segunda-feira, 16 de julho de 2018

Desafios para a Construção de uma Identidade Comunitária na CPLP através da Língua Portuguesa




Introdução e Enquadramento

Sendo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) um espaço aberto e plural, alicerçado na língua portuguesa, para abordarmos os desafios da construção de uma identidade comunitária, começaríamos por discorrer sobre a vocação universal da língua que dá suporte a essa identidade.
Assim, querendo ilustrar essa vocação universal, citaremos uma pertinente afirmação de Paul TEYSSIER que considera o português como «filho da conquista» e explica o porquê:

          «Nasceu, na Idade Média, quando os exércitos cristãos, ocupando a parte ocidental da     Península Ibérica dominada pelos mouros, levaram consigo até ao Sul a língua galego- portuguesa oriunda do Norte. O Português moderno resulta assim da acção exercida no            galego-português pelo substrato dos dialectos moçárabes de origem românica, que o povo          cristão nunca  deixara  de falar durante os longos séculos da ocupação muçulmana. Mas o          português é também filho da conquista por ter sido levado para vastas regiões do mundo   no          fim da Idade Média e na época do Renascimento, quando se deu a grande aventura dos           Descobrimentos»[1].

Já desde o seu nascimento, a língua portuguesa, quando despida da ideologia colonial que manchou uma parte da sua história, foi e é capaz de se afirmar como um espaço aberto onde o diálogo, a tolerância e o inter-relacionamento acontecem. Doutro modo, não existiria como existe hoje, exibindo, na diversidade e tolerância, a marca ecléctica do humanismo, da ciência e da cultura.
É particularmente devido a esses predicados - estando já afastado o espectro de uma tentação glotofagista – que, hoje, ela se orgulha de ter conseguido compartilhar a pátria de outras pátrias.
Resgatada em alguns países africanos e em Timor Leste, como língua oficial, o seu espaço que, outrora, fora duramente imposto, passou a ser assumido, política e culturalmente.
Tanto na Ásia onde ela persistentemente se revigora em Timor e sobrevive em certas comunidades que partilham com Portugal alguma história comum, como na Europa, em África e na América do Sul onde floresce e se consolida.
Como semente ou colheita em campos tão diferentes, a língua portuguesa, para ser fecunda e dar provas de vivacidade, tinha que saber reinterpretar o real, tinha que poder ser reinterpretada por este mesmo real-ambiente. É, pois, no laboratório humano, geográfico e cultural dos diversos territórios onde reina ou compartilha o reinado com outras línguas que o português se molda e é moldado. Como não podia deixar de ser, em cada experiência laboratorial o produto da ou de análise tem a marca do seu próprio ambiente.
Tudo isso vem a propósito da tão propalada unidade e diversidade da língua portuguesa cujo «espaço aberto» só não é uma mentira se essa mesma «unidade» pressupuser a «diversidade». Para o nacionalismo doentio ou o purismo retrógrado, esses dois conceitos são inconciliáveis, ou seja, onde há a «diversidade», forçosamente fica quebrada a «unidade» linguística.
Ora, isso só aconteceria se a diversidade deixasse de ser uma particularidade para se converter numa essência.
Cremos que a capacidade da língua portuguesa aceitar a «diversidade» torna-a não só mais universal como ainda mais rica e mais maleável. Não temos dúvidas de que o espaço que pôde conquistar no mundo, em grande parte, é devido ao facto dela tolerar a diferença.Com efeito, ao aceitar a «diversidade», ela tornou-se mais livre, mais expressiva e, por conseguinte, mais aceite como algo que também pertence aos que a adoptaram. O facto ainda de Portugal não ser o único centro normativo faz com que o português ganhe uma certa riqueza plástica, o que aumenta a sua aceitação e legitimidade no espaço da CPLP como instrumento de comunicação e como património cultural comum.
A «diversidade», porém, tem os seus limites: ela não deve quebrar a unidade fundamental da língua. Segundo Paul Teyssier, «há dentro da diversidade um limiar que não deve ser ultrapassado: é o ponto além do qual a intercomunicação desaparece»[2].
Cremos poder dizer, sem risco de cairmos no erro, que a aceitação que a língua portuguesa hoje desfruta no Brasil, em África e na Ásia é sobretudo porque nela também podemos, em comunhão com outras expressões linguísticas, ouvir a «voz» das nossas respectivas pátrias, como diria o Prof. Brasileiro Celso Cunha e o Prof. Português Lindley Cintra.
Tanto nos países lusófonos, em África, como em Timor Leste, o português goza do estatuto de língua oficial não apenas por uma questão de pragmatismo político - traduzido na necessidade de comunicação com o exterior, na facilidade de ensino, como língua segunda, no acompanhamento da ciência e da tecnologia do mundo moderno -, mas também por uma questão de ordem cultural.
Amílcar Cabral costumava dizer que o que de melhor o colonialismo nos deixou é a sua língua. Esta, durante os vários séculos da sua história, em África,  no Brasil e na Ásia, formou e enformou uma grande parte da nossa cultura. Por isso, do ponto de vista cultural, consideramos que ela é também uma conquista nossa. Rejeitá-la é rejeitar uma parte da nossa cultura, do nosso humanismo.
Porém, que fique bem claro: afirmar uma língua como elemento cultural e como instrumento de cultura não significa abençoar toda a ideologia que num determinado momento ela veiculou ou pode veicular.
Se, nos espaços atrás referidos, o português goza do estatuto de língua oficial, é porque antes os países em referência foram capazes de o descolonizar política e culturalmente.
Assim, o português é língua oficial naqueles espaços da CPLP por ser aconselhável do ponto vista pragmático; por ser útil do ponto de visto tecnológico e científico; por ser uma conquista do ponto de vista cultural; por ser um instrumento de comunicação com o exterior e de intercomunicação com o mundo lusófono. Como espaço aberto, hoje ele sabe aceitar e interiorizar a diferença; por isso, também, hoje sentimo-nos honrados de fazer parte do seu universo.
Se a língua portuguesa é assim tão importante para o espaço da CPLP, na Europa, em África, na América Latina, na Ásia e nas diversas comunidades diasporizadas, vejamos alguns dos principais desafios que, através dela, a construção de uma identidade comunitária exige:

