segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Dia Nasional di Língua Matérnu




Dia 21 di Fevereu ta selebradu Dia Internasional di Línguas Matérnu. Nu meste un Dia Nasional pa selebra nos Língua Matérnu. Ten alguns alternativa: 

  • Podeba ser un dia sima oxi, 24 di Setenbru, dia ki Purmeru Ministru di Kabuverdi, Dr. JMN, na 66º Asenbleia-Jeral di Nasons Unidu, realizadu na dia 24.09.2011, fase si diskursu na Língua Kabuverdianu, dianti un plateia formadu pa líderis di kumunidadi internasional. Oxi, algen pode ka da valor pa es akontisimentu. Manhan, jerason ki ta ben diskubri inportánsia di língua matérnu y tirsidjadura pa undi el pasa, ta ben rakonhise es momentu stóriku, pa Kabuverdi;
  • Podeba ser dia ki aprovadu artigu 9º di Konstituison di 1999, undi, na pontu 3, fika konsagradu ma Stadu debe promove kondisons pa ofisializason di Língua Matérnu  Kabuverdianu, onbru-onbru ku Língua Purtugês;
  • Podeba ser  31 di Dizénbru, dia ki na 1998 publikadu decrétu 67/98 ki aprova,  ku karáter sprimental, Alfabétu Unifikadu pa Skrita di Língua kabuverdianu;
  •  Podeba ser 14 di Novénbru, data di publikason, na 2005, di Rezoluson 48/2005, ki aprova« Linhas  Stratéjiku pa Afirmason y Valorizason di Língua Kabuverdianu, undi fika stabilisidu ma «As instituições de ensinosuperior públicas e as escolas de formação de professores devem inccluir a disciplina de língua caboverdiana, de forma autónoma e ensinada como matéria». Ô, nton, klaúzula ki ta fla: «Na Administração, na comunicação social, na literatura, nas artes, bem como nos actos públicos e/ou oficiais, a utilização [da Língua Caboverdiana] é livre».
  •   Podeba ser 16 di Marsu, dia ki institusionalizadu Alfabétu Kabuverdianu, através di Dekrétu-Lei nº8/2009.
N ta spera ma raprizentantis di povu, na algun momentu, ta diskubri inportánsia di nu ten un dia nasional pa nos Língua Matérnu y ta konsagra un data pa si selebrason.

Kel-li foi un manera ki N atxa pa rakorda purmeru aniversáriu di untilizason di Língua Kabuverdianu, pa purmeru bês, na ONU.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Até Sempre, Amiga Elsa Rodrigues dos Santos!



Esta manhã, recebi uma notícia inesperada que me deixou triste. Refiro-me ao passamento da amiga e confrade, a estudiosa da obra de Jorge Barbosa, Dra. Elsa Rodrigues. Nesta hora amarga para os familiares e amigos, inclino-me diante da memória daquela que me ajudou a descobrir a grandeza e a beleza da poesia de Jorge Barbosa, através, sobr...
etudo, da sua tese de mestrado, As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa, publicada pelas Edições Caminho, em 1989.

Sempre quis provar que a crítica de David Mourão Ferreira, relativamente à poesia de Jorge Barbosa, era injusta e revelava um grande desconhecimento das técnicas e da linguagem-tropo e alegórica utilizada pelo autor de Caderno de um Ilhéu.

Jorge Barbosa viveu na época colonial e as críticas que fazia ao Regime salazarista e caetanista eram subterrâneas, utilizando a técnica alegórica de dizer sem ter dito, o que, muitas vezes, faz com que a estrutura de superfície da poética utilizada seja simples, enquanto a estrutura profunda seja complexa e de difícil descodificação.

Mourão Ferreira, provavelmente por desconhecer esta técnica, no Diário Popular de 7/10/1956, falando de Caderno de um Ilhéu, disse: «Jorge Barbosa é um nome que imediatamente ocorre quando se fala de poesia cabo-verdiana. E, no entanto, que decepção este Caderno de um Ilhéu (...)».

Em 1986, com as ferramentas académicas que o curso de linguística me proporcionou e influenciado pelas análises que Elsa Rodrigues dos Santos fez no livro As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa, aceitei o convite de participar no colóquio organizado em Cabo Verde, em homenagem ao cinquentenário da Revista Claridade, com um ensaio sobre « Signo e Símbolos em Jorge Barbosa – Tentativa de um a Análise Semiológica».

