Introdução e Enquadramento
Sendo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) um espaço aberto
e plural, alicerçado na língua portuguesa, para abordarmos os desafios da
construção de uma identidade comunitária, começaríamos por discorrer sobre a
vocação universal da língua que dá suporte a essa identidade.
Assim, querendo ilustrar essa vocação universal, citaremos uma pertinente
afirmação de Paul TEYSSIER que considera o português como «filho da conquista»
e explica o porquê:
«Nasceu,
na Idade Média, quando os exércitos cristãos, ocupando a parte ocidental da Península Ibérica dominada pelos mouros,
levaram consigo até ao Sul a língua galego- portuguesa oriunda do Norte. O Português moderno resulta assim da
acção exercida no galego-português pelo substrato dos
dialectos moçárabes de origem românica, que o povo cristão nunca deixara
de falar durante os longos séculos da ocupação muçulmana. Mas o português é também filho da conquista
por ter sido levado para vastas regiões do mundo no fim da Idade Média e na época do
Renascimento, quando se deu a grande aventura dos Descobrimentos»[1].
Já desde o seu nascimento, a
língua portuguesa, quando despida da ideologia colonial que manchou uma parte
da sua história, foi e é capaz de se afirmar como um espaço aberto onde o
diálogo, a tolerância e o inter-relacionamento acontecem. Doutro modo, não
existiria como existe hoje, exibindo, na diversidade e tolerância, a marca
ecléctica do humanismo, da ciência e da cultura.
É particularmente devido a esses
predicados - estando já afastado o espectro de uma tentação glotofagista – que,
hoje, ela se orgulha de ter conseguido compartilhar a pátria de outras pátrias.
Resgatada em alguns países africanos e em Timor Leste, como língua oficial,
o seu espaço que, outrora, fora duramente imposto, passou a ser assumido,
política e culturalmente.
Tanto na Ásia onde ela persistentemente se revigora em Timor e sobrevive em
certas comunidades que partilham com Portugal alguma história comum, como na
Europa, em África e na América do Sul onde floresce e se consolida.
Como semente ou colheita em campos tão diferentes, a língua portuguesa,
para ser fecunda e dar provas de vivacidade, tinha que saber reinterpretar o
real, tinha que poder ser reinterpretada por este mesmo real-ambiente. É, pois,
no laboratório humano, geográfico e cultural dos diversos territórios onde
reina ou compartilha o reinado com outras línguas que o português se molda e é
moldado. Como não podia deixar de ser, em cada experiência laboratorial o
produto da ou de análise tem a marca do seu próprio ambiente.
Tudo isso vem a propósito da tão propalada unidade e diversidade da língua
portuguesa cujo «espaço aberto» só não é uma mentira se essa mesma «unidade»
pressupuser a «diversidade». Para o nacionalismo doentio ou o purismo
retrógrado, esses dois conceitos são inconciliáveis, ou seja, onde há a
«diversidade», forçosamente fica quebrada a «unidade» linguística.
Ora, isso só aconteceria se a diversidade deixasse de ser uma
particularidade para se converter numa essência.
Cremos que a capacidade da língua portuguesa aceitar a «diversidade»
torna-a não só mais universal como ainda mais rica e mais maleável. Não temos dúvidas
de que o espaço que pôde conquistar no mundo, em grande parte, é devido ao
facto dela tolerar a diferença.Com efeito, ao aceitar a «diversidade», ela
tornou-se mais livre, mais expressiva e, por conseguinte, mais aceite como algo
que também pertence aos que a adoptaram. O facto ainda de Portugal não ser o
único centro normativo faz com que o português ganhe uma certa riqueza
plástica, o que aumenta a sua aceitação e legitimidade no espaço da CPLP como
instrumento de comunicação e como património cultural comum.
A «diversidade», porém, tem os seus limites: ela não deve quebrar a unidade
fundamental da língua. Segundo Paul Teyssier, «há dentro da diversidade um
limiar que não deve ser ultrapassado: é o ponto além do qual a intercomunicação
desaparece»[2].
Cremos poder dizer, sem risco de cairmos no erro, que a aceitação que a
língua portuguesa hoje desfruta no Brasil, em África e na Ásia é sobretudo
porque nela também podemos, em comunhão com outras expressões linguísticas,
ouvir a «voz» das nossas respectivas pátrias, como diria o Prof. Brasileiro
Celso Cunha e o Prof. Português Lindley Cintra.
