sábado, 23 de julho de 2016

Autonomização da LCV, Frase 19


LCV
Krê  própi,   dja  es  fase-m     el  kórda

MLP
Crer próprio  já eles fazer-me ele corda
CSP
Talvez            já  mo fizeram         feitiço

A RSL é visível. Apenas pelo MLP não chegamos ao sentido da frase.

Em LCV, o «krê» parece ter uma dupla origem. Umas vezes em «querer» e outras vezes em «crer». Em F19, parece ter provindo de «crer». Quando alguém diz» «creio que amanhã vá chover», a frase encerra dúvida, incerteza. Daí o «krê própi» com o sentido de “talvez”. O «própi» do sintagma «krê própi» representa tão-somente uma topicalização, um elemento para reforçar a dúvida.

Porém, há também o «krê» com origem no querer, por exemplo «N krê bai (quero ir).


Quanto ao «fazer corda», com o sentido atual de «fazer feitiço», poderá, eventualmente, ser uma prática no português arcaico que hoje já não existe. Note-se que a “corda” amarra, e quando se é amarrado, perde-se a mobilidade, fica-se dependente. Ora, quem tem feitiço está dependente de um mal provocado, normalmente por uma bruxa. É como se estivesse amarrado por esse mal.

NB: LCV - Língua Caboverdiana; MLP: Material Linguístico em Português; CSP: Correspondência Semântica em Português.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A Minha Homenagem ao Vate de "Os Loucos Poemas de Amor"



Conheci Osvaldo Osório nos finais de 1979. Eu tinha sido nomeado Técnico Superior da Direção-Geral da Cultura, em Outubro de 1978. Note-se que a Direção-Geral da Cultura tinha sido criada, se não me falha a memória, em Agosto de 1978.
Tinha acabado a minha licenciatura nesse ano e, ao apresentar-me ao Ministério da Educação, Cultura, Desportos e Juventude, fui naquele mesmo instante recrutado para prestar trabalho na recente criada Direção-Geral da Cultura.
Logo depois, creio que no decorrer de 1979, Osvaldo Osório, e mais tarde Ovídio Martins, terão sido recrutados também.
Foi numa altura de fracos meios financeiros e de grande escassez de recursos humanos e materiais. Basta dizer que o orçamento para as atividades culturais, inscrito no Orçamento do Estado, se elevava apenas a 300 mil escudos.
As dificuldades por que passava a Direção-Geral da Cultura desafiavam a nossa imaginação criativa na solução dessas mesmas dificuldades. Foi no travar dessas lutas que me cruzei com Osvaldo Osório, ele responsável do Departamento das Tradições Orais e eu do Departamento de Linguística.
Na altura, o conhecimento que tinha das nossas tradições era ainda limitado e circunscrito ao meu torrão-natal, Santa Catarina de Santiago.
Com Osvaldo Osório, já na altura uma personalidade de referência, tanto no campo da cultura caboverdiana, como da poesia islenha, aprendi a ter mais empatia e mais luz sobre a cultura do meu povo, sobre a literatura caboverdiana que não tive a sorte de estudar nos bancos da escola.
A forte ligação que hoje tenho com a língua, com a cultura e com a literatura caboverdianas é fruto do “djunta-mô”, da sementeira e das “azáguas” que que tive o privilégio de implementar ao lado do irmão mais velho e mais conhecedor da mundivivência do nosso povo.
Obrigado Osvaldo. Em muitas coisas foste para mim um mestre nesses difíceis anos do pós-Independância. Hoje, reconheço que o caminho que fiz, tanto na faina cultural, como no labor literário, tem também a tua positiva cumplicidade.
É por tudo isto, mas também e, sobretudo, pelo contributo de elevado nível que deste às letras caboverdianas que penso que o tributo que hoje a Academia Caboverdiana de Letras te presta é deveras merecido. De longe, quero associar-me a essa homenagem.
Gostaria também que a mesma fosse extensiva à tua cara-metade, D. Armandina. Sabe-se que a cegueira te surpreendeu quando ainda estavas numa fase muito produtiva da tua vida. Essa produção poderá ter ficado, de algum modo, afetada. Entretanto, ela continuou fecunda porque, no teu próprio dizer, a D. Armandina se transformou nos teus próprios olhos. E não é só isso: é o carinho, o desvelo, a atenção da mulher amada e esposa dedicada que a transformaram, também, numa assistente eficiente e prestimosa.
Numa recente jornada poética, promovida pela Cátedra Amílcar Cabral, em que o Osvaldo era convidado de honra, o mesmo terá declarado que vive apaziguado, num ambiente de liberdade, sem remorso, e sem condenar ou choramingar a sorte que a vida lhe reservou, após a cegueira.
Na altura disse que só um espírito superior, só quem tenha atingido um certo grau de nirvana, só uma vivência de profunda espiritualidade, podia ter uma postura tão elevada. O próprio Osório teria afirmado, na ocasião, que hoje se sente “um homem de fé, e não apenas com fé”.
É isto mesmo, grande Osvaldo! A tua cegueira não te diminuiu cultural e espiritualmente. És um homem novo, mais maduro, mais experiente e, sobretudo, mais LIVRE. Atingiste o degrau cimeiro da sabedoria.
Para ti, o meu profundo respeito, o meu melhor tributo.
                                                                                           Julho de 2016