O meu objectivo era demonstrar que a crítica de David Mourão Ferreira era injusta, uma crítica que, segundo um conhecido intelectual caboverdiano, teria provocado uma profunda tristeza ao autor de Ambiente, tendo levado esta tristeza consigo à sepultura.

No colóquio de 1986, um renomado intelectual português pediu-me para não publicar a minha comunicação porque ela poderia beliscar a imagem de David Mourão Ferreira. Disse-lhe que a crítica de Mourão Ferreira não só beliscou como destruiu, em certa medida, a imagem de Jorge Barbosa. E que, por isso, o ensaio seria publicado. A publicação foi concretizada no meu livro A Sementeira, 1994, Edições ALAC. Tinha sido já publicado como introdução ao livro Poesia I, de Jorge Barbosa, editado em 1889, pelo Instituto Caboverdiano do Livro.

Elsa Rodrigues dos Santos, com a sua análise em As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa (tese de mestrado), ajudou-me a compreender melhor a poética do autor de Arquipélago.
Por isso, o meu reconhecimento para com ela é da grandeza do seu trabalho e do seu amor a Cabo Verde.

A morte é uma separação e esta é sempre triste. Mas quando o passamento é de alguém que cumpriu a sua missão, como a Elsa, a luz da sua obra resplandece no firmamento das nossas vidas, amenizando a tristeza da separação.

Obrigado, Elsa, em meu nome, em nome de todos os amantes da poesia de Jorge Barbosa, em nome de Cabo Verde.

sábado, 15 de setembro de 2012

Acesso ao Ensino Superior em Cabo Verde



Hoje, estive num colóquio sobre o ensino superior em Cabo Verde. Alguém falou do desequilíbrio existente nesse acesso, considerando que os que estudam em Cabo Verde são sobretudo os filhos das classe mais desfavorecidas e que há muito mais filhos dos chamados «copo de leite» que estudam em Universidades estrangeiras. Já, recentemente, no Parlamento, um dep...
utado falou desta situação, em termos dramáticos.

Fiquei a pensar cor com os meus botões: esta situação é mesmo dramática? Ela será um caso típico de Cabo Verde? A minha resposta é que ela não é nem dramática e nem é um caso típico de Cabo Verde. Estou certo que, em Portugal ou em França, sempre houve e haverá mais filhos de ricos que estudam no estrangeiro do que filhos de pobres. Estou certo também de que uma boa política de ensino superior, em Cabo Verde, não é aquela que equilibra o acesso do ensino superior no estrangeiro, entre ricos e pobres, mas aquela que aposta na qualidade e na diversidade do ensino superior em Cabo Verde.

Nós conhecemos as causas da procura do ensino superior no estrangeiro: 1) porque achamos que no exterior a qualidade é melhor; 2) porque para os caboverdianos, o que vem de fora tem sempre mais valor; 3) porque há cursos no exterior que ainda não existem, ainda, em Cabo Verde.

Face a esta situação, a melhor solução não é dar a toda a gente a possibilidade de estudar no exterior, mas criar as condições para que toda a gente, querendo, possa fazer o ensino superior em Cabo Verde.

Para isto, há que apostar na qualidade do ensino; há que criar uma boa imagem do ensino superior em Cabo Verde; há que apostar na classe dos professores-investigadores; há que criar as condições para que os professores-investigadores possam dedicar-se à investigação, porque não têm problemas de subsistência, porque não têm constrangimentos nem de tempo, nem de recursos financeiros, nem de material bibliográfico ou laboratorial, nem de possibilidade de divulgação em livros ou revistas.

O acesso ao ensino superior em Cabo Verde exige uma maior inclusão social dos pais, é certo, mas também dos professores e investigadores. Ele exige, ainda, uma aposta contínua na qualidade do ensino, no melhoramento da imagem desse mesmo ensino e na diversidade de oferta.

Nunca devemos nos esquecer que o ensino superior em Cabo Verde é recente, nem sequer atingiu a idade da adolescência. Então, há que reconhecer o caminho que já foi feito da Independência a esta parte. Há que ter a ambição de ir mais além, sobretudo numa perspectiva endógena.

