Uma alegoria musical, poeticamente concebida
Como linguista, desde muito cedo me interessei pela
alegoria poética, particularmente a do grande vate, Jorge Barbosa que, para
fintar a opressão colonial fascista e a crueldade da Polícia Política – a famigerada
PIDE DGS, fez largo uso da alegoria poética que é “a arte de dizer, sem ter
dito, ou de não dizer, dizendo”. Para tal, há que construir uma poética em que
o significado de superfície o oposto do sentido profundo da mensagem.
Ora, com essa linguagem-máscara, Jorge Barbosa
conseguia criticar o regime, sem ser preso, já que este, limitado, intelectualmente,
só conseguia descortinar a mensagem de superfície da sua mensagem.
Acontece que ontem, 11 do corrente, no belíssimo
programa sobre a “Morna – Património da Humanidade”, da jornalista Margarida
Fontes, o música Eutrópio Lima da Cruz falou dessa “arte de dizer, sem ter dito”,
presente na belíssima composição “Nha Fidju Matxu, Uví Nha Konsedju…”,
magistralmente interpretada por Ildo Lobo, num crioulo que mistura a variedade
Norte com a do Sul.
Eis um extrato dessa composição: “Nhá fidju matxu, uví
nha konsedju / ka bu abrí bóka pa bo kantá / si bo kantá ô si bo toká / mudjer
bunita ta da-bu na txon”.
Na interpretação verosímil do músico Eutrópio Lima, “mudjer
bunita” é a PIDE-DGS, no sentido profundo da expressão, ou seja, uma perfeita
alegoria.
Obrigado Eutrópio, obrigado Ildo Lobo por nos terem
demonstrado que o nosso povo, para além da ousadia de fintar a estiagem e de
driblar a falta de recursos naturais, em Cabo Verde, soube também driblar e
fintar a opressão colonial fascista e é por isso que hoje celebramos a
Independência.
Manuel Veiga, Facebook de 12/12/2020
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