Tanto nos países lusófonos, em África, como em Timor Leste, o português
goza do estatuto de língua oficial não apenas por uma questão de pragmatismo
político - traduzido na necessidade de comunicação com o exterior, na
facilidade de ensino, como língua segunda, no acompanhamento da ciência e da
tecnologia do mundo moderno -, mas também por uma questão de ordem cultural.
Amílcar Cabral costumava dizer que o que de melhor o colonialismo nos
deixou é a sua língua. Esta, durante os vários séculos da sua história, em
África, no Brasil e na Ásia, formou e
enformou uma grande parte da nossa cultura. Por isso, do ponto de vista
cultural, consideramos que ela é também uma conquista nossa. Rejeitá-la é
rejeitar uma parte da nossa cultura, do nosso humanismo.
Porém, que fique bem claro: afirmar uma língua como elemento cultural e
como instrumento de cultura não significa abençoar toda a ideologia que num
determinado momento ela veiculou ou pode veicular.
Se, nos espaços atrás referidos, o português goza do estatuto de língua
oficial, é porque antes os países em referência foram capazes de o descolonizar
política e culturalmente.
Assim, o português é língua oficial naqueles espaços da CPLP por ser
aconselhável do ponto vista pragmático; por ser útil do ponto de visto
tecnológico e científico; por ser uma conquista do ponto de vista cultural; por
ser um instrumento de comunicação com o exterior e de intercomunicação com o mundo
lusófono. Como espaço aberto, hoje ele sabe aceitar e interiorizar a diferença;
por isso, também, hoje sentimo-nos honrados de fazer parte do seu universo.
Se a língua portuguesa é assim tão importante para o espaço da CPLP, na
Europa, em África, na América Latina, na Ásia e nas diversas comunidades
diasporizadas, vejamos alguns dos principais desafios que, através dela, a
construção de uma identidade comunitária exige:
1. Desafio Cultural e de
Diversidade Cultural
Hoje, sem pormos de lado a identidade local, somos convocados a valorizar a
identidade global. O humanismo é formatado com as cores do arco-íris onde o
local é valorizado e o global não é marginalizado. No espaço da CPLP, o
português, como coluna vertebral da comunidade, tem que saber aceitar as diferenças,
saber dialogar e conviver, pacífica e interessadamente, com as línguas e as
culturas autóctones, com as línguas e as culturas da globalização,
particularmente as das comunidades diasporizadas.
A diversidade linguística e cultural não deve ser apenas um slogan
de campanha, mas uma vivência, um compromisso de todos os dias.
Para tal, há que haver políticas integradas de promoção e de valorização
das letras, das artes e das tradições positivas, em todos os espaços da
Comunidade.
Os cidadãos lusófonos têm que sentir a CPLP como uma entidade útil onde
reina e vigora o espírito comunitário. Há que fazer da CPLP uma organização não
apenas dos governos e dos políticos, mas também da sociedade civil. Para tal,
há que promover o conhecimento mútuo, há que estimular esse mesmo conhecimento
através da mobilidade social, empresarial e académica; há que promover
exposições, seminários, feiras e prémios culturais, joint ventures win-win,
em sectores económicos e sociais.
A CPLP deveria ser um mercado artístico, cultural e económico privilegiado.
Os produtos da comunidade deveriam poder ter colocação em todas as áreas
geográficas da comunidade. Uma sã competitividade cultural, artística e
económica deveria ser promovida e acarinhada.
Há que ter em conta que se a CPLP não for uma comunidade útil aos cidadãos,
de interesse para todos e a diversos níveis, por mais fortes que sejam os laços
linguísticos, ela terá dificuldade em sobreviver. Cada sujeito comunitário é
convocado a fazer o que deve e o que pode, de forma holística e com empatia,
para poder assegurar a continuidade e a vitalidade da instituição. De outro
modo, podemos estar a enganar-nos a nós mesmos.
Para a promoção do conhecimento mútuo, na Comunidade, seria desejável, por
exemplo, a institucionalização do Grande
Prémio Cultural da CPLP, financiado pelos nove países integrantes dessa
instituição, na porpocionalidade do respectivo Produto Interno Bruto. A atribuição
poderia ser bienal e distinguiria,
alternadamente, um artista ou criador do espaço da CPLP anfitrião de uma grande
feira cultural dos países membros. A feira deveria coincidir com o encontro dos
responsáveis das respectivas pastas da cultura e do turismo e seria organizada
pelos Ministérios que respondem por essas áreas, no país anfitrião, sempre com
a colaboração do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.