Conhecendo nós as causas do «staqus quo», não há razão para nenhum alarmismo. Sejamos tão-somente pró-activos, inconformados sim, mas lúcidos e coerentes. Esse nós é o sistema, é a cidadania, são os professores, são os investigadores, são os estudantes.

Finalmente, gostaria de dizer que conheço caboverdianos que se privam do essencial, para poder custear a formação dos filhos no exterior; como conheço também caboverdianos que podem custear a formação dos filhos no exterior e que optaram por fazer essa formação em Cabo Verde.

Isto quer dizer que uma aposta na qualidade, na imagem e na diversidade do ensino em Cabo Verde pode aumentar a procura. Assim penso, mas respeito a opinião contrária.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Kabral ka Móre



AMÍLCAR CABRAL E A INTERCULTURALIDADE[1]



          O assunto que me foi proposto integra-se num tema mais vasto que é «Actualidade do Pensamento Humanístico em Amílcar Cabral».
            Dentro deste tema, coube-me o ponto sobre «Amílcar Cabral e a Interculturalidade». Na sua abordagem, pretendo debruçar-me sobre quatro aspectos. Num primeiro momento, procurarei fazer uma leitura do conceito «interculturalidade». Seguidamente tentarei descobrir a ponte que possa existir entre a interculturalidade e a globalização. Num terceiro momento, centrarei o meu trabalho na procura e na análise da interculturalidade em Amílcar Cabral. Finalmente, apontarei alguns caminhos para a promoção da interculturalidade em Cabo Verde.

 Leitura do Conceito de Interculturalidade


            A interculturalidade é a relação de parceria que existe entre várias culturas ou, ainda, entre a identidade de uma cultura e a alteridade do humanismo. Usando uma fórmula matemática, diria que na identidade eu+eu=eu, ou seja, o universo de uma existência antropológica. Na interculturalidade, eu+tu+ele=nós, ou seja, o mundo aberto e partilhado de culturas e de civilizações.

            Isto significa que na identidade os elementos-chave são o ego e o seu universo, enquanto na interculturalidade os elementos-chave são a relação, a parceria, a inter-relação e a integração de vários elementos identitários, os quais conduzem não apenas a uma vivência  restrita de uma cultura, mas a uma convivência alargada, com a força e a sinergia de uma civilização.
            Com efeito, hoje , o mundo dos humanos deixou de ser apenas a aldeia e a tabanca, com os seus saberes e segredos, para se transformar num universo aberto onde tudo pode ser partilhado, através de múltiplas redes, particularmente a wide world Web, de acordo com a potência da unidade central e o modem de cada sujeito, de cada grupo humano.
            Neste novo mundo, a identidade cultural tende a transformar-se em identidade civilizacional. O Estado-Nação, que foi e continua a ser importante, tende a ter uma outra dimensão, a do Estado-Humanização. E a «aldeia» não desaparece porque se assim acontecesse o universo deixaria de o ser. Porém, é preciso que na «aldeia» o pensamento seja global, a acção seja local e as conquistas da humanidade sejam de livre acesso para todos, sem exclusão, sem obstrução.
            Se isto já acontece em Cabo Verde, é porque já estamos a praticar a interculturalidade. E se na teoria de Amílcar Cabral encontrarmos a luta pelos direitos do eu e do nós, a defesa da «aldeia»  e do universo, o respeito e a aceitação crítica das «conquistas da humanidade», é porque o seu pensamento humanístico continua actual, é porque os ideais da interculturalidade, que hoje é uma bandeira, com as cores da globalização, não passaram despercebidas ao fundador da nacionalidade caboverdioana, uma nacionalidade com um sentir local e uma cidadania que caminha para o universal.
            O projecto de sociedade defendido por A. Cabral, onde o local e o universal se complementam, leva-me, antes de interpelar a interculturalidade da sua visão, a estabelecer  a ponte entre a globalização e a humanização, ou seja, entre o global  e o intercultural.