1. Desafio Cultural e de Diversidade Cultural

Hoje, sem pormos de lado a identidade local, somos convocados a valorizar a identidade global. O humanismo é formatado com as cores do arco-íris onde o local é valorizado e o global não é marginalizado. No espaço da CPLP, o português, como coluna vertebral da comunidade, tem que saber aceitar as diferenças, saber dialogar e conviver, pacífica e interessadamente, com as línguas e as culturas autóctones, com as línguas e as culturas da globalização, particularmente as das comunidades diasporizadas.
A diversidade linguística e cultural não deve ser apenas um slogan de campanha, mas uma vivência, um compromisso de todos os dias.
Para tal, há que haver políticas integradas de promoção e de valorização das letras, das artes e das tradições positivas, em todos os espaços da Comunidade.
Os cidadãos lusófonos têm que sentir a CPLP como uma entidade útil onde reina e vigora o espírito comunitário. Há que fazer da CPLP uma organização não apenas dos governos e dos políticos, mas também da sociedade civil. Para tal, há que promover o conhecimento mútuo, há que estimular esse mesmo conhecimento através da mobilidade social, empresarial e académica; há que promover exposições, seminários, feiras e prémios culturais, joint ventures win-win, em sectores económicos e sociais.
A CPLP deveria ser um mercado artístico, cultural e económico privilegiado. Os produtos da comunidade deveriam poder ter colocação em todas as áreas geográficas da comunidade. Uma sã competitividade cultural, artística e económica deveria ser promovida e acarinhada.
Há que ter em conta que se a CPLP não for uma comunidade útil aos cidadãos, de interesse para todos e a diversos níveis, por mais fortes que sejam os laços linguísticos, ela terá dificuldade em sobreviver. Cada sujeito comunitário é convocado a fazer o que deve e o que pode, de forma holística e com empatia, para poder assegurar a continuidade e a vitalidade da instituição. De outro modo, podemos estar a enganar-nos a nós mesmos.
Para a promoção do conhecimento mútuo, na Comunidade, seria desejável, por exemplo, a institucionalização do Grande Prémio Cultural da CPLP, financiado pelos nove países integrantes dessa instituição, na porpocionalidade do respectivo Produto Interno Bruto. A atribuição poderia ser bienal  e distinguiria, alternadamente, um artista ou criador do espaço da CPLP anfitrião de uma grande feira cultural dos países membros. A feira deveria coincidir com o encontro dos responsáveis das respectivas pastas da cultura e do turismo e seria organizada pelos Ministérios que respondem por essas áreas, no país anfitrião, sempre com a colaboração do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

