PROPOTA DE UMA ESTRATÉGIA EFICIENTE E EFICAZ
PARA A PEDAGOGIA DA LÍNGUA MATERNA CABOVERDIANA
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Introdução
A abordagem do tema, em título,
leva-me a debruçar sobre os seguintes aspetos:
§ A
atualização do crioulo caboverdiano em variantes e variedades, a partir das
matrizes africana e lusitana: uma riqueza e um património a preservar;
§ Como
ensinar, com eficiência e eficácia, numa perspetiva de padronização sustentável
que integra e dialoga, sem sobrecarregar, nem complexificar desnecessariamente
a pedagogia; sem encarecer demasiadamente a economia doméstica, nem discriminar
as classes menos favorecidas;
§ Uma
pedagogia que encoraja o conhecimento dos dois modelos de escrita que fizeram
já história em Cabo Verde: o de base etimológica e o de base fonológica;
§ Uma
pedagogia que dê conta do bilinguismo caboverdiano, das interferências
existentes, da especificidade mantida e da importância cultural, económica e
social desse mesmo bilinguismo;
§ Conclusão;
§ Referências
Bibliográficas.
1. Atualização do Crioulo Caboverdiano (CCV) em Variantes e
Variedades,
a partir de Matrizes Lusitana e Africana
O CCVé resultado do encontro,
já desde o longínquo século XV, entre a língua portuguesa e algumas outras
línguas da Costa Ocidental africana, particularmente o mandinga e o wolof
(Veiga, 2019). A influência do português se verifica particularmente no léxico,
enquanto a das línguas africanas particularmente na morfologia e sintaxe.
Primeiramente, formou-se
um pidgin, uma estrutura linguística simples e pouco complexa, a qual foi
complexificando-se até alcançar o estatuto de crioulo (língua mista,
estruturalmente mais complexificada), já desde o dealbar do século XVII.
Sabe-se que que o crioulo
nasceu nas ilhas de Santiago e no Fogo, do relacionamento estabelecido desde o
século XV, entre o colono branco e os escravos negros. No século XVII, com o
povoamento de algumas ilhas do Norte, nomeadamente Boavista, S. Nicolau e Santo
Antão, começaram a surgir variantes do crioulo com o relacionamento sobretudo
de mestiços (escravizados) e colonos brancos.
Com o povoamento de S.
Vicente, desde o final do século XVIII, surge uma nova variante a partir das
expressões linguísticas de Santiago, Fogo e das ilhas do Norte povoadas no
século XVII (Boavista, S. Nicolau e Santo Antão). A construção do Porto Grande
de S. Vicente em 1850 provocou uma grande mobilidade social ao Norte e, do
mosaico de variantes linguísticas em contacto, surgiu uma variedade que não é
totalmente igual, mas também não é completamente indiferente às variantes
matrizes, razão por que em todo o Norte de Cabo Verde a expressão de S Vicente
é satisfatoriamente entendida, utilizada e apreciada, o que faz dela não apenas
uma variante local, mas uma variedade regional.
Do mesmo modo, a
expressão de Santiago, devido à frequente mobilidade com as outras ilhas do Sul
(Fogo, Brava e Maio), sofreu alguma influência dessas outras ilhas que a
aceitam sem nenhuma resistência, podendo utilizá-la, e mesmo defendê-la. Esta a
razão por que a expressão de Santiago pode ser, ela também, considerada como
uma variedade regional, ao Sul.
Tendo em conta o acima
exposto, fica claro que em Cabo Verde há sete variantes locais e duas
variedades regionais.
Esta situação leva-me a propor uma estratégia de desenvolvimento linguístico
que, sem subestimar as sete variantes, toma por basa as duas variedades: ao
Norte, a expressão de S. Vicente; e ao Sul, a de Santiago.
No ponto dois da minha
exposição apresentarei uma proposta de pedagogia com base nas duas variedades,
em permanente diálogo com as outras variantes, e na busca incessante de uma
padronização linguística que integra, dialoga e unifica.
