quinta-feira, 8 de março de 2012


A «CULTURA NO FEMININO»


O 27 de Março, em Cabo Verde, é uma data histórica. Nesse dia, em todo o território Nacional, celebra-se a grandeza e a afoiteza da mulher cabo-verdiana. E a cultura deste país, que tanto bebeu e bebe da água cristalina que brota da fonte inesgotável e de matriz feminina, não podia estar ausente das celebrações alusivas à data. Daí a razão desta mesa-redonda sobre «cultura no feminino» onde se vai discutir e compartilhar a riqueza e a diversidade do percurso cultural da mulher nos 30 anos  do nosso Cabo Verde livre e Independente.

Já Amilcar Cabral vaticinara esse dia, no feminino, quando «num repente de luz e poesia» escreveu: «minha preta formosa não temo a tua sorte/ que a vida que vives não tarda a findar.../ minha preta formosa amanhã terás filhos/ mas também amanhã.../ ... amanhã terás vida.»

Este amanhã chegou com uma prole cada vez mais consciente e com uma vida cada vez mais digna para a classe feminina, a qual  fez do sofrimento a alavanca para levantar Cabo Verde no aspecto social, económico e cultural.

Hoje, mais do que nunca, temos razão de sobra para homenagear a mulher cabo-verdiana pelo seu contributo inestimável na construção da Nação Global, e isto nos mais diversos domínios, como: na família, no trabalho, na educação, na saúde, na diplomacia, na política, na cultura.

Quem não se deu conta do papel importante da mulher, na criação e educação dos filhos, sobretudo no contexto de uma paternidade irresponsável ou na ausência do companheiro ou do marido emigrante? Quem não se deu conta da parceria da mulher nos trabalhos domésticos, como a procura da lenha e da água, a confecção dos alimentos e a lavagem das roupas, a sementeira e a colheita no tempo de «azágua», a gestão e o investimento na economia doméstica, a venda no mercado informal dos produtos  caseiros ou agrícolas, o magistério nas escolas, a assistências nos hospitais e centros de saúde, a deputação no parlamento e o contributo de valor a nível diplomático, causídico e governamental?

E porque é a cultura que nos reúne, hoje, aqui, quem não se deu ainda conta da parceria feminina na moldagem da nossa identidade e na oxigenação da nossa cultura? Como ficar indiferente quando, no além fronteiras, uma voz feminina, a de Cesária Évora, conquista para Cabo Verde e pela primeira vez (em 2004), o prestigiado Grammy awards? Quando a crítica mundial se rende aos pés descalços desta nossa Diva Musical? Quando a Sofia Barbosa, em 2003, arrebata o 1º lugar no concurso musical «Operação Triunfo»? Quando Mayra Andrade, em 2001, no Canadá e no concurso da canção dos jogos da francofonia, conquista para a cultura a 1ª medalha de ouro? Quando Suzana Lubrano, em 2004, ofereceu à cultura cabo-verdiana o prémio kora awards e o lugar de 1ª artista africana nesse importante evento cultural? Quando Vera Duarte ganha o Prémio Tchikaia U Tam´Si da Poesia Africana ou o Prémio Sonangol da Literatura?

Como ficar indiferente com tudo isto? Não é possível. A parceria cultural da mulher cabo-verdiana não é uma questão de ornamentação ou de ofício de  corpo presente. É uma parceria  actuante, dinâmica e eficiente.

E se analisarmos essa parceria, no horizonte temporal dos 30 anos de Independência, vemos que o caminho andado não só é significativo como também é irreversível. As sementes femininas na azágua da cultura são de tal maneira diversificadas que, dificilmente, poderemos enumerá-las todas. No campo da tradição são inconfundíveis as vozes de Nha Leopoldina Mendes, de Nha Bibinha Cabral, de Nha Nasia Gomi, de Kin Tabari, das batucadeiras da Ilha de Santiago e do Maio, das cantadeiras do Fogo como Bia Mazinha ou ainda das ceramistas de Fontilima, Tarrafal e Rabil. 

No sector da música, a sinfonia feminina é tal que temos dificuldades em enumerar as vozes todas. Entre outras, destacaremos Cesária Évora, Titina  Rodrigues, Tututa Évora, Hermínia d´Sal, Celina Pereira, Gardémia Benrós, Sara Tavares, Lura, Suzana Lubrano, Sofia Barbosa, Maria de Barros, Mayra Andrade, Terezinha Araújo, Teté Alhinho, Lena França, Maria de Sousa, Mizé Badia, Betina Lopes, Sãozinha Fonseca, Nancy Vieira, Margarida Martins, Djuta Duarte, Rita Lobo, Dina Medina, Danae Estrela, Isabel Lopes da Silva, Jaqueline Fortes, Ana Firmino...

Também nas letras, a palavra no feminino é um dos sopros vitais que animam nossa cultura e moldam o nosso estar no mundo. Podemos citar alguns nomes  como: Dulce Duarte, Orlanda Amarilis, Yolanda Morazzo, Haydéia Pires, Elisa Andrade, Vera Duarte, Dina Salústio, Fátima Betencourt, Hermínia Curado, Madalena Tavares, Ondina Ferreira, Lurdes Chantre, Ivone Ramos, Leopoldina Barreto, Marlyse Baptista, Alice Matos, Amália Melo, Nezi Brito,  Iva Cabral, Zelinda Cohen, Fátima Monteiro, Marilene Pereira, Sara Pereira, Larisa Rodrigues, Isabel Lobo, Carlota Barros, Margarida Martins, Roselma Almeida, Ambrizeth Lima, Georgete Gonçalves, Barbara Semedo...