2. Desafio Educacional e de Qualidade de Ensino

A educação ilumina a cultura e esta enforma a educação. Isto significa que não há desenvolvimento duradoiro e sustentável sem uma firme aposta numa educação exigente e de qualidade e numa cultura esclarecida, assente nas conquistas do local e do global e, ainda, aberta ao mundo e ao humanismo.
Ora, uma das línguas privilegiadas para a festa do humanismo, para o rendez-vous da diversidade cultural e para a construção de uma identidade comunitária na CPLP é o português.
É também essa mesma língua que, neste momento, constitui o suporte de grande parte da cultura cplpiana e o veículo privilegiado dos programas e dos conteúdos educacionais no espaço da Comunidade.
Admitindo e sufragando o que acabamos de dizer, impõe-se-nos, então, um magistério exigente e visionário da língua portuguesa que aceita e dialoga com a diversidade.
Hoje, constata-se alguma erosão no magistério do português, particularmente nos espaços da Comunidade onde ele não tem o estatuto de língua materna. Alguns pedagogos e vários concidadãos chegam, mesmo, a responsabilizar as respectivas línguas maternas pela erosão na assunção e na aprendizagem do português. Nada de mais errado. É um facto que a erosão existe; é um facto também que a assunção, pela juventude, parece estar a diminuir, em alguns espaçpos da CPLP, mas as causas de tudo isto não são, seguramente, as línguas maternas. O problema fundamental está na metodologia do ensino e na política linguística vigente. Não se pode estar a ensinar o português com metodologia de língua primeira, lá onde ele não tem o estatuto de língua materna. Não se pode estar a fomentar uma política de diglossia lá onde o português convive com línguas maternas, sobretudo as de forte expressão e representatividade identitárias.
O grande desafio, em termos de magistério e de política linguística, consiste em fomentar um verdadeiro bilinguismo onde o português e as línguas maternas são ensinados com estatuto adequado, com exigência e rigor inclusivos, numa perspectiva de complementaridade e nunca de exclusão das línguas maternas ou de sobrevalorização da língua portuguesa.
Já o escritor português Manuel Ferreira dizia:

          “Jamais alguém acolhe a humilhação, a opressão e muito menos a destruição  da sua   própria personalidade colectiva. E nenhuma força, por mais  repressiva ou violenta que seja,     logra impedir que os povos pautem as suas acções pela fidelidade ou busca da sua identidade           étnica e cultural» [3].

Na verdade, o português já faz parte da nossa história, mas as línguas maternas fazem parte da nossa identidade primeira e Ferreira tem razão quando diz que nenhuma força, por mais importante ou agressiva que seja logra impedir a fidelidade dos povos àquilo que eles têm no respectivo DNA, a sua identidade cultural.
Assim, um dos maiores desafios do magistério do português, na CPLP, consiste num ensino de rigor, inclusivo e dialogante, com metodologia adequada, isto é a de língua segunda, lá onde não tem estatuto de língua materna. Com esse magistério, facilmente os educandos tomam a consciência da geografia e da importância das línguas em presença, podendo assim o ensino processar-se, harmoniosamente: por um lado, sem diglossia, sem exclusão, sem concorrência desleal e, por outro lado, com disciplina, com rigor, com empatia e com a pilotagem da geografia e das normas de cada uma das línguas.

