Programa Conversa em Dia 16 Fev 2012
Convidados: Manuel Veiga (Linguista), Adelaide T. Monteiro (Linguista) e Jorge Brito (Catedrático).
Tema: Língua Materna
1ª parte
2ª parte
3ª parte
4ª parte
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
domingo, 26 de fevereiro de 2012
ALUPEC: VERDADES, INVERDADES E DÚVIDAS DE DAVID LEITE[1] 02 Outubro 2009
Tomei conhecimento, via A semana online, de 19/09/09, de um artigo do compatriota David Leite, intitulado: «ALUPEC, um Alfabeto Nos Ku Nos. E os Nossos Emigrantes?»
Nos últimos tempos, dado o cargo governamental que ainda exerço, não tenho podido participar no debate sobre a problemática do crioulo caboverdiano, através dos órgãos de comunicação social. Mesmo em instâncias de tratamento político da matéria, a minha abordagem tem sido mais política do que técnica, por razões óbvias.
Por tudo isto, apesar de ter escrito várias obras sobre a matéria, de possuir uma reflexão que vem de longe, tenho evitado, salvo raríssimas excepções, tomar parte no debate, guardando um certo distanciamento que o lugar que ocupo recomenda.
Tem-me desencorajado ainda o facto do debate, salvo algumas raras excepções, se ter caracterizado por uma abordagem muitas vezes desrespeitosa, sob a capa do anonimato, o que, na minha perspectiva, nem a ciência, nem a ética, nem a nossa tradicional morabéza aconselham.
Com o David Leite foi diferente. Assumiu com frontalidade, e de uma forma respeitosa, o que pensa. É assim que deve ser um debate sério: frontal, assumido, respeitoso e com os fundamentos de que se dispõe, na certeza de que ninguém possui, em regime de exclusividade, toda a verdade.
Por tudo isto, mesmo sabendo que alguns quererão recusar entender-me, como, por vezes, tem sido o caso, achei que, desta vez, não tanto como ministro, mas sobretudo como cidadão interessado nessa problemática, deveria, com espírito aberto e respeito pelas opiniões contrárias, associar-me ao debate, não para ditar ou impor verdades, mas sobretudo para esclarecer a minha posição e, em certa medida, a posição oficial também.
Diz-se que a nossa língua materna é importante demais para ser deixada à responsabilidade apenas dos linguistas. Concordo. Só que a palavra dos linguistas não deve ser considerada letra morta. Na justa dimensão, deve ser também tomada em consideração. E a palavra de todos, no debate, deve ser também assumida, informada, tolerante, fundamentada e respeitadora. De outro modo, deixaremos de contribuir com civismo e com uma cidadania esclarecida e de rosto humano. Nas várias obras que escrevi, e nos diversos posicionamentos tomados, tenho-me esforçado em imbuir nas minhas palavras as características acima referidas, e isto tanto como cidadão, como técnico e como político.
Retomemos o artigo de David Leite. Na minha perspectiva, o mesmo está enformado de verdades, (meias verdades), inverdades e dúvidas.
I. AS VERDADES:
• O articulista confessa que é leigo em matéria de linguística, que respeita a opinião dos linguistas, mesmo quando delas discorda;
• Reconhece que «a língua portuguesa rege-se, como os demais idiomas neolatinos, por uma ortografia etimológica, a qual consente que uma mesma letra ou grafema (c, s, x, z) possa derivar para uma oralidade diversa - uma dualidade que pode gerar alguma confusão na mente dos menos entendidos ou do mais incautos».
• Que o «ALUPEC propõe-se evitar [a confusão de um mesmo som com várias representações] atribuindo a cada som um único grafema (letras ou dígrafo) e vice-versa»;
• Que «A nossa língua deve ser um césamo, uma chave e não um entrave, uma ponte e não uma parede»;
• Que «Negar a língua portuguesa é uma atitude perecida…»;
• Que «Nossos filhos e netos não hão-de nos recordar como palhaços por lhes termos legado esta herança monumental: duas línguas que recebemos dos nossos pais».
Estas são algumas das verdades do artigo, e a lógica cartesiana exige uma conclusão que vá no sentido de:
• Respeitar o ALUPEC e trazer contributos que o possam limar e enriquecer ou, então,
apresentar uma proposta consistente e abrangente de um outro modelo de escrita que seja mais funcional, mais económico e mais sistemático;
• Reconhecer, pelos argumentos que o próprio articulista apresenta, que o ALUPEC é muito mais económico e mais sistemático do que qualquer outro alfabeto hoje conhecido e de base etimológica; reconhecer ainda que todas as línguas neolatinas, apesar da respectiva origem, tiveram a necessidade de optar por um alfabeto próprio, com raiz latina, mas diferente do alfabeto e da ortografia latina. Mutatis mutandi, porquê que o mesmo não pode ser aplicado ao nosso crioulo de base portuguesa e africana?