Nas artes Plásticas nomes como Bela Duarte, Luisa Figueira, Joana Pinto, Leopoldina Barreto, Mizá e Nancy Baptista não escapam mesmo ao olhar de observadores menos atentos. No cinema, é com muito orgulho que falamos do nome da cineasta Claire Andrade-Watkins, de Sabina Miranda ou das actrizes Ilka Andrade e Kelly Ribeiro.

Também no teatro, na moda e no carnaval, a participação feminina é notória e visível. E como não saudar o Jornalismo cultural de Matilde Dias e Margarida Fontes, com  os programas Kultura, Konbérsu Sabi, Monumentos e Sítios, da Televisão de Cabo Verde ou então as páginas culturais de Teresa Évora e Paula Cavaco, respectivamente no jornal A Semana e Horizonte?

Por isso, de uma forma geral, gostaríamos de distinguir todas as mulheres obreiras da nossa dinâmica cultural e, em nome do Governo e do Ministério da Cultura, felicitar  toda a mulher  cabo-verdiana, a mulher mãe, a mulher esposa, a mulher filha, a mulher namorada, a mulher trabalhadora, a mulher artista, enfim, a mulher parceira na tarefa ingente de construir a Nação, a Nação Global cabo-verdiana. É a essa figura de mulher que todos nós homens, maridos, filhos, namorados ou colegas de trabalho queremos render a nossa profunda homenagem, nesse percurso libertador de 30 anos de Independência, neste 27 de Março que será uma eterna celebração porque a parceria da mulher, no contexto do género, é uma  conquista e um desafio que perdurarão para sempre, enquanto a vida humana continuar a ser uma prenda nessas Ilhas de rochas e mar, onde a mulher é uma flor não apenas para ser amada e cortejada, mas sobretudo para ser companheira e parceira, de todas as horas e da melhor sementeira, ao lado de Adão  de todas as raças, de todas as idades e de todas as latitudes, tanto nas azáguas das nossas ilhas, por vezes ressequidas, como nas escadas difíceis do mundo global que agora nos compete trilhar.

Com efeito, a vitória das mulheres em Cabo Verde  não significa o fim da caminhada ou o render de armas. Muitos problemas, nesta luta pela igualdade do género, ainda subsistem, como por exemplo:  o desequilíbrio  na actividade política e laboral; a violência doméstica; a má repartição do preço da maternidade; a concepção da mulher como objecto de prazer; a má repartição  das tarefas domésticas; o risco feminino face às doenças sexualmente transmissíveis; o peso da tradição que, muitas vezes, leva a sociedade e a própria classe feminina a discriminar, inconscientemente, a mulher.

Face a esta situação pouco simpática para a classe feminina, põe-se o problema de saber o que pode fazer a cultura para mudar a situação. Competirá ao fórum sobre «a cultura no feminino» identificar as respostas mais adequadas. Da nossa parte, entendemos que na arte podemos encontrar o segredo da questão. É que a arte tem uma pedagogia que convence sem esforço e sem drama. Trata-se de uma pedagogia que contagia os comportamentos e as atitudes na perspectiva da mudança que se pretende. Então, o género tem tudo a ganhar com o investimento de uma acção pro-igualdade nas letras,  nas artes e na vida. A linguagem de todos os géneros culturais deve ser desafiada para essa pedagogia  e para essa pareceria da igualdade.  Nessa azágua, as vozes femininas e masculinas estão condenadas a semear, lado a lado, a harmonia dos direitos para que no género haja equilíbrio salutar e merecido, e não arrogância cobarde da discriminação, nem o facilitismo enfezado  do igualitarismo forçado e imposto.

Mais do que o feminismo, a mulher, através da cultura, ganha o sentido da feminilidade, que é um apropriar do ser feminino, na sua essência. Esta postura cultural é,  a um tempo, emancipador do género. Com efeito, a feminilidade não se propõe a destruição do mundo masculino, pois a mulher também o habita e é só nessa parceria que o género sai reforçado e emancipado.
O Ministério da Cultura apela a todos os agentes e instituições culturais, a todos os políticos e governantes, a toda a sociedade civil e cidadãos em geral no sentido de celebrar o 27 de Março 365 dias por ano, numa perspectiva não de feminismo redutor, mas de um humanismo pujante onde o desabrochar do género acontece,  de mil maneiras, na liberdade e na complementaridade.

Esperamos que esta mesa-redonda sobre «a cultura no feminino», que temos a honra de declarar aberta, traga imputs e aconselhamentos de como insuflar mais e melhor oxigénio à parceria do género em Cabo Verde e à celebração do 27 de Março, hoje e sempre. Diga-se em remate final que o poder das mulheres e do género é a própria condição para a continuação do humanismo, da cultura e da cidadania plena.


                                                                                              Muito obrigado.


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