2. Desafio Educacional e de
Qualidade de Ensino
A educação ilumina a cultura e esta enforma a educação. Isto significa que
não há desenvolvimento duradoiro e sustentável sem uma firme aposta numa
educação exigente e de qualidade e numa cultura esclarecida, assente nas
conquistas do local e do global e, ainda, aberta ao mundo e ao humanismo.
Ora, uma das línguas privilegiadas para a festa do humanismo, para o rendez-vous da diversidade cultural e
para a construção de uma identidade comunitária na CPLP é o português.
É também essa mesma língua que, neste momento, constitui o suporte de
grande parte da cultura cplpiana e o veículo privilegiado dos programas e dos
conteúdos educacionais no espaço da Comunidade.
Admitindo e sufragando o que acabamos de dizer, impõe-se-nos, então, um
magistério exigente e visionário da língua portuguesa que aceita e dialoga com
a diversidade.
Hoje, constata-se alguma erosão no magistério do português, particularmente
nos espaços da Comunidade onde ele não tem o estatuto de língua materna. Alguns
pedagogos e vários concidadãos chegam, mesmo, a responsabilizar as respectivas
línguas maternas pela erosão na assunção e na aprendizagem do português. Nada
de mais errado. É um facto que a erosão existe; é um facto também que a
assunção, pela juventude, parece estar a diminuir, em alguns espaçpos da CPLP, mas
as causas de tudo isto não são, seguramente, as línguas maternas. O problema
fundamental está na metodologia do ensino e na política linguística vigente.
Não se pode estar a ensinar o português com metodologia de língua primeira, lá
onde ele não tem o estatuto de língua materna. Não se pode estar a fomentar uma
política de diglossia lá onde o português convive com línguas maternas,
sobretudo as de forte expressão e representatividade identitárias.
O grande desafio, em termos de magistério e de política linguística, consiste
em fomentar um verdadeiro bilinguismo onde o português e as línguas maternas
são ensinados com estatuto adequado, com exigência e rigor inclusivos, numa
perspectiva de complementaridade e nunca de exclusão das línguas maternas ou de
sobrevalorização da língua portuguesa.
Já o escritor português Manuel Ferreira dizia:
“Jamais alguém acolhe a
humilhação, a opressão e muito menos a destruição da sua própria personalidade colectiva. E nenhuma
força, por mais repressiva ou violenta que seja, logra impedir que os povos pautem as suas acções pela fidelidade
ou busca da sua identidade étnica
e cultural» [3].
Na verdade, o português já faz parte da nossa história, mas as línguas
maternas fazem parte da nossa identidade primeira e Ferreira tem razão quando
diz que nenhuma força, por mais importante ou agressiva que seja logra impedir
a fidelidade dos povos àquilo que eles têm no respectivo DNA, a sua identidade
cultural.
Assim, um dos maiores desafios do magistério do português, na CPLP,
consiste num ensino de rigor, inclusivo e dialogante, com metodologia adequada,
isto é a de língua segunda, lá onde não tem estatuto de língua materna. Com
esse magistério, facilmente os educandos tomam a consciência da geografia e da
importância das línguas em presença, podendo assim o ensino processar-se,
harmoniosamente: por um lado, sem diglossia, sem exclusão, sem concorrência
desleal e, por outro lado, com disciplina, com rigor, com empatia e com a
pilotagem da geografia e das normas de cada uma das línguas.
3. Desafio Tecnológico, Científico
e Competitivo
O barómetro do desenvolvimento, hoje, está, em grande medida, no domínio
que temos ou não temos das TIC (tecnologias de informação e de comunicação).
Todos nós sabemos a razão por que o inglês se tornou, hoje, particularmente no
seio da juventude, uma língua deveras atractiva. É sobretudo porque é a língua
que melhor molda e veicula as ferramentas e a linguagem das TIC. É a língua ainda
onde o conhecimento técnico e científico parecem estar muito bem representados.
Entre as línguas estrangeiras com a maior empatia junto da juventude e com
maior representatividade junto dos cientistas e investigadores, parece ser,
também, o inglês.
Assim sendo, o desafio da língua portuguesa, nos domínios da ciência e da
tecnologia não será, certamente, substituir o inglês. Isto seria, não só, uma
política glotofágica anticientífica, como também seria inaceitável, face a
empatia e o empoderamento que a língua inglesa conquistou.
O caminho está em promover uma sadia convivência, traduzida numa política
de valorização e de instrumentalização da língua portuguesa, tornando-a uma
língua não só da arte e da cultura, mas também, expressivamente, da ciência e
da tecnologia.