3. Desafio Tecnológico, Científico e Competitivo

O barómetro do desenvolvimento, hoje, está, em grande medida, no domínio que temos ou não temos das TIC (tecnologias de informação e de comunicação). Todos nós sabemos a razão por que o inglês se tornou, hoje, particularmente no seio da juventude, uma língua deveras atractiva. É sobretudo porque é a língua que melhor molda e veicula as ferramentas e a linguagem das TIC. É a língua ainda onde o conhecimento técnico e científico parecem estar muito bem representados. Entre as línguas estrangeiras com a maior empatia junto da juventude e com maior representatividade junto dos cientistas e investigadores, parece ser, também, o inglês.
Assim sendo, o desafio da língua portuguesa, nos domínios da ciência e da tecnologia não será, certamente, substituir o inglês. Isto seria, não só, uma política glotofágica anticientífica, como também seria inaceitável, face a empatia e o empoderamento que a língua inglesa conquistou.
O caminho está em promover uma sadia convivência, traduzida numa política de valorização e de instrumentalização da língua portuguesa, tornando-a uma língua não só da arte e da cultura, mas também, expressivamente, da ciência e da tecnologia.
Os professores, os linguistas, os cientistas, os investigadores, os técnicos, os escritores, os artistas e criadores do espaço da CPLP têm que dar uma atenção redobrada à língua portuguesa, como instrumento de comunicação, de trabalho e de criação, nos palcos e nos diversos laboratórios onde actuam.
Se a CPLP têm um mercado de mais de 200 milhões de utilizadores, em nove países, em quatro continentes e nas diversas comunidades diasporizadas, temos que poder demonstrar ao mundo que somos uma força linguística que não se pode ignorar. Porém, o prestígio e o peso cultural, técnico e científico da língua portuguesa nunca será uma dádiva ou uma prenda. É com o nosso reconhecimento, o nosso trabalho, a nossa investigação, a nossa criação, o nosso magistério e a nossa empatia que fazemos da língua portuguesa uma ferramenta útil, nacional e transnacional, com alto grau de empatia e de procura, no nosso chão, mas também no chão da globalização.
É preciso não se esquecer que, segundo Carlos Maciel:

          «... a lusofonia é o quinto espaço planetário em termos demográficos...; a língua portuguesa         é a terceira língua    europeia  mais falada no mundo...; o território lusófono é também o        quinto maior do mundo ...; o português é uma das três línguas  verdadeiramente presentes em            três continentes pelo menos [hoje sabemos que já são quatro continentes]) ... é a língua mais           falada na América do Sul e, ... economicamente, o grupo lusófono ocupa a sétima posição      mundial»[4].

Estudos rcentes confirmam que na internet o português  ocupa o quinto lugar (citar).
Não há dúvida de que tudo isto é uma força social, cultural, e económica muito grande. Há que fazer dessa força um empoderamento, não só na cultura, mas também na ciência e nas tecnologias. Para tal, os investimentos para as áreas culturais, técnicas e científicas dos nossos respectivos países têm que merecer uma maior e melhor atenção dos decisores políticos, das instâncias económicas e das instituições académicas.

