Conheci
Osvaldo Osório nos finais de 1979. Eu tinha sido nomeado Técnico Superior da Direção-Geral
da Cultura, em Outubro de 1978. Note-se que a Direção-Geral da Cultura tinha
sido criada, se não me falha a memória, em Agosto de 1978.
Tinha
acabado a minha licenciatura nesse ano e, ao apresentar-me ao Ministério da
Educação, Cultura, Desportos e Juventude, fui naquele mesmo instante recrutado
para prestar trabalho na recente criada Direção-Geral da Cultura.
Logo
depois, creio que no decorrer de 1979, Osvaldo Osório, e mais tarde Ovídio
Martins, terão sido recrutados também.
Foi
numa altura de fracos meios financeiros e de grande escassez de recursos
humanos e materiais. Basta dizer que o orçamento para as atividades culturais,
inscrito no Orçamento do Estado, se elevava apenas a 300 mil escudos.
As
dificuldades por que passava a Direção-Geral da Cultura desafiavam a nossa imaginação
criativa na solução dessas mesmas dificuldades. Foi no travar dessas lutas que
me cruzei com Osvaldo Osório, ele responsável do Departamento das Tradições
Orais e eu do Departamento de Linguística.
Na
altura, o conhecimento que tinha das nossas tradições era ainda limitado e
circunscrito ao meu torrão-natal, Santa Catarina de Santiago.
Com
Osvaldo Osório, já na altura uma personalidade de referência, tanto no campo da
cultura caboverdiana, como da poesia islenha, aprendi a ter mais empatia e mais
luz sobre a cultura do meu povo, sobre a literatura caboverdiana que não tive a
sorte de estudar nos bancos da escola.
A forte
ligação que hoje tenho com a língua, com a cultura e com a literatura
caboverdianas é fruto do “djunta-mô”, da sementeira e das “azáguas”
que que tive o privilégio de implementar ao lado do irmão mais velho e mais
conhecedor da mundivivência do nosso povo.
Obrigado
Osvaldo. Em muitas coisas foste para mim um mestre nesses difíceis anos do
pós-Independância. Hoje, reconheço que o caminho que fiz, tanto na faina
cultural, como no labor literário, tem também a tua positiva cumplicidade.
É por
tudo isto, mas também e, sobretudo, pelo contributo de elevado nível que deste
às letras caboverdianas que penso que o tributo que hoje a Academia
Caboverdiana de Letras te presta é deveras merecido. De longe, quero
associar-me a essa homenagem.
Gostaria
também que a mesma fosse extensiva à tua cara-metade, D. Armandina. Sabe-se que
a cegueira te surpreendeu quando ainda estavas numa fase muito produtiva da tua
vida. Essa produção poderá ter ficado, de algum modo, afetada. Entretanto, ela
continuou fecunda porque, no teu próprio dizer, a D. Armandina se transformou
nos teus próprios olhos. E não é só isso: é o carinho, o desvelo, a atenção da
mulher amada e esposa dedicada que a transformaram, também, numa assistente
eficiente e prestimosa.
Numa
recente jornada poética, promovida pela Cátedra Amílcar Cabral, em que o
Osvaldo era convidado de honra, o mesmo
terá declarado que vive apaziguado, num ambiente de liberdade, sem remorso, e
sem condenar ou choramingar a sorte que a vida lhe reservou, após a cegueira.
Na
altura disse que só um espírito superior, só quem tenha atingido um certo grau
de nirvana, só uma vivência de profunda espiritualidade, podia ter uma postura
tão elevada. O próprio Osório teria afirmado, na ocasião, que hoje se sente “um homem de fé, e não apenas com fé”.
É isto
mesmo, grande Osvaldo! A tua cegueira
não te diminuiu cultural e espiritualmente. És um homem novo, mais maduro, mais
experiente e, sobretudo, mais LIVRE. Atingiste o degrau cimeiro da sabedoria.
Para
ti, o meu profundo respeito, o meu melhor tributo.
Julho de
2016
Manuel Veiga
Sem comentários:
Enviar um comentário