Contrariamente ao que
alguns pensam, a existência de variantes e de variedades é para nós antes uma
riqueza do que uma dor de cabeças.
Efetivamente, elas não só fazem com que tenhamos uma expressão linguística rica
e diversificada, como também levam a nossa crioulidade a perpetuar a mestiçagem
de cultura, de pensamento e de expressão artística.
Creio que todos
concordarão comigo se disser que, em parte, é devido à morfologia e à sintaxe
do nosso crioulo (em constante mestiçagem) que a Cidade Velha, como a Morna,
ascenderam ao estatuto de Património da Humanidade. Com efeito, a gramática do
crioulo confere às nossas ilhas, à nossa cultura (tradicional, musical,
literária e patrimonial) uma especificidade que só se encontra em Cabo Verde.
E se o crioulo
caboverdiano é a nossa marca identitária, das mais fortes e representativas,
urge estudá-lo e valorizá-lo, não apenas como uma opção, mas como um dever
cívico, uma obrigação social e cultural.
Há que convir comigo que quem não sabe escrever o crioulo, que quem
desconhece o seu funcionamento gramatical e lexical é um analfabeto da
crioulidade, é um analfabeto de uma das marcas identitárias mais
representativas do nosso estar no mundo.
Se assim é, há que saudar
a decisão governamental de introduzir o ensino do crioulo no décimo ano de
escolaridade. Apenas é de se estranhar que esse ensino seja opcional, o que
contraria o dispositivo Constitucional (artigo 9º.2) que ordena a construção da
paridade entre as duas línguas da República (a portuguesa e a caboverdiana).
Ora, sendo o ensino do português obrigatório, o do caboverdiano, por imperativo
Constitucional, deveria sê-lo também.
Tendo em conta a
escassez, neste momento, de docentes capacitados, e de material didático, o
melhor caminho seria a criação de dois ou de três polos de ensino piloto, o que
levaria o sistema de ensino equacionar os problemas existentes e traçar a
estratégia para os debelar, e só depois globalizar esse ensino.
Não tendo sido este o
caminho escolhido, só nos restar augurar sucesso ao ensino opcional adotado no
décimo ano de escolaridade e a partir do ano escolar de 2022.
2. Como ensinar com eficiência e eficácia, numa perspetiva de
padronização sustentável que integra e dialoga, sem sobrecarregar, nem
complexificar desnecessariamente a pedagogia; sem encarecer, demasiadamente, a
economia doméstica, nem discriminar as classes menos favorecidas
Culturalmente, não é
aconselhável a marginalização do ensino de qualquer das variantes do CCV.
Pedagogicamente, não é
sustentável, nem praticável, o ensino, numa mesma sala de aula e na mesma
sessão pedagógica, de todas as variantes do CCV.
Face a tudo isto, qual
poderá ser a pedagogia que, de forma sustentável, eficiente e eficaz, seja
capaz de promover o ensino da língua materna caboverdiana, de forma pragmática,
com base numa estratégia integradora e dialogante, do estilo da composição “doce
guerra”, do vate salense (Antero Simas), sem discriminar nenhuma das
variantes do CCV e com resultados satisfatórios, em termos de defesa e
valorização de um dos elementos mais significativos da identidade cultural
caboverdiana: a língua crioula?
Na análise que segue, vou
tentar dar resposta à essa interrogação.
Partindo do princípio que
todas as variantes são importantes; tendo presente a existência de duas
variedades regionais do
CCV, a do Norte, com o seu epicentro em S. Vicente; a do Sul, com o seu
epicentro em Santiago, a pedagogia mais consentânea seria aquela que toma por
base as duas variedades (uma em cada zona geográfica respetiva), estabelecendo
a ponte, em análise comparativa e contrativa, em cada sala de aula, com a
variante local da respetiva sala de aula.