• Reconhece que o ALUPEC simplifica a ortografia da nossa língua e evita as confusões gráficas já que, como principio, um único som é representado sempre por uma única letra ou dígrafo, o que, do ponto de vista pedagógico, facilita a aprendizagem. Daí ser mais fácil para uma criança aprender que «kultura» se escreve com «k» do que interiorizar que o som «se», por exemplo, na língua portuguesa, se actualiza, de acordo com o contexto, em s, ss, c, ç, x (saber, massa, cimento, poço, trouxe); ou então que o som «ze» pode actualizar em s, z, x (coser, cozer, exame). No ALUPEC, todos os sons «se» se escreve com «s» e todos os sons «ze» se escreve com «z». Invocar a origem latina do alfabeto de base etimológica para justificar a aplicação deste mesmo modelo ao nosso crioulo é um preciosismo já que o latim é uma língua morta que mesmo a Igreja Católica a pôs de parte e, muito raramente, em determinadas circunstâncias, a utiliza. Também o recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ainda que tímidamente, vem dar razão ao ALUPEC.
Ora, se o ALUPEC é funcional, se estrutura, sistematiza e simplifica a nossa ortografia, então é porque ele só pode ser um «césamo» e uma «ponte» na nossa comunicação escrita. E como tal, nunca pode ser uma «parede» ou um obstáculo. Também nunca pode ser definitivo, na medida em que, por natureza, todo o alfabeto é convencional. E se a convenção muda, o alfabeto também fica alterado. Resta ainda admitir que se o crioulo e o português são duas heranças monumentais, as duas devem merecer um tratamento «em paridade», como a própria Carta Magna, no seu artigo 9º, ordena. Então, se o português já é língua oficial de jure e de facto, temos que fazer tudo para que o crioulo, que de facto está sendo língua oficial, o seja também de jure, caso ainda não esteja. Para tal, temos que ter um sistema de escrita, temos que desenvolver o ensino das duas línguas, temos que aumentar o seu uso na administração, na comunicação social e na criação artística. Aliás, no meu livro A Construção do Bilinguismo, que o articulista parece desconhecer, se afirma: «Ninguém pode ignorar que tanto a língua portuguesa como a caboverdiana, embora de formas diferentes, corporizam a nossa história, enformam a nossa cultura e moldam o nosso modo de estar no mundo. A afirmação e a valorização dessas duas línguas, mais do que um dever cívico, são uma exigência cultural e uma necessidade ambiental» (pág. 129). Ainda num outro ponto, da mesma página, se escreve: «o português que já é língua oficial e de situações formais de comunicação, torna-se necessário alargar o seu ensino e conferir-lhe o estatuto de língua do quotidiano informal, em paridade com a língua caboverdiana. Quanto a [esta] que já é língua do quotidiano informal, há que reconhecer o estatuto oficial, em paridade com a língua portuguesa, reforçar o seu uso formal e implementar o seu ensino, do primário ao universitário».
O David Leite tem que convir comigo que quem tem tal posicionamento, espelhado na sua vivência e nas suas obras, não pode protagonizar um «ALUPEC [que] começou mal. [E que] começou mal porque partiu de uma guerra quasi declarada ao português». De igual modo, devo dizer-lhe que em momento nenhum as tentativas oficiais, de que tenho conhecimento, para «dotar o crioulo de um estatuto oficial, se pautaram por uma certa relutância vis-à-vis do português». Não se deve confundir posicionamentos isolados de um ou outro caboverdiano com posicionamentos oficiais ou então com posicionamento dos técnicos que prepararam as grandes decisões, em matéria do crioulo, as quais, posteriormente, foram aprovadas pelos sujeitos políticos. Que seja dado à César o que é de César e a Deus o que é de Deus, sem truques, sem deturpação, sem mal-entendidos.
II. AS INVERDADES:
Por tudo o que ficou dito, deve-se concluir que são inverdades as seguintes afirmações do articulista:
• Que o «ALUPEC é um Alfabeto Nos Ku Nos» e que marginaliza os emigrantes;
• Que, «no sentido idiomático e geográfico do termo, o ALUPEC é um alfabeto… sem norte»; • Que o ALUPEC terá partido de uma guerra quase declarada ao português»;
• Que o «pecado original do ALUPEC [foi] ter nascido de um conflito com a lusofonia»;
• Que «o ALUPEC reflecte uma atitude isolacionista; um Nos Ku Nos em flagrantes contradições com a abertura propugnada pelo nosso país»..;
Em termos de política linguística de Cabo Verde, tais afirmações não têm fundamento. Isto não significa que não haja um ou outro posicionamento radical que gostaria que se declarasse guerra ao português. Porém, um posicionamento isolado não pode ser confundido com a política linguística do país. Aliás, a Constituição da República ordena, no seu artigo nono: «O Estado de Cabo Verde promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa» (sublinhado meu). Do mesmo modo, o Programa do Governo para a VII legislatura (2006-2011), falando da Afirmação da Língua Nacional, diz:
«A construção de um real bilinguismo em Cabo Verde é uma exigência do valor histórico, social, cultural, patrimonial e sentimental das duas principais línguas da nossa vivência antropológica: a caboverdiana e a portuguesa. Assim, o Governo, com base na Resolução nº48/2005, de 14 de Novembro, e na esteira do anterior Programa do Governo, continuará a aprofundar a política de promoção e valorização da língua caboverdiana tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância tomará medidas no sentido de fazer com que o País caminhe, progressivamente, para um bilinguismo assumido» (sublinhado meu).
Já o anterior governo dizia no seu Programa (cf.BO nº12, de 31/04/86): «O Governo pretende nesse domínio, com base em estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e determinar etapas, para a oficialização do crioulo como língua nacional, ao lado do