sábado, 10 de março de 2012

ALOCUÇÃO  POR OCASIÃO DO ENCERRAMENTO DO SIMPÓSIO EM HOMENAGEM À GERAÇÃO CENTENÁRIA DO MOVIMENTO CLARIDOSO

Em 1986, aquando do 50º aniversário da revista Claridade, eu era um jovem quadro e tive a ousadia de, no meio dos «grandes» de então, apresentar uma comunicação sobre «Signos e Símbolos em Jorge Barbosa – Tentativa de uma análise semiológica», com o objectivo não só de mostrar a grandeza da poética barbosiana, uma poética subterrânea, mas também para demonstrar que algumas críticas apressadas feitas à Claridade eram infundadas.

O trabalho obrigou-me a penetrar no húmus e no subterrâneo da poética de Jorge Barbosa, uma poética formada e formatada com os recursos da linguagem alegórica, uma forma engenhosa de não dizer, dizendo; ou, então, de dizer sem ter dito – conferindo ao poeta liberdade de expressão e confundindo os seus algozes num ambiente de censura e de perseguição política.. Esse primeiro contacto com o autor de Arquipélago e com «as máscaras» da sua poesia criou em mim um vírus benigno que me obrigou a ler a maior parte da produção claridosa.

E se hoje, como Ministro da Cultura, tive o feliz ensejo de participar na organização da Homenagem à Geração Centenária do Movimento Claridoso,  devo declarar que sinto-me deveras honrado porque Claridade se confunde, em certa medida, com a história do nosso povo, uma história sofrida, uma história laboriosa, uma história, hoje, com «Claro Porvir».

Alguém disse, e eu concordo, que Claridade, hoje, é Certeza. Certeza de que jamais o nosso povo morrerá de fome; certeza que a estiagem passou; certeza de que a liberdade é uma conquista irreversível; certeza de que a democracia veio para ficar; certeza que a inclusão social, a diversidade cultural, a justiça, o progresso, enfim, o desenvolvimento integral estão na ponta das nossas mãos e no prolongamento da nossa ousadia, do nosso sonho, da nossa resistência e tenacidade.

Durante esses dois curtos dias de trabalho, de debate e de convívio, saímos mais ricos, mais informados e, sobretudo, mais determinados a levar a luz «incandescente» da Claridade/Certeza a todos os recantos do País, a todos os pontos da diáspora e a todos os palcos da globalização.

Claridade é uma constelação de estrelas e o Ministério da Cultura tudo fará para que todas elas brilhem no firmamento das ilhas e do mundo, as estrelas que desbravaram o caminho, as que fizeram a caminhada e as que projectaram novos outros caminhos.

Com o encerramento deste Simpósio, vai cair o pano, sem fechar o palco, da primeira etapa do tributo prestado à Geração Centenária do Movimento Claridoso.

Marcamos um novo « rendez-vous» para Outubro, em S. Vicente, onde vamos celebrar o Dia Nacional da Cultura, sob o signo da Claridade. Por esta ocasião, ainda, iremos ao Sal, ao Fogo e à Brava já que a nossa homenagem é um tributo à geração centenária, mas também ao chão que fecundou e que serviu de suporte à mensagem claridosa.

Finalmente, a última etapa da nossa viagem de cabotagem será Santo Antão, em Dezembro, por ocasião do aniversário de Manuel Lopes.

Resta-nos agradecer o alto patrocínio do Governo, na pessoa do senhor Primeiro-Ministro; à Câmara anfitriã da Praia, que se associou ao evento; aos patrocinadores, aos conferencistas, à Comissão de Honra e à Comissão Organizadora, a  todos os meus colaboradores no sistema Cultura, aos artistas e promotores culturais, à comunicação social  e às empresas que colaboraram connosco na formatação, na concretização e na projecção da efeméride.

Claridade merece, Cabo Verde agradece, sobretudo quando nós todos ficamos com a sensação do dever comprido.

O que fizemos, o que queremos continuar a fazer não se resume apenas a um dever, é também em prazer.

Hoje, se Jorge Barbosa estivesse vivo já não teria necessidade de escrever «5 séculos/ sem História, mas com muitas histórias para contar.»

Sem dúvida, ele teria já convencido os poetas anti-evasionistas que o seu desejo claridoso de partir era um pretexto para poder regressar («Leva-me contigo/ navio./ Mas torna-me  a trazer »). E, talvez, com Ovídio Martins ele pudesse testemunhar a transformação de Claridade em Certeza, ao dar-se conta que : «Cá vamos nós reconstruindo o País. Devagar, é certo, mas avançando Ilha a Ilha…
[Que] O nosso destino estamos a cumpri-lo: Dar a Cabo Verde outro mar, outro céu, outro homem.
[Que] Devagar a reconstrução nacional avança.
Ilha a Ilha. Dor a dor. Amor a Amor».

Na verdade, com «os pés fincados no chão»,  o navio que nos levar para uma viagem de descoberta e exploração do mundo, este mesmo navio teria de trazer-nos  de volta para a água da nossa ribeira, para o ritmo da nossa morna, para o chão do nosso crioulo, com duas «malas» na mão, ambas igualmente pesadas de cultura, de conhecimento, de «know how» mas também de colheitas abundantes da nossa própria azágua..
Hoje, de Santo Antão à Brava, «as leiras de terras são nossas». Então, já podemos «cantar e dançar», não diante das malditas grades da prisão/ ilhas, mas sim num cenário de água nas levadas, de bois nos trapiches, de meninos na escola, de camponeses e operários nos postos de trabalho, de artistas e produtores nas oficinas de criação, de investigadores, empresários e investidores celebrando o presente e desafiando o futuro, de políticos e governantes no leme do barco.
E a luz da Claridade/Certeza, da Unidade e Luta, da construção/reconstrução, da Liberdade conquistada e da Democracia implantada, corporizam o nosso lema, a nossa bandeira, o nosso hino.
Claridade ontem, certeza hoje, Cabo Verde sempre em transformação – eis o nosso destino, eis o nosso ideário programático.

Dizia o saudoso Ildo Lobo que ele «tinha que nascer numa terra de mar e de morna.»

Esta mensagem do artista terá sido aprendida, sem dúvida, na escola e na oficina dos claridosos em geral e de Jorge Barbosa em particular.

Que todos nós, caboverdianos, tenhamos, pois, o orgulho de pertencer a esta terra de rocha, de mar e de morna, o chão soberbo que fecundou, projectou e transformou a luz da Claridade na certeza de hoje e na projecção calculada do amanhã.

Ontem, alguém declarou que este era um simpósio mágico. Mágico pelo nível de debate havido, mágico pelo encontro de gerações, mágico por causa de algumas declarações comoventes feitas, como aquela de uma conferencista que disse que o encontro com a literatura caboverdiana provocou nela um novo nascimento; e uma outra que terá declarado que o ensino da literatura caboverdiana, para ela, já não é apenas um prazer, mas uma paixão.
Obrigado a todos por este esforço de ajudar Cabo Verde na política de inclusão e de internacionalização da nossa cultura e literatura. Cabo Verde agradece e saberá reconhecer esse esforço, esse amor e essa dedicação.

A todos muito, muito obrigado.
 
                                                                                   Praia, 28 de Abril de 2007

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