 34º da Constituição da República.
    As suas colocações, em alguns aspectos, interpelam-nos. Com efeito:

    1. O sintagma «os seus direitos fundamentais», pela explicação que dei, pode ser traduzido por : «si direitus fundamental». Aqui temos um possuidor e várias coisas possuídas.
    2. O problema se põe quando temos vários possuidores e várias coisas possuídas. Ex: «Os seus filhos», sendo certo que os filhos são do Manuel e da Maria. Aqui, «ses fidju» é ambíguo. E «ses fidjus», embora a gramática do crioulo resiste em aceitar, é a realização que não induz à ambiguidade. Entretanto, os caboverdianos, neste específico caso, têm que consensualizar o plural no determinado e no determinante, mesmo que neste momento a realização seja um tanto ou quanto estranha.

    Como bem afirma o Démis, o texto da Constituição não pode ter ambiguidades e, por isso, da minha parte, aceitaria, desde que seja consensual a presença do plural tanto no determinante como no terminado, quando há vários possuidores e várias coisas possuídas.

    Como vê, Caro Démis, «na diskuson ki lus ta nase, sima nha Nacia Gomi, ta flaba». As suas observações podem não servir para o artigo 34º, mas podem ter cabimento em outros artigos onde tanto o determinante como o determinado estão no plural.

    Saudações

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