quinta-feira, 30 de junho de 2016

Atualização da LCV, frase 17

LCV Nha Béba bira dixanxabidu
MLP A senhora Béba vira(r) desenxabido
CSP A senhora Béba ficou sem moral (sem força)

A reconstrução semântica local de «a senhora», em «nha», não deve ter sido imediata. Tudo indica que «senhora» deu «sinhá», como no Brasil, e «sinhá» terá passado, depois, a «nha». Note-se que existe um outro «nha» (adjetivo possessivo meu/minha) que poderá, eventualmente, ter dupla origem: “nha” de “sinhá” e “nha” de “minha“ (neste último caso, a tendência evolutiva da permanência da sílaba tónica não se verificaria). Ex: "nha mai, nha pai" (a minha mãe, o meu pai).
Há que confirmar se «virar desenxabido»(virar insípido, sem animação) não era prática corrente no português arcaico. O sentido de «ficar sem moral ou sem ânimo» é, seguramente, uma atualização semântica de «virar desenxabido».

sexta-feira, 24 de junho de 2016

ALUPEC Versus Alfabeto Caboverdiano
A Representação de  “Y” Versus “i”
A Pertinência ou não da Presença do “C” no ALUPEC[1]

1.    ALUPEC Versus Alfabeto Caboverdiano
Numa feliz iniciativa da Universidade de Santiago, teve lugar na Cidade de Assomada, de 21 a 22 de Junho de 2016, uma Mesa-redonda sobre a Escrita da Língua Caboverdiana.
Tive a honra de ser convidado a participar na efeméride, via video-conferência, a partir de Paris, com uma comunicação sobre “Prusésu di Skrita na Kabuverdianu, di Séklu XIX pa Gósi”.
A apresentação da minha comunicação suscitou algum debate, particularmente sobre a questão do ALUPEC versus Alfabeto Caboverdiano; sobre a representação do “y” versus “i”; finalmente sobre a pertinência ou não da presença da letra “c” no alfabeto caboverdiano.
No concernente ao primeiro ponto, alguém argumentou que, com o decreto-lei 8/2009, de 16 de Março, institucionalizando o ALUPEC como Alfabeto Caboverdiano, já não faz sentido continuar-se a falar de ALUPEC.
Por discordar desta afirmação, devo esclarecer:
a)    ALUPEC é a sigla adotada para o Alfabeto Unificado[2] para a Escrita do Caboverdiano.
b)    O mesmo foi aprovado, a título experimental, por um período de cinco anos, pelo decreto-lei 67/98, de 31 de Dezembro.
c)    Por razões várias, o período experimental se prolongou por dez anos.
d)    Em Dezembro de 2008, desempenhando eu, na altura, as funções de Ministro da Cultura, decidi propor ao Conselho de Ministro a consagração do ALUPEC que, até então, era experimental.
e)    Para dar maior sustentabilidade à proposta de transformação do ALUPEC experimental em ALUPEC institucionalizado, o meu gabinete organizou um Fórum com alguns utentes do ALUPEC (praticantes curiosos, escritores, compositores, professores, linguistas, investigadores) com o objetivo de se fazer uma avaliação, visando descobrir se o ALUPEC reunia ou não as condições para passar do estatuto de experimental para o de alfabeto consagrado.
f)      Para além do grupo acima referido, o meu gabinete promoveu consultas junto de vários utentes desse alfabeto que não podiam tomar parte no Fórum já referido.
g)    O objetivo da mesa-redonda e das consultas não visava nem uma refundação do alfabeto, nem uma nova proposta. Visava, tão-somente, um pronunciamento se o ALUPEC experimental reunia ou não as condições para passar a ALUPEC consagrado ou institucionalizado.
h)    O Fórum gozava da liberdade de sugerir a consagração sem mudanças; a não consagração por razões que deveria apontar; a consagração mediante propostas a serem limadas no futuro, mediante um estudo linguístico e sociolinguístico aprofundado, por estruturas competentes.
i)      De se sublinhar que a institucionalização do ALUPEC experimental  em Alfabeto Caboverdiano consagrado não pretendia a mudança de essência, apenas a do estatuto jurídico. O ALUPEC continuaria a ser um Alfabeto, continuaria a ser unificado, continuaria a ser um instrumento para escrita do caboverdiano.
j)      Ora, não tendo mudado nem a sua natureza, nem a sua essência, é o mesmo ALUPEC experimental que agora foi consagrado e institucionalizado.
k)    Por tudo isto, não vejo pertinência da proposta de substituição liminar de ALUPEC por Alfabeto Caboverdiano. Os dois conceitos têm o mesmo conteúdo e finalidade,  podendo assim co-existir e serem usados como expressões sinónimas.