Isto significa que em
todo o Norte de Cabo Verde, a variedade de S. Vicente é tomada como referência
básica. O professor, em cada uma das ilhas do Norte, é aconselhado a ensinar a
variedade de S. Vicente e a realizar o estudo comparativo e contrastivo com a
respetiva variante local.
Ao Sul de Cabo Verde a
estratégia é idêntica: parte-se da variedade de Santigo e, em cada sala de
aula, faz-se a análise comparativa e contrastiva com a respetiva variante
local.
Por exemplo, se as duas
salas de aula se situam na Brava e na Boavista, no primeiro caso o professor
tem de ser capaz de fazer a análise comparativa e contrastiva entre a estrutura
gramatical da variedade de Santiago e a da Brava; no segundo caso, a análise
comparativa e contrastiva deve ser feita entre a variedade de S. Vicente e a
variante da Boavista.
Porém, se as duas salas
de aula se sitarem em S. Vicente em Santiago, a análise comparativa e contrastiva,
na primeira salsa de aula, seria entre S. Vicente e Santiago, e na segunda sala
de aula, entre Santago e S. Vicente.
A economia dessa
pedagogia reside no facto do Ministério da Educação poder investir apenas no
material didático das duas variedades. O estudo comparativo e a análise
contrastiva serão da responsabilidade do professor e dos educandos.
Naturalmente, a
estratégia proposta vai favorecer a valorização e a padronização escolar tanto
ao Norte como ao Sul.
Terá que haver uma outra
valorização e uma outra padronização, sendo estas de conteúdo social e
cultural. O uso das variantes e das variedades através da mobilidade humana
(turismo interno, negócios, comunicação social, produção artística musical e
literária) vai favorecer tanto a padronização escolar como a social.
Isto significa que quanto
mais uma diterminada variante ou variedade forem usadas na Rádio, na Televisão,
nas redes sociais, na produção artístico-literária; quanto maior for o uso de
uma variedade ou de uma determinada variante pelas “rabidantes” ou pelos homens e mulheres de negócios, a padronização
social será reforçada e a padronização escolar será desenvolvida e o surgimento
do crioulo-padrão nacional acontece.
Exemplificando: as
expressões “diazá, benita pa frónta,
feiu pa xuxú…” têm origem na variedade de S. Vicente. Porém, devido à
mobilidade social, não causa estranheza que em Santiago se diga, hoje: “diazá N ka odja-u; Kel minina la é bunita
pa frónta; mar sta brabu pa xuxú”.
Mais: sabe-se que o termo
“gerrotxóde” pertence à variante de
Santo Antão. Entretanto, não causa grande estranheza se, em Santigo, alguém disser: “el mada-m un abrasu garotxadu” em vez de “el manda-m un abrasu pertadu”.
O “gerrotxóde” pode ainda ser traduzido por “rotxadu”: “gerrotxóde na
kenpanher/ rotxadu na kunpanheru”.
O termo “mantxuadu” tem origem na variante do
Fogo. Porém, pode-se ouvir um santiaguês a dizer “mantxuadu na kunpanheru”, em vez de “ rotxadu na kunpanheru, karapatidu
na kunpanheru, lapidu na kunpanheru, lanbuxadu na kunpanheru”.
Concluindo este ponto,
constata-se que a “padronização escolar”
é da responsabilidade do sistema escolar, enquanto a “padronização social” é da responsabilidade da sociedade. Quanto
maior for o investimento em cada uma dessas modalidades, melhor será desenvolvida
ou reforçada a padronização escolar e a social, da padronização nacional.
A longo prazo, como
resultado da padronização escolar e
da padronização social surgirá uma
terceira variedade, a que podemos designar Variedade
Norte/Sul, com epicentros em S.
Vicente e em Santiago. Pode-se perguntar quando é que isto vai acontecer. Não
saberei responder. Só sei que vai levar muito tempo e que é a melhor estratégia
para um desenvolvimento linguístico harmonioso, integral e unificador. Com esta
etapa concluída, Cabo Verde passaria a contar com uma única variedade, a Variedade Norte/Sul. Naturalmente, esta
última será uma Variedade Nacional,
aquela onde melhor se espelha a alma caboverdiana, com a representatividade do
todo nacional.