Os professores, os linguistas, os cientistas, os investigadores, os
técnicos, os escritores, os artistas e criadores do espaço da CPLP têm que dar
uma atenção redobrada à língua portuguesa, como instrumento de comunicação, de
trabalho e de criação, nos palcos e nos diversos laboratórios onde actuam.
Se a CPLP têm um mercado de mais de 200 milhões de utilizadores, em nove
países, em quatro continentes e nas diversas comunidades diasporizadas, temos
que poder demonstrar ao mundo que somos uma força linguística que não se pode
ignorar. Porém, o prestígio e o peso cultural, técnico e científico da língua
portuguesa nunca será uma dádiva ou uma prenda. É com o nosso reconhecimento, o
nosso trabalho, a nossa investigação, a nossa criação, o nosso magistério e a
nossa empatia que fazemos da língua portuguesa uma ferramenta útil, nacional e
transnacional, com alto grau de empatia e de procura, no nosso chão, mas também
no chão da globalização.
É preciso não se esquecer que, segundo Carlos Maciel:
«...
a lusofonia é o quinto espaço planetário em termos demográficos...; a língua
portuguesa é a terceira
língua europeia mais falada no mundo...; o território lusófono
é também o quinto maior do mundo
...; o português é uma das três línguas
verdadeiramente presentes em três
continentes pelo menos [hoje sabemos que já são quatro continentes]) ... é a
língua mais falada na América do
Sul e, ... economicamente, o grupo lusófono ocupa a sétima posição mundial»[4].
Estudos rcentes confirmam que na internet o português ocupa o quinto lugar (citar).
Não há dúvida de que tudo isto é uma força social,
cultural, e económica muito grande. Há que fazer dessa força um empoderamento, não
só na cultura, mas também na ciência e nas tecnologias. Para tal, os investimentos
para as áreas culturais, técnicas e científicas dos nossos respectivos países
têm que merecer uma maior e melhor atenção dos decisores políticos, das
instâncias económicas e das instituições académicas.
4. Desafio Diplomático
A diplomacia consiste na defesa e promoção dos interesses dos países, dos
povos e das comunidades que ela representa, na cena internacional. Um desses
interesses é o da língua que molda a identidade da comunidade a que
pertencemos. A diplomacia, particularmente a dos sectores multilaterais, tem
que poder convencer os parceiros da importância do português como língua de
trabalho. Se nós fazemos o esforço para aprender e para utilizar a língua dos
outros, porquê que esses outros, também, não fazem o mesmo esforço para
utilizar e entender a língua presente em quatro continentes, com mais de duzentos
milhões de utilizadores?
Já assisti, num colóquio internacional, realizado num dos países da CPLP,
um alto responsável internacional, natural do espaço da CPLP, a conduzir os
trabalhos em inglês, num painel onde a maioria esmagadora dos participantes era
oriunda do espaço da CPLP.
Como levar os outros a acreditarem na força e na importância do português
se nós mesmos não acreditamos nessa importância, por uma questão de snobismo, de
bazófia ou de complexo?
A diplomacia não é para mobilizar apenas os investimentos ou proteger e
defender os interesses e os direitos dos nacionais em terras estrangeiras. Ela
deve também poder promover a cultura, a ciência e a tecnologia, num diálogo
salutar, na língua da nação que representa e na da nação de acolhimento.
Tratando-se de representação, em instâncias multilaterais, onde o peso da
CPLP é evidente, deve-se lutar para que ele seja uma das línguas de trabalho dessas
instituições, e deve haver a preocupação de utilizar o português mesmo quando o
interveniente tem o conhecimento de outras línguas da globalização. Há que
reforçar não só o rigor do seu ensino, mas também a formação de tradutores e de
intérpretes. Querendo nós que o português seja, ele também, língua da
globalização, temos que pagar o justo preço.
Para concluir este ponto, há um facto que merece a reflexão de todos:
porque será que, recentemente, vários países[5],
de cultura não lusófona, têm solicitado a sua entrada na CPLP, enquanto no seio
do espaço genuino da Comunidade há cada vez mais erosão de interesse para com a
CPLP ? Deixo essa interrogação para reflexão.
5. Desafios da Unidade de
Ferramentas de Expressão e Comunicação: O Caso do Acordo Ortográfico
Não é salutar, nem prático, ter uma mesma língua com ferramentas diferentes
de comunicação e de expressão. A mesma língua veicular e identitária da CPLP
não pode ter uma escrita substancialmente diferente. Se é certo que não se pode
exigir a uniformização cabal da escrita, devido à especificidade cultural e
linguística dos diversos espaços da comunidade, pode-se, no entanto, procurar a
sua superior unidade.