2.    A Representação de “y” Versus “i”,
O processo da instrumentalização da escrita do caboverdiano tem aconselhado e praticado muita prudência e muita ponderação. Aliás, o alfabeto proposto em 1979 esteve em fase experimental, sem aprovação, durante dez anos. Em 1989 foi objeto de uma mesa-redonda que aconselhou a sua refundação. A mesma mesa-redonda não se sentiu com legitimidade e condições para introduzir alterações. Prudentemente, aconselhou a criação de uma Comissão Consultiva de avaliação que, por sua vez, aconselhou a criação de uma estrutura competente e pluridisciplinar para estudar a questão e propor as mudanças que se impunham. Essa estrutura seria criada em Novembro de 1993 sob o nome de Grupo de Padronização do Alfabeto. Depois de seis meses de reflexão e de produção de estudos sobre a matéria, esse Grupo viria a entregar ao Governo de então o resultado do seu trabalho em Abril de 1994. O Governo levou quatro anos sem se pronunciar e só viria a aprovar as Bases do Alfabeto Unificado para a Escrita do Caboverdiano em 1998 (ALUPEC), mas somente a título experimental. O horizonte dessa experiência deveria durar cinco anos. Porém, somente dez anos depois, isto é em 2008, foi criado um Fórum com objetivo muito específico: o de avaliar se o ALUPEC experimental tinha condições para ser consagrado ALUPEC institucionalizado.
O Fórum não tinha por objetivos a introdução pontual de alterações nas Bases do Alfabeto Unificado para a escrita do Caboverdiano. Com efeito, o Fórum não tinha por finalidade nem a instrumentalização, nem a padronização pontuais. Dele se esperava tão-somente o pronunciamento sobre se as condições estavam ou não reunidas para a transformação do ALUPEC experimental em ALUPEC institucionalizado. 
Como disse já, o processo de instrumentalização da escrita tem aconselhado e praticado muita prudência e ponderação.
O Fórum podia, sim, não estando de acordo com algo que vem estipulado no ALUPEC, recomendar que, em estruturas competentes, criadas para o efeito, fossem aprofundadas as propostas de alteração que, eventualmente, esse mesmo Fórum indicasse.
É nesta base, e decorrente de algumas das conclusões do Fórum, e das consultas havidas, que, na qualidade de então Ministro da Cultura, propus à consideração do Conselho de Ministros o que consta do decreto-lei 8/2009, de 16 de Março, nomeadamente o ponto quatro do preâmbulo, nos seguintes termos:
Dez anos após a aprovação do ALUPEC, foi realizado, em Dezembro de 2008, um Fórum para a avaliação desse modelo de escrita, durante o percurso feito e para perspectivar os caminhos do futuro.
O Fórum que reuniu vários utilizadores do ALUPEC (Linguistas, professores, escritores, tradutores...) chegou às seguintes conclusões:
1. Que o ALUPEC é um instrumento útil e funcional para a escrita na língua caboverdiana;
2. Que se deve criar incentivos para a escrita do ALUPEC;
3. Que se deve criar um Instituto Autónomo ou uma Academia para se ocupar da problemática da língua caboverdiana (sublinhado meu).
4. Que a padronização da escrita deve ser um caminho sempre em aberto, onde se privilegia a ciência, o consenso e o bom senso, sujeitos à avaliação e adaptação periódicas. Nesse sentido, deve-se continuar a aprofundar a questão da acentuação e do til, bem como a representação da constritiva velar nasal Ñ, do Y e do LH (sublinhado meu).
5. Que o ALUPEC - pela funcionalidade e utilidade demonstradas; pelo interesse académico, social e cultural de que tem sido objecto; pela plasticidade na representação de todas as variantes da língua; por não ter tido a concorrência de nenhum outro modelo alfabético sistematizado e consistente - deve ser instituído, definitivamente, como Alfabeto Cabo-Verdiano” (sublinhado meu).