Os custos: para a valorização e padronização escolar há
que ter professores, há que ter salas de aula equipadas, há que ter algum
material didático. Ora, para a variedade
de S. Vicente, recomenda-se as obras Vangêle
Conód d’Nos Móda, de Sergio Frusoni e Biblia na Prugrese de Tradusãu pa Linga
Kabeverdiane-Sonsente, de “Asosiasãu Kabeverdiane pa Tradusãu de
Biblia”.
Para a variedade de Santiago, recomenda-se Lukas
– Notísias Sábi di Jizus, de “Kumison pa Traduson di Biblia”; os
romances Odju d’Agu e Jornada Sen Ratornu, de Manuel Veiga;
Katikati
pa Gran Bira Spiga e O Caboverdiano em 45 Lições, do
mesmo autor; Noti, de Kaoberdiano Dambará.
Complementarmente, o
professor, eventualmente, pode utilizar trabalhos de tradição oral, levados a
cabo pela equipa de T.V. da Silva e
obras em crioulo desse mesmo autor; trabalhos em crioulo de Eugénio
Tavares, Ovídio Martins, Anu Nobu, Corsino Fortes, Manuel d’Novas, Antero
Simas; de Donaldo Macedo,
de José Luis Tavares, de Princesito, de Dany Spínola, de José-Luis Hopffer
Almada, de Mana Guta, de
N’Gossi Nelly, de Manuel Gonçalves, de Nicola Quint; Dicionário de Jürgen Lang,
de Napoleão Fernandes e de Manuel Veiga; trabalhos outros em crioulo de
compositores, de poetas e ficcionistas caboverdianos ou estrangeiros; Diklarason
Universal di Direitus Umanu, de Lurdes Lima e revisão de Adelaide
Monteiro; livros em crioulo das Testemunhas de Jeová; Compilação de Stórias
di Nhu Lobu ku Xibinhu, de associação IMAJEM; a coletânea Karlus
Magnu, de Humberto Lima; a coletânea musical Hora di Bai, de P. José Maria de
Sousa; As Stórias Ilustradu di Nobu Testamentu pa Jóvens e pa Pais, Na Língua Kabuverdianu
di Santiagu, da “Komison pa Traduson di Bíblia”.
3. Uma pedagogia que encoraja o conhecimento dos dois modelos de
alfabeto que fizeram já história em Cabo Verde: o de base etimológica e o de
base fonológica
Da pedagogia do CCV devem
constar tanto o modelo de base etimológica como o de base fonológica. Ambos os
modelos entraram já na história da escrita em Cabo Verde. O primeiro modelo foi
praticado desde todo o sempre pelos clássicos da nossa literatura, como Eugénio
Tavares, Pedro Cardoso, Napoleão Fernandes, entre outros. Já na época
claridosa, encontrou eco junto de escritores como Baltasar Lopes, Sérgio
Frusoni, Teixeira de Sousa. Mais tarde, continuou sendo utilizado por vários
outros escritores como Kaoberdiano Dambará, Ovídio Martins, Corsino Fortes etc.
O segundo modelo, o de
base fonológica, surgiu em Cabo Verde a partir de 1979 num Colóquio Linguístico
sobre a Problemática do Crioulo Caboverdiano, realizado em Mindelo pela então
Direção-Geral da Cultura.
Manuel Veiga e Tomé
Varela da Silva foram, entre outros, os principais impulsionadores desse modelo
de alfabeto, o primeiro com o estudo gramatical Diskrison Strutural di Língua
Kabuverdianu, com o romance Odju d’Agu e várias outras obras. O
segundo com várias obras de tradição oral caboverdiana, nomeadamente a
coletânea Na Bóka Noti, em vários volumes.