4. Desafio Diplomático

A diplomacia consiste na defesa e promoção dos interesses dos países, dos povos e das comunidades que ela representa, na cena internacional. Um desses interesses é o da língua que molda a identidade da comunidade a que pertencemos. A diplomacia, particularmente a dos sectores multilaterais, tem que poder convencer os parceiros da importância do português como língua de trabalho. Se nós fazemos o esforço para aprender e para utilizar a língua dos outros, porquê que esses outros, também, não fazem o mesmo esforço para utilizar e entender a língua presente em quatro continentes, com mais de duzentos milhões de utilizadores?
Já assisti, num colóquio internacional, realizado num dos países da CPLP, um alto responsável internacional, natural do espaço da CPLP, a conduzir os trabalhos em inglês, num painel onde a maioria esmagadora dos participantes era oriunda do espaço da CPLP.
Como levar os outros a acreditarem na força e na importância do português se nós mesmos não acreditamos nessa importância, por uma questão de snobismo, de bazófia ou de complexo?
A diplomacia não é para mobilizar apenas os investimentos ou proteger e defender os interesses e os direitos dos nacionais em terras estrangeiras. Ela deve também poder promover a cultura, a ciência e a tecnologia, num diálogo salutar, na língua da nação que representa e na da nação de acolhimento.
Tratando-se de representação, em instâncias multilaterais, onde o peso da CPLP é evidente, deve-se lutar para que ele seja uma das línguas de trabalho dessas instituições, e deve haver a preocupação de utilizar o português mesmo quando o interveniente tem o conhecimento de outras línguas da globalização. Há que reforçar não só o rigor do seu ensino, mas também a formação de tradutores e de intérpretes. Querendo nós que o português seja, ele também, língua da globalização, temos que pagar o justo preço.
Para concluir este ponto, há um facto que merece a reflexão de todos: porque será que, recentemente, vários países[5], de cultura não lusófona, têm solicitado a sua entrada na CPLP, enquanto no seio do espaço genuino da Comunidade há cada vez mais erosão de interesse para com a CPLP ? Deixo essa interrogação para reflexão.

5. Desafios da Unidade de Ferramentas de Expressão e Comunicação: O Caso do Acordo Ortográfico

Não é salutar, nem prático, ter uma mesma língua com ferramentas diferentes de comunicação e de expressão. A mesma língua veicular e identitária da CPLP não pode ter uma escrita substancialmente diferente. Se é certo que não se pode exigir a uniformização cabal da escrita, devido à especificidade cultural e linguística dos diversos espaços da comunidade, pode-se, no entanto, procurar a sua superior unidade.
A Unidade que se preconiza para o português e para a escrita em português, segundo o Prof. brasileiro Celso Cunha, é a mesma que o escritor Jorge Luís Borges defendia para a língua espanhola, nos seguintes termos:
        «Que existem diferenças e que as consideramos mesmo desejáveis, mas que  sejam elas a um tempo discretas e nítidas. Discretas para não impedirem a    circulação total do idioma, e suficientemente nítidas para que  cada um de  nós nelas ouça a voz da sua pátria[6].

Creio que é essa superior unidade que preconiza o Acordo Ortográfico de 1990. É normal as resistências que ainda persistem, já que toda a mudança gera resistência. Porém, se queremos, efectivamente, empoderar o português, como língua da globalização e da expressão da identidade comunitária no seio da CPLP, temos que lutar para a superior unidade das suas ferramentas de expressão e comunicação. Não temos dúvidas que o que move o actual Acordo Ortográfico é essa superior unidade de ferramentas para a escrita.
Aliás, analisando friamente as mudanças propostas, vemos que elas são pouco expressivas, no dizer do linguista português, Malaca Casteleiro[7]. Segundo ele, as alterações introduzidas na escrita brasileira são de 0,5 e na escrita do português luso-africano é de cerca de 1,5%. Há que ter em conta que num universo 110.000 palavras, apenas 2.000 sofrem alterações, conclui esse linguista.
Se, assim é, temos que concluir que defender o Acordo Ortográfico é defender a superior unidade da língua portuguesa, é defender a coesão de uma identidade comunitária coesa. É defender ainda uma maior internacionalização do português.

Seria um absurdo, por exemplo, exigir aos estrangeiros, às instâncias internacionais ou às universidades estrangeiras a aprendizagem de modelos diferentes de escrita para uma mesma língua. Isto não favorecia, em nada, a valorização e a internacionalização do português que todos desejamos.