Face ao que vem estipulado nesse decreto-lei, particularmente no ponto 4 do preâmbulo, acima referido, e no artigo 3º, segundo o qual “O Governo promove as medidas necessárias com vista ao aprofundamento do estudo científico e técnico do alfabeto, ora instituído, e à padronização da escrita nele baseada”, não vejo espaço para se duvidar da pertinência e das boas intenções do diploma ou então para se pensar que o Governo traiu as propostas do Fórum.
Devo concluir este ponto dizendo que assumo inteira responsabilidade do formato e do conteúdo da proposta que mereceu a aprovação do Governo.
Mais como técnico do que como Ministro, não podia aceitar, porque não era objetivo do Fórum, a introdução de alterações, alterações essas que nem sequer gozavam de suficiente e adequada fundamentação, nomeadamente quanto à substituição de “y” por “i”, na representação da coordenada copulativa, uma representação que vinha desde a proposta de 1979 e que foi sancionada e praticada por um grande número de utentes do ALUPEC, de 1979 a 2008, sem contestação formal.
De sublinhar que o Fórum apresentou duas razões para a alteração proposta e nenhuma delas com fundamento suficiente. O primeiro fundamento, de ordem linguística, dizia que a representação deveria ser “i” porque, na escrita com base no ALUPEC, a um som corresponde um grafema e vice-versa. Ora se é “i” o som, o grafema também deveria ser “i”. O segundo argumento, de carácter sociolinguístico, dizia que se o sistema se prima pela biunivocidade, escrever “y” e pronunciar “i” criaria confusão na cabeça das crianças.
Disse atrás que os argumentos não eram suficientes. Na verdade, apenas tendencialmente há, no ALUPEC, a correspondência entre o som e o grafema. Por exemplo, em “más txeu” e em “más algen”, no primeiro “más” o som é [s] e no segundo o som é [z]. Sendo o nosso alfabeto de base fonológica, em ambos os casos o fonema é [s] e o grafema é, também, “s” e não “z”.
Além disso, o ALUPEC comporta dígrafos (tx, dj, nh, lh), o que contraria o sistema de representação “uma letra / um som”. Daí que seja falacioso considerar-se que no ALUPEC há sempre a correspondência “uma letra/um som”.
Quanto à confusão provocada nas crianças, não vejo como a representação apenas de um som e de um grafema possa criar tamanha confusão. Em aprendendo e apreendendo as razões por que se escreve “y” ou “i”, e em que circunstâncias, o problema fica desde logo resolvido.
Na minha perspetiva, poderá haver muito mais confusão escrever com o mesmo grafema “i” a conjunção coordenada copulativa “y”, a vogal “i” e a terceira pessoa do singular do presente de indicativo do verbo ser que, na Ilha do Maio, se realiza também “i”: “mi i bon” (mi é bon).
Curiosamente, a representação “y” acaba sendo pedagogicamente recomendável. Na verdade, sabendo que quando o “y” aparece numa frase ou numa expressão é sempre e sistematicamente conjunção coordenada copulativa sindética, o magistério, nesse particular, fica facilitado e a pedagogia ganha pontos. Por tudo isto, a prudência aconselhava maior ponderação. Foi o que aconteceu com a aprovação do Decreto-Lei 8/2009, de 16 de Março, nos termos em que se apresenta.

3.    A Pertinência ou não da Presença do “C”no ALUPEC
A letra “c” não figura nem na proposta de alfabeto de 1979, nem no ALUPEC de 1998.
Hoje eu defendo a introdução desse grafema no ALUPEC institucionalizado. Porém, essa introdução só deve ser consumada quando for ponderada e avaliada por uma estrutura com competência para tal e aprovada pela instância competente. Uma vez introduzida, a letra “c” só seria usada em situações muito específicas, abaixo referenciadas.
Na minha perspetiva, a introdução do “c” é pertinente pelas seguintes razões:
a)    Para a representação de nomes de pessoas: Cabral, para quem não quiser mudar para “Kabral”.
b)    Para a representação de siglas já existentes: TACV; CPLP
c)    Para a representação de símbolos ou de marcas internacionais: cm, numeral romano como C, CC (100, 200)…; vitamina C
d)    Na totalidade das línguas românicas, no inglês e no alemão o “etc” é representado com “c”. Em todas essas línguas, ele é um “idiofone”. Sendo a escrita uma convenção (que deve primar pela pertinência, economia, sistematicidade e clareza) considero conveniente que o ALUPEC institucionalizado ou seja, o alfabeto caboverdiano, adote também o mesmo idiofone.
Para terminar, devo acrescentar que o modelo de acentuação no ALUPEC precisa de pequenas modificações, particularmente na quarta e sexta regras. Essas propostas de alterações constam da minha comunicação, pelo que não as referirei aqui. Devo salientar, no entanto, que as alterações propostas só podem vigorar plenamente após a validação de uma estrutura competente e aprovação pela instância, ela também com competência para tal.
                                                                                                   Junho de 2016
                                                                                                    Manuel Veiga







[1] Aqui trata-se da escrita preconizada pelo ALUPEC.
[2] É um alfabeto  unificado por duas razões: primeiro porque unifica dois modelos de escrita, o de base etimológica e o de base fonológica; segundo porque unifica a escrita de todas as variantes do crioulo.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Autonomização da LCV

F15, p. 11

LCV
Sen tuntunhi, Zé rabida    pa   el,        fla-l

MLP
Sem tintenir (?) Zé   revirar    para ele     falar-lhe
CSP
Sem se hesitar, o Zé voltou-se para ele e disse-lhe

A nota digna de realce, aqui, diz respeito, sobretudo, ao termo «tuntunhi». Não cheguei a descortinar, com clareza, a sua origem. A hipótese do substrato africano e de reconstrução local é grande, mas não tenho, por enquanto, como provar. Haverá alguma relação com a expressão «sem tugir nem mugir»?, para o caso de “tuntunhi? É uma hipótese.
Outra hipótese que me pareceu mais válida é ver a origem de “tuntunhi” na palavra portuguesa “tintenir” que significa tintinar (soar como sino).
Note-se que Quint 1999 apresnta “tonto” como possível raiz de “tuntunhi”. Porém, esta hipótese não me pareceu ter fundamento.

Quanto ao lexema «rabida», com o sentido de «voltar», poderá, eventualmente, vir do MLP «revirar», enquanto o «fla» com o sentido de «dizer», vem de «falar».