Este segundo modelo
somente viria a ser oficialmente aprovado em 1998 por proposta de uma Comissão
de Padronização criada em 1994. A partir dessa aprovação, esse modelo encontrou
eco junto de todos os estudos académicos realizados no país e no exterior,
sobre o crioulo caboverdiano. Estudiosos e escritores vários passaram a
utilizar esse modelo de escrita, tendo em conta a sua funcionalidade, economia
e sistematicidade.
O Que Carateriza os dois modelos de alfabeto acima referidos:
Modelo
de Base Etimológica – Orientando-se pelo étimo e pela história
das palavras, é pouco económico e pouco sistemático. Com efeito, um mesmo som
se atualiza de forma diferente, conforme o étimo da palavra onde está inserido.
Por exemplo, o fonema /s/ pode
atualizar de várias formas: s, ss, ç, c (sábi, massa, poço, cimento).
No português pode ainda atualizar-se em x
(trouxe).
Ora, tratando-se do mesmo
fonema, a atualização em quatro grafemas, não sendo nada económico, representa
um peso linguístico desnecessário. O mesmo se pode dizer com os fonemas /z, k, j, x/.
O /z/ pode atualizar-se em “z,
s, x” (cozinha, casamento, exame).
O /k/ pode atualizar-se
em “k, c, q” (km2, casa,
quintal).
O /j/ pode atualizar-se
em “j, g”(jaro, gesso).
O /x/ é representado por
“x”e por “ch” (xadrez, chato).
Podia-se continuar a
apresentar outros casos de falta de economia do modelo de alfabeto de base
etimológica. Porém, penso que os exemplos acima apresentados ilustram essa
falta de economia.
Modelo
de Base Fonológica
Neste modelo,
sistematicamente, para cada fonema existe um único grafema, o que confere à
escrita uma economia assinalável, não havendo a necessidade de decorar a forma
gráfica das palavras, por exemplo “coser
roupa e cozer comida”:
/z/ = “z” (kuzinha,
kazamentu, izami);
/k/ = “k” (km2,
kasa, kintal).
/j/ = “j” (jaru, jésu).
/x/ = “x” (xadres, xatu).
Ora, é essa economia e
sistematicidade que granjearam simpatia para com este modelo de alfabeto junto
de académicos, escritores e utilizadores vários.
O modelo de base
etimológica continua a ser defendido pelos que tem uma grande simpatia para com
a história da língua caboverdiana. Porém, se tomarmos em conta o parque
editorial em Cabo Verde, neste momento, os estudos académicos levados a cabo
após a aprovação, em 1998, do modelo fonológico, a escrita nas redes sociais, contata-se
que a escrita de base fonológica ultrapassa, de longe, a prática etimológica.
Considerando, no entanto,
que os dois modelos fazem parte da história da escrita do crioulo caboverdiano
e contam com defensores de ambos os lados, o sistema de ensino não pode ignorar
esse facto.
Assim sendo, é desejável
que na sala de aula o professor leve os seus alunos a assimilarem o
funcionamento dos dois modelos, deixando a cada um a liberdade de adotar, em
atividades de cunho pessoal, o modelo que achar mais conveniente.
Para as atividades
académicas, seria desejável o modelo mais económico e sistemático, o qual foi
instituído, desde 2009, como alfabeto caboverdiano (Decreto-Lei 8/2009, de 16
de Março). Porém, se o aluno fizer questão de utilizar o modelo de base etimológica,
convém que o professor seja tolerante.
4. Uma pedagogia que dê conta do bilinguismo caboverdiano, das
interferências existentes e da especificidade mantida, como da importância
cultural, económica e social desse mesmo bilinguismo
Num livro da minha
autoria – A Construção do Bilinguismo – e que, num concurso promovido em
2000 pelo Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, ganhou o primeiro lugar,
escrevi o seguinte (p.5):
“Ninguém pode ignorar que tanto a língua
portuguesa como a caboverdiana, embora de formas diferentes, corporizam a nossa
história, enformam a nossa cultura e moldam o nosso modo de estar no mundo. A
afirmação e a valorização dessas duas línguas, mais do que um dever cívico, é
uma exigência cultural e uma necessidade ambiental”.