6. Desafio de Cidadania e de Mobilidade Social


 Na minha perspectiva, esta é, talvez, o desafio mais complexo da CPLP, se quisermos que ela seja, efectivamente, a expressão de uma comunidade identitária.
Como falar de uma comunidade identitária se ainda não podemos ser cidadãos plenos dessa mesma comunidade? Como falar de comunidade identitária se precisamos de vistos para podermos circular no espaço que dizemos ser comunitário? Como falar de uma comunidade identitária se cidadãos de espaços geográficos diferentes na CPLP não podem usufruir das mesmas regalias sociais dos cidadãos nativos em cada um dos países da Comunidade?
Há que ser coerente e consequente: não podendo haver, por alguma razão, cidadania efectiva, então, há que repensar a identidade da comunidade. Não é salutar ter uma instituição que preconiza construir uma identidade comunitária apenas com declarações de intenção. Ou somos cidadãos da e na CPLP, com todas as consequências que daí advêm, ou, então devemos deixar cair o espírito de identidade comunitária na CPLP. Não é salutar continuarmos a enganar-nos a nós próprios e ao mundo.
Quem é académico, como eu, sem compromissos diplomáticos, políticos ou de estratégia política, tem a liberdade de ver e dizer as coisas como elas são. Os que criaram a CPLP têm que criar, também, as condições para a Comunidade funcionar ou então há que rever a identidade da Comunidade e o espírito que presidiu à sua criação.
A todos, muito obrigado.

                                                                  Sorbonne, 5 de Maio de 2015
                                                                            



[1] Paul TEYSSIER, Actas do Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo, Lisboa, 1985,     p.46. O Congresso realizou-se na Universidade de Lisboa de 28 a 3 de Julho de 1983

[2] Idem 1  - Ibidem, 49


[3] Manuel FERREIRA , «Contextualização da Língua Portuguesa» in O Discurso no Percurso Africano, Plátano Editora, Lisboa   1989, p.311.

[4] Carlos MACIEL, « Português, Língua Estrangeira,  Considerações sobre a Construção da Nossa Imagem por Nós e pelos Outros», in Homenagem a Eduardo Lourenço - Colectânea de Estudos, ICALLP,1992, p.62.

[5] Senegal, África do Sul, Japão, Guiné Equatorial ...
[6] Celso CUNHA  - Ibidem, p.72
[7] Cf. CASTELEIRO João Malaca, CORREIA Pedro Dinis, 2007, 2008, Atual O Novo Acordo Ortográfico – O que vai mudar na grafia do português,  Lisboa, Texto Editora

quinta-feira, 5 de julho de 2018

A HORA GRANDE


O 5 de Julho de 1975 foi o GRANDE DIA para o Povo de Cabo Verde. Nesse dia, a Nação Cabo Verdiana, de jure, começou a existir. Em todos os cantos das ilhas ecoou o HINO da LIBERDADE e da DIGNIDADE, um legado-memória de Cabral:
“Sol, suor e o verde e o mar.// Séculos de dor e esperança;/ Esta é a terra dos nossos avós!// Fruto das nossas mãos,/ Da flor do nosso sangue;/ Esta é a nossa Pátria amada.// Viva a pátria gloriosa// Floriu nos céus a bandeira da luta.// Avante contra o jugo estrangeiro!// Nós vamos construir/ Na pátria imortal/ A paz e o progresso”.
E o artista Paulo de Carvalho nos lembra que “Os meninos à volta da fogueira/Vão aprender coisas de sonho e de verdade/Vão aprender como se ganha uma bandeira/Vão saber o que custou a liberdade”.
Hoje, é o poeta A. Spencer Lopes quem nos exorta: “Canta, irmão/Canta, meu irmão/ Que a liberdade é hino/ E o homem a certeza”.
Sim, a certeza que a dignidade e a liberdade conquistadas, a preço de sangue, são irreversíveis; a certeza de que o modernismo, a mudança e a inovação são bem-vindos, mas sem comprometerem nenhumas das conquistas já alcançadas; a certeza de o “querer partir e ter que ficar ou o querer ficar e ter que partir” já não são uma fatalidade, porque hoje “conhecemos a razão das coisas” e sabemos que temos “outra terra dentro da nossa terra”; a certeza, ainda, de que tanto a nossa dignidade, como a nossa terra não serão vendidas ou hipotecadas; a certeza de que o desenvolvimento não vai excluir ninguém e a segurança passará a ser um bem de primeira grandeza.
O 5 de Julho custou muito caro e “há que aprender como se ganha uma bandeira e o que custou a liberdade”.