Interculturalidade e Globalização

            Pela descodificação feita da interculturalidade, na primeira parte deste trabalho, se poderá concluir que há uma grande aproximação com o conceito de globalização. E isto se considerarmos que a globalização é um mercado mundial de trocas, de negócios, de intercâmbio, de competitividade, de inter-relações, a diversos níveis, com a única condição de respeitar os direitos do homem e o livre exercício da cidadania.
            Ora, se a interculturalidade se encaixa facilmente na teoria de Amílcar Cabral, o conceito de globalização, mais pelo processo do seu surgimento do que pelo seu conteúdo, poderá parecer um corpo estranho à teoria de Amílcar Cabral. Digo bem o processo histórico e não o conteúdo intrínseco.
            Com efeito, quando se começou a falar de globalização, como modo de vida e, sobretudo, como mercado mundial de trocas de produtos e de serviços,  através, particularmente, da net, Cabral já não era deste planeta.
            Na verdade, toda a roupagem da globalização, ou seja, a sua imagem mediática, surgiu no pós-guerra fria, particularmente com a simbólica queda do muro de Berlim, em 1989, e de vários outros muros ideológicos e/ou militares coevos. A bipolarização do mundo em dois blocos tinha acabado com o desaparecimento do bloco soviético. A política de alinhamento ou de não-alinhamento ideológico e militar já não fazia sentido. O capitalismo, o liberalismo e a economia de mercado, apanágios do bloco ocidental, triunfaram de forma unilateral, face ao socialismo com a sua economia planificada e muito estatizada.
            Com o fim da Guerra fria, com a queda dos muros e dos blocos (físicos, ideológicos e virtuais), o mundo tornou-se mais aberto, a wide world Web tornou-se uma realidade, a interculturalidade, no quadro da net passou a depender da velocidade do modem de cada internauta, isto é da capacidade  de diálogo e de intercâmbio, da força ou da fraqueza competitiva, da riqueza ou da pobreza dos mercados internos, do dinamismo ou do marasmo das diversas economias, a nível local, regional e mundial.
            Se na configuração mediática, nas novas tecnologias de informação e de comunicação (TIC) e na abrangência do mercado mundial a globalização é um fenómeno pós-guerra fria, o mesmo não se pode dizer em relação ao seu significado intrínseco e à sua prática real e factual.
            Na prática, a globalização continua sendo um mercado de troca e de livre acesso para as grandes economias, particularmente os EUA, o Japão,  a Comunidade Europeia, entre outros.
            Nos pequenos mercados, ou naqueles de economia pouco competitiva, particularmente no chamado Terceiro Mundo, há mais consumo do que troca de serviços e de produtos. E se a globalização é troca, é intercâmbio, é interacção, é complementaridade, então há uma parte importante do mundo, particularmente o dos excluídos, onde a globalização se não é uma miragem, é ainda um sonho muito distante, sonho este que muitas vezes nem sequer chega a existir.
            Tudo isto para dizer que a globalização perfeita significa também interculturalidade perfeita. Infelizmente, essa perfeição não existiu nem no tempo de Cabral, nem no momento actual.
            Na época de Amílcar Cabral havia os muros de separação, havia os dois blocos para alinhamento, havia o racismo, a hegemonia e a dominação colonial. Neste cenário, a interculturalidade tinha barreiras, tinha obstáculo e Cabral lutou para pôr fim a esses obstáculos e para possibilitar uma maior interculturalidade.
            Actualmente, a globalização é um mercado aberto e de livre troca apenas para as grandes economias e para os países ricos, os chamados G8, tanto do ponto de vista humano como material. Também hoje, apesar da globalização, a interculturalidade tem limites. E esses limites são a hegemonia, económica e cultural; são o racismo e a exclusão social, particularmente dos emigrantes, dos refugiados, das crianças de rua, dos drogados, dos doentes da sida, dos repatriados, dos presos, dos «sem papel», dos desempregados, dos analfabetos, dos pobres , sobretudo os que vivem na miséria.
            Também na actualidade, a interculturalidade precisa de mais oxigénio, de mais vitamina, de mais amor, de mais solidariedade, de mais justiça, de mais tolerância, de mais direito e de mais cidadania.
            Em termos de visão, a interculturalidade  do tempo de Cabral tem quase tudo o que a globalização tem de positivo, faltando-lhe a queda dos muros e a estrada da Web. A globalização, por sua vez, vive sem os muros  da guerra fria, tem a auto-estrada da Web, mas só para alguns poucos, já que continua a praticar a hegemonia económica e convive com a pobreza, com a miséria, com a negação de direitos fundamentais, com a ameaça da guerra nuclear, com a intolerância e a exclusão social, com o terrorismo, o fundamentalismo e a insegurança.
            Apesar de tudo, o que há de comum na visão de Cabral e na perspectiva do mercado global é a presença de uma interculturalidade em crescimento. Ora, é a tentativa em revisitar a interculturalidade em Amílcar Cabral que constituirá o ponto seguinte da minha exposição.

Inrterculturalidade em Amílcar Cabral

            Em Arma da Teoria (1978:223), diz Cabral que « ... em cada momento da vida de uma sociedade (aberta ou fechada), a cultura é a resultante mais ou menos consciencializada das actividades económicas e políticas, a expressão mais ou menos dinâmica do tipo de relações que prevalecem no seio dessa sociedade, por um lado, entre o homem (considerado individual ou colectivamente) e a natureza, e, por outro, entre os indivíduos, os grupos de indivíduos, as camadas sociais ou as classes».
            Nesta asserção  de Cabral, está latente a força da globalização que é a relação, o mercado de trocas entre o homem e a natureza, mas também entre os homens e entre os grupos sociais.
            Mais à frente (Idem:225), o pai da nossa nacionalidade continua: «Um povo que se liberta do domínio estrangeiro não será culturalmente livre a não ser que, sem complexos e sem subestimar a importância dos contributos positivos da cultura do opressor e de outras culturas, retome os caminhos ascendentes da sua própria cultura ...».
            Aqui encontramos, para além da inter-relação atrás referida, dois outros elementos muito caros à globalização que é a identidade e a alteridade, ou seja, o local da «aldeia» e o global  do planeta, numa interdependência vital de sobrevivência.
            Continuando a compulsar a interculturalidade de Cabral, encontramos na obra em referência (p.229) uma outra afirmação que diz: «se o valor universal da cultura africana é, presentemente, um facto incontestável, não devemos no entanto esquecer que o homem africano, cujas mãos ... ‘colocaram pedras nos alicerces do mundo’, a desenvolveu em condições, senão sempre, pelo menos frequentemente, hostis...».
            Aqui também emergem dois elementos que encontramos sempre presentes na estrada da globalização que é o valor universal de uma cultura e a interdependência entre as culturas, traduzida na frase poética, segundo a qual, as mãos do homem africano também «colocaram pedras nos alicerces do mundo». E mais abaixo (p.232), remata Cabral dizendo que as massas trabalhadoras devem quebrar «as grilhetas do universo da aldeia para se integrarem no país e no mundo». É  ainda o mesmo que, em declarações à Marcela Glisenti e Alioune Diop, disse em 1969: «Os nossos jovens devem ser cidadãos do mundo, devem conhecer a história da África e dos outros continentes. Não  queremos encerrar-nos num esquema individual, numa cultura específica, num mito tradicional; queremos viver como os outros, medir-nos com todo o mundo, com brancos, negros e amarelos» (Continuar Cabral, 1984: 266).
            Também na definição da cultura, Cabral parece assumir claramente a visão da interculturalidade, quando diz (p.244) que « a cultura é a síntese dinâmica, ao nível da consciência do indivíduo ou da colectividade, da realidade histórica, material e espiritual, de uma sociedade ou de um grupo humano, das relações existentes entre o homem e a natureza, como entre os homens e as categorias sociais».
            Encarando a cultura como síntese do local e do universal, Cabral não deixa margem para dúvidas sobre a visão que ele tinha da interculturalidade. Eis como ele resumia  os objectivos de uma resistência cultural (p.232):

·       «desenvolvimento de uma cultura popular e de todos os valores culturais positivos autóctones;
·       desenvolvimento de uma cultura nacional científica e tecnológica, compatível com as exigências do progresso;
·       desenvolvimento, com base numa assimilação crítica das conquistas da humanidade nos domínios da arte, da ciência, da literatura, etc., de uma cultura universal tendente a uma progressiva integração no mundo actual e nas perspectivas da evolução;
·       elevação constante e generalizada dos sentimentos de humanismo, solidariedade, respeito e dedicação desinteressada à pessoa humana».

Fazendo referência à actualidade da visão humanística de Amílcar Cabral, o jovem investigador Gabriel Fernandes, em A Diluição da África (2002:153), e referindo-se à diferença entre os intelectuais da negritude e Amílcar Cabral, diz: «enquanto aqueles operam sob a lógica de regresso à origem, propugnando a valorização das formas e hábitos tradicionais e de carácter natural da vida comunitária africana, este opera sob o signo da modernização, procurando preservar o que há de ‘positivo’ na cultura tradicional e, ao mesmo tempo, abrindo a possibilidade de se adoptar formas e princípios culturais holísticos, mediante activa triagem e controle».
 O poeta e humanista Leopold Sédar Senghor diz que Cabral «sonhava ... com uma civilização pan-humana, para a qual cada continente, cada raça, deveria contribuir com os seus valores culturais insubstituíveis» (Continuar Cabral, 1984:63).
Não há dúvidas de que tudo o que há de positivo na globalização, em termos de ideias e não do modus faciendi, tem eco na visão cultural de Amílcar Cabral.
É essa visão que o levou a empreender a dolorosa luta contra a  opressão e a dominação colonial; é essa visão que o levou ainda a defender o projecto de unidade, a nível local, mas também regional e internacional. Uma unidade que contou com resistências várias, mas que hoje se concretiza, sem grandes sobressaltos, através do regionalismo nacional e internacional, podendo ainda ser de carácter cultural, económico ou político. Os exemplos abundam: a CPLP, os PALOP, a SADEC, a CEDEAO, a Unidade Africana, a Comunidade Europeia, o MERCOSUL,(entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai); a NAFTA (entre os EUA, o Canadá e o México); a ASEAN (entre Burnei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia); a EAEC (entre os países da ASEAN + o Japão, a China, a Taiwan, Hong-Kong, Correia do Sul); a UAM (entre a Algéria, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia).
É o projecto de unidade e a bandeira da solidariedade que levara Cabral a dizer em  A Prática Revolucionária (1977:168): «Somos, em África, a favor de uma política africana que procure defender em primeiro lugar os interesses dos povos africanos, de cada país africano, mas a favor também de uma política que não esqueça em momento algum os interesses do mundo, de toda a humanidade. Somos a favor de uma política de paz em África e de colaboração fraternal com todos os povos do mundo».
            A unidade de interesses, sem prejudicar o humanismo, a soberania e os direitos humanos, parece ser o intento de Cabral. E esse intento constitui  a visão programática tanto de uma interculturalidade respeitadora como de uma globalização civilizada e solidária.
Por isso, ao reflectir sobre a visão antropológica que Cabral tinha do desenvolvimento, sinto no íntimo de mim mesmo algum desapontamento, por constatar que Cabral permanece ainda muito mal conhecido, muito mal estudado na nossa sociedade.
Se eu tivesse disponibilidade, uma outra tese que gostaria de preparar seria sobre «antropologia cultural da Luta de Libertação conduzida por Amílcar Cabral». E disponibilidade para mim é vontade qualificada, é tempo, é dinheiro. Neste momento tenho apenas a vontade. Faltam-me o tempo e o dinheiro. Por isso, deixo o apelo e o desafio à jovem geração para que não deixem a semente de Cabral no armazém do esquecimento e da indiferença.
Com isto vou entrar no último ponto desta exposição e que fala sobre:


Os Caminhos para a Promoção da Interculturalidade em Cabo Verde

            O povo caboverdiano nasceu do cruzamento de povos e de culturas. Ele é um exemplo eloquente de interculturalidade, uma interculturalidade que é nacional, que é regional, mas também que é internacional.
            Neste trabalho, quero referir-me sobretudo à interculturalidade nacional e regional. Em Cabo Verde, a nossa cultura tem o selo do  passado e do presente, tem a marca da velha e da nova geração, tem a particularidade de todas e de cada uma das ilhas do Arquipélago.
            Infelizmente, a nossa história é mal conhecida, os nossos símbolos e heróis nos são pouco familiares, a nossa cultura é mal estudada, as nossas particularidades regionais são pouco conhecidas e pouco sistematizadas.
            A interculturalidade nacional, local e regional exige um melhor tratamento à antropologia das ilhas.  Para tal, as instituições com vocação cultural e educacional, a sociedade civil, os professores, os pais e encarregados de educação, têm que colocar a sua pedra na construção do edifício cultural de Cabo Verde.
            Não se compreende a insuficiência ou então a existência precária do ensino da nossa história e da nossa cultura no sistema educativo. Não se compreende o fraco investimento e a falta de incentivos à investigação. Não se compreende o limitado espaço cultural na comunicação social. Não se percebe a indiferença da sociedade frente à ignorância que a nova, mas também a velha geração, têm da sua história.
            Como responsabilizar um adolescente que desconhece os nossos heróis, se ele nunca os estudou? Como condenar a alienação cultural na ausência de um projecto consistente de interiorização cultural?
            Num determinado momento dizia Cabral que «Reprimida, perseguida, traída ... a cultura africana sobreviveu a todas as tempestades, refugiada nas aldeias, nas florestas e no espírito de gerações vítima do colonialismo» (1978:228). Hoje não se pode dizer a mesma coisa. Efectivamente, com a massificação do ensino clássico, com a mediatização da comunicação social, com o acesso às tecnologias de informação e comunicação, com o afluxo de turismo, em poucas palavras, com o fenómeno da globalização, o dinamismo e a vivacidade da cultura autóctone correm sérios riscos de sobrevivência se não houver uma acção programada e sistematizada do seu estudo e da sua divulgação.
            Aqui deixo o apelo aos Ministérios da Educação e da Cultura, à Comunicação Social, aos pais e encarregados de educação, às instituições da sociedade civil ligadas à cultura para que cada um ponha a sua pedra no levantamento do edifício antropológico de Cabo Verde. E isto em nome da interculturalidade, mas também em nome da globalização, cuja bandeira mediática é «pensar global e agir local». Um pensar e um agir sem exclusão, sem hegemonismo, sem a armadilha tanto da «ditadura do proletariado», como da «ditadura do mercado global». Alguns dirão que isto é uma ilusão. Talvez. Mas nada nos impede de sonhar. Cabral sonhou, agiu e a Independência aconteceu. Hoje, estou certo, sonhando e agindo, o mercado global combaterá a exclusão e a globalização ganhará a alma e a dimensão de um humanismo fraterno e solidário, esse mesmo humanismo por que lutou, por que morreu, o fundador da nossa nacionalidade.

                                                                                                         

                                                                                                  Praia, Setembro de 2004

                                                                                                                                                                                                                                                     


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BIBLIOGRAFIA

CABRAL Amílcar             A Prática Revolucionária – Unidade e Luta, Seara Nova, Portugal, 1977
CABRAL Amílcar             Arma da Teoria –Unidade e Luta, Seara Nova, Portugal, 1978
FERNANDES Gabriel       A Diluição da África, Editora UFSC, Brasil, 2002
FRIEDMAN Thomas         Compreender a Globalização - O Lexus e a Oliveira, Quetezal Editores, Lisboa, 2002. Título Original: The Lexus and the Olive Tree- Understanding Globalisation, 1999.
HUNTINGTON Samuel    O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Gradiva, Lisboa,                                                       2ª ed., 2001. Título Original:  The Clash of Civilizations – Remarking of                                               World,1996.
PETER Hans e
SHUMANN Harold           A Armadilha da Globalização – O Assalto à Democracia e ao Bem-Estar Social, Terramar Editores, Lisboa, 1999. Título Original: Die Globalisierungsfalle, 1996.
Vários Autores                   Continuar Cabral, Simpósio Internacional Amílcar Cabral – Cabo Verde, 17 a 20 de Janeiro de 1983, Edição Grafedito/Prelo-Estampa, Cabo Verde/Lisboa, 1984.


[1] Por ocasião do sipósio sobre Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Latilati



Modi ta Fladu na bu Rubera? Faceboo, 10.09.2012

1. Konxe, N konxe-bu dretu.  N konxê-be drete. Conheço-te  muito bem.

2. E konxe bai. El bá txeu vês. Foi muitas vezes.

3. E tene Kurason ta latilati.  Dá-l un bake na kurasãu.  Está com o coração a latejar, a palpitar.

Observason: «Latilati» ka sta nha disionáriu. Ken ki lenbra-m di el foi Maria da Silva, nha amiga  Sãu. Na Barlavéntu, ten spreson «dá un bake na kurasãu», mas N ka sabe si e ta traduzi dretu «latilati» ki tanbe pode, na algun, kontestu signifika «péki-péki».