Também no artigo 9.2 da
Constituição da República se estabelece que o “Estado promove as condições para a oficialização da língua materna
caboverdiana, em paridade com a língua portuguesa”, e em 9.3 determina: “Todos os cidadãos nacionais têm o dever de
conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las”.
De igual modo, os artigos
7º i) e 79º.3 f) ordenam que se deve “Promover
a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna caboverdiana e
incentivar o seu uso na comunicação escrita”.
Mais: O Decreto-Legislativo
2/2010, de 7 de Maio, sobre Bases do Sistema Educativo, determina: “O Sistema educativo deve valorizar a língua
materna, como manifestação privilegiada da cultura”.
Tendo em conta o acima
exposto, há que convir que a construção do bilinguismo, em Cabo Verde se nos
impõe não apenas como um dever e um direito constitucional, mas também como uma exigência constitucional e cultural,
como uma necessidade ambiental. Assim
sendo, a pedagogia de ensino de qualquer uma dessas duas línguas tem que ser
algo de complementar e nunca de concorrência desleal ou destrutiva.
Para Cabo Verde, é uma
bênção a existência dessas duas línguas, o que permite aos caboverdianos uma
maior interação e interculturalidade no espaço da CPLP, num laboratório humano
com aproximadamente 270 milhões de locutores, sendo nove os países membros
(Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique,
Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor Leste).
Não há dúvida que é
invejável esse mercado linguístico, cultural, económico, social e político.
Daí que a política de
bilinguismo, em Cabo Verde, seja uma exigência ambiental e uma necessidade
cultural, económica, política e social.
Assim sendo, o aprendiz da
língua caboverdiana deve poder relacionar-se, harmoniosa e interessadamente,
com a língua portuguesa. O estudo do crioulo caboverdiano nunca deverá ser em
oposição ao da língua portuguesa, mas sempre em complementaridade com essa
outra língua oficial da República. Isto significa que a metodologia de ensino
do português, que conta com uma experiência de vários séculos, deve, sem
tentativa glotofagista, inspirar, positivamente, a metodologia de ensino do
crioulo caboverdiano.
Tendo em conta, porém,
que as duas línguas, do ponto de vista formal, estrutural e semântico se
organizam de modo diferente, o professor do CCV deve poder levar os seus alunos
a descobrirem as diferenças, as particularidades e especificidades matriciais
existentes.
Levando ainda em consideração
que uma das matrizes do CCV é o português, o professor deverá estar capacitado
para levar os alunos a descobrir as possíveis interferências estruturais, tanto
do ponto de vista gramatical como semântico. Há que evitar a influência
elitista, glotofagista ou demasiadamente arcaizante, de uma língua em relação a
outra.
A análise comparativa e
contrastiva entre os dois modelos, sob o signo da ciência, da verdade e
tipicidade linguísticas poderão ser de grande utilidade. Isto só será possível
se o professor do CCV possuir conhecimento gramatical e lexical das duas
línguas.
5. Em Jeito de Conclusão
Sendo o CCV um dos
elementos mais significativos da nossa identidade; constituindo a defesa e
valorização do CCV um dever cívico e uma exigência cultural; determinando o
artigo 9º.2 da Constituição que “o Estado
deve criar as condições para a oficialização da língua materna caboverdiana em
paridade com a portuguesa”; considerando o estipulado no artigo 79º.3 f)
que ordena a valorização da língua caboverdiana e o incentivo à sua utilização
na escrita;
tendo em conta o exposto,
o ensino do CCV deixa de ser uma simples opção para passar a ser um dever e uma
obrigação.
Ora, possuindo o CCV 7
variantes locais consolidadas
e duas variedades regionais emergentes; havendo da parte dos cidadãos um forte
apego à respetiva variante e respeito quanto às duas variedades (Norte e Sul)
existentes, impõe-se que seja traçada uma pedagogia de ensino sustentável e
inclusivo.
Na minha perspetiva, essa
pedagogia deveria ter as seguintes características:
a)
Ao Norte, tendo em conta que a variedade
existente, com epicentro em S. Vicente, é um constructo a partir das variantes
do Norte, em cada sala de aula se procederá à análise comparativa e contrastiva
entre a variante local e a variedade Norte. Em S. Vicente, epicentro dessa
variedade, haverá uma pedagogia centrada na análise comparativa e contrastiva
ente a variedade/Norte e a variedade/Sul (ou seja entre a variedade de S.
Vicente e a de Santiago).
b)
Ao Sul, considerando que as variantes das
ilhas todas foram e continuam sendo fontes de enriquecimento da variedade cujo
epicentro é Santiago, a pedagogia em cada sala de aula deveria proceder à
análise comparativa e contrastiva entre a variante local e a variedade/Sul. A
nível de Saiago a pedagogia seria centrada na análise comparativa e contrastiva
entre a variedade/Sul e a variedade/Norte (ou seja, entre a variedade de
Santiago e a de S.Vicente).
c)
Havendo dois modelos de escrita, com
legitimidade histórica e social, o que é baseado no alfabeto etimológico, e o
que é baseado no alfabeto fonológico, a pedagogia devia dar conta destes dois
modelos. Sendo o modelo fonológico mais económico e mais sistemático, o mesmo
deveria ser encorajado; deve-se, no entanto, tolerar a prática do modelo etimológico,
por parte dos alunos que fizerem questão dessa prática.
d)
Tendo presente que a construção do
bilinguismo e da paridade entre a língua cabo-verdiana e o português é uma
necessidade ambiental e um dever constitucional, o professor do CCV deve levar
os seus educandos a descobrirem a vantagem do bilinguismo funcional, em Cabo
Verde.
Uma pedagogia baseada
nesses quatro pontos leva à valorização de todas as variantes e variedades do
CCV, com uma estratégia sustentável e inclusiva em que em cada sala de aula
apenas se estuda a respetiva variante local e variedade regional. Com essa
pedagogia, ainda, fica valorizada a história da escrita do CCV, a defesa e
valorização do bilinguismo caboverdiano e padronização, paulatinamente, acontecerá.
6. Referência Bibliográfica
Dambará, Kaoberdiano
(1964). Noti, Edição PAIGC, Paris.
Fernandes, Napoleão (sd).
Léxico do Dialecto Crioulo de Cabo Verde,
Editado pela filha Ivone Fernandes Ramos, Gráfica do Mindelo.
Frusoni, Sérgio (1979). Vangêle Contód d’Nos Móda,Edição, Terra
Nova, S. Filipe, Fogo.
Lang, Jürgen (2002). Dicionário do Crioulo da Ilha de Santiago,
Gunter Narr Verlag Tübingen, Alemanha.
Veiga, Manuel (2004). A
Construção do Bilinguismo, Instituto da Biblioteca Naciona e do Livro, Praia.
Idem (2012). Dicionário
Caboverdiano-Português, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Praia.
Idem (2016). A Palavra e o Verbo, Acácia Editora,
Praia.
Idem (2019). Odju d’Agu, 2ª Ed, Livraria Pedro
Cardoso, Praia.
Idem (2019). Formação do
Crioulo – Matrizes Originária, Acácia Editora, Praia.
Idem (2021). O Caboverdiano em 45 Lições, Acácia
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Idem (2022). Katikati pa
Gran Bira Spiga, Acácia Editora, Praia.
Idem (2022). Jornada Sen Ratornu,
Odjud’aguBlogspot.com.
Kumison Kabuverdianu pa Traduson di Bíblia (2004). Lukas, Notísias Sábi di Jizus,
Praia.
Idem (2009). Biblia – Na
Prugrésu di Traduson pa Língua Kabuverdianu, Praia.
Idem (2013). Biblia na
Prugrese de Tradusãu pa Linga Kabeverdiane – Sonsente.
Manuel
Veiga
Fevereiro
de 2023