A Unidade que se preconiza para o português e para a escrita em português,
segundo o Prof. brasileiro Celso Cunha, é a mesma que o escritor Jorge Luís
Borges defendia para a língua espanhola, nos seguintes termos:
«Que existem diferenças e que as consideramos
mesmo desejáveis, mas que sejam
elas a um tempo discretas e nítidas.
Discretas para não impedirem a circulação
total do idioma, e suficientemente nítidas para que cada um de nós nelas ouça a voz da sua pátria[6].
Creio que é essa superior unidade que preconiza o Acordo Ortográfico de
1990. É normal as resistências que ainda persistem, já que toda a mudança gera
resistência. Porém, se queremos, efectivamente, empoderar o português, como
língua da globalização e da expressão da identidade comunitária no seio da
CPLP, temos que lutar para a superior unidade das suas ferramentas de expressão
e comunicação. Não temos dúvidas que o que move o actual Acordo Ortográfico é
essa superior unidade de ferramentas para a escrita.
Aliás, analisando friamente as
mudanças propostas, vemos que elas são pouco expressivas, no dizer do linguista
português, Malaca Casteleiro[7]. Segundo ele, as alterações introduzidas na escrita brasileira são de
0,5 e na escrita do português luso-africano é de cerca de 1,5%. Há que ter em
conta que num universo 110.000 palavras, apenas 2.000 sofrem alterações,
conclui esse linguista.
Se, assim é, temos que concluir que defender o Acordo
Ortográfico é defender a superior unidade da língua portuguesa, é defender a
coesão de uma identidade comunitária coesa. É defender ainda uma maior
internacionalização do português.
Seria um absurdo, por exemplo, exigir aos estrangeiros,
às instâncias internacionais ou às universidades estrangeiras a aprendizagem de
modelos diferentes de escrita para uma mesma língua. Isto não favorecia, em
nada, a valorização e a internacionalização do português que todos desejamos.
6. Desafio de Cidadania e de Mobilidade Social
Na minha perspectiva, esta é, talvez, o
desafio mais complexo da CPLP, se quisermos que ela seja, efectivamente, a
expressão de uma comunidade identitária.
Como falar de uma comunidade
identitária se ainda não podemos ser cidadãos plenos dessa mesma comunidade?
Como falar de comunidade identitária se precisamos de vistos para podermos
circular no espaço que dizemos ser comunitário? Como falar de uma comunidade
identitária se cidadãos de espaços geográficos diferentes na CPLP não podem
usufruir das mesmas regalias sociais dos cidadãos nativos em cada um dos países
da Comunidade?
Há que ser coerente e
consequente: não podendo haver, por alguma razão, cidadania efectiva, então, há
que repensar a identidade da comunidade. Não é salutar ter uma instituição que
preconiza construir uma identidade comunitária apenas com declarações de intenção.
Ou somos cidadãos da e na CPLP, com todas as consequências que daí advêm, ou,
então devemos deixar cair o espírito de identidade comunitária na CPLP. Não é
salutar continuarmos a enganar-nos a nós próprios e ao mundo.
Quem é académico, como eu, sem
compromissos diplomáticos, políticos ou de estratégia política, tem a liberdade
de ver e dizer as coisas como elas são. Os que criaram a CPLP têm que criar,
também, as condições para a Comunidade funcionar ou então há que rever a identidade
da Comunidade e o espírito que presidiu à sua criação.
A todos, muito obrigado.
Sorbonne,
5 de Maio de 2015
[1] Paul TEYSSIER, Actas do Congresso
sobre a Situação Actual da Língua
Portuguesa no Mundo, Lisboa, 1985, p.46. O
Congresso realizou-se na Universidade de Lisboa de 28 a 3 de Julho de 1983
[2] Idem 1 -
Ibidem, 49
[3] Manuel
FERREIRA , «Contextualização da Língua Portuguesa» in O Discurso no Percurso Africano, Plátano Editora, Lisboa 1989, p.311.
[4] Carlos
MACIEL, « Português, Língua Estrangeira,
Considerações sobre a Construção da Nossa Imagem por Nós e pelos
Outros», in Homenagem a Eduardo Lourenço
- Colectânea de Estudos, ICALLP,1992, p.62.
[7] Cf. CASTELEIRO João Malaca, CORREIA Pedro Dinis, 2007, 2008, Atual O Novo Acordo Ortográfico – O que vai mudar
na grafia do português, Lisboa,
Texto Editora
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