                                                                                           Manuel Veiga

A Minha Homenagem ao Vate de "Os Loucos Poemas de Amor"



Conheci Osvaldo Osório nos finais de 1979. Eu tinha sido nomeado Técnico Superior da Direção-Geral da Cultura, em Outubro de 1978. Note-se que a Direção-Geral da Cultura tinha sido criada, se não me falha a memória, em Agosto de 1978.
Tinha acabado a minha licenciatura nesse ano e, ao apresentar-me ao Ministério da Educação, Cultura, Desportos e Juventude, fui naquele mesmo instante recrutado para prestar trabalho na recente criada Direção-Geral da Cultura.
Logo depois, creio que no decorrer de 1979, Osvaldo Osório, e mais tarde Ovídio Martins, terão sido recrutados também.
Foi numa altura de fracos meios financeiros e de grande escassez de recursos humanos e materiais. Basta dizer que o orçamento para as atividades culturais, inscrito no Orçamento do Estado, se elevava apenas a 300 mil escudos.
As dificuldades por que passava a Direção-Geral da Cultura desafiavam a nossa imaginação criativa na solução dessas mesmas dificuldades. Foi no travar dessas lutas que me cruzei com Osvaldo Osório, ele responsável do Departamento das Tradições Orais e eu do Departamento de Linguística.
Na altura, o conhecimento que tinha das nossas tradições era ainda limitado e circunscrito ao meu torrão-natal, Santa Catarina de Santiago.
Com Osvaldo Osório, já na altura uma personalidade de referência, tanto no campo da cultura caboverdiana, como da poesia islenha, aprendi a ter mais empatia e mais luz sobre a cultura do meu povo, sobre a literatura caboverdiana que não tive a sorte de estudar nos bancos da escola.
A forte ligação que hoje tenho com a língua, com a cultura e com a literatura caboverdianas é fruto do “djunta-mô”, da sementeira e das “azáguas” que que tive o privilégio de implementar ao lado do irmão mais velho e mais conhecedor da mundivivência do nosso povo.
Obrigado Osvaldo. Em muitas coisas foste para mim um mestre nesses difíceis anos do pós-Independância. Hoje, reconheço que o caminho que fiz, tanto na faina cultural, como no labor literário, tem também a tua positiva cumplicidade.
É por tudo isto, mas também e, sobretudo, pelo contributo de elevado nível que deste às letras caboverdianas que penso que o tributo que hoje a Academia Caboverdiana de Letras te presta é deveras merecido. De longe, quero associar-me a essa homenagem.
Gostaria também que a mesma fosse extensiva à tua cara-metade, D. Armandina. Sabe-se que a cegueira te surpreendeu quando ainda estavas numa fase muito produtiva da tua vida. Essa produção poderá ter ficado, de algum modo, afetada. Entretanto, ela continuou fecunda porque, no teu próprio dizer, a D. Armandina se transformou nos teus próprios olhos. E não é só isso: é o carinho, o desvelo, a atenção da mulher amada e esposa dedicada que a transformaram, também, numa assistente eficiente e prestimosa.
Numa recente jornada poética, promovida pela Cátedra Amílcar Cabral, em que o Osvaldo era convidado de honra, o mesmo terá declarado que vive apaziguado, num ambiente de liberdade, sem remorso, e sem condenar ou choramingar a sorte que a vida lhe reservou, após a cegueira.
Na altura disse que só um espírito superior, só quem tenha atingido um certo grau de nirvana, só uma vivência de profunda espiritualidade, podia ter uma postura tão elevada. O próprio Osório teria afirmado, na ocasião, que hoje se sente “um homem de fé, e não apenas com fé”.
É isto mesmo, grande Osvaldo! A tua cegueira não te diminuiu cultural e espiritualmente. És um homem novo, mais maduro, mais experiente e, sobretudo, mais LIVRE. Atingiste o degrau cimeiro da sabedoria.
Para ti, o meu profundo respeito, o meu melhor tributo.
                                                                                           Julho de 2016

                                                                                           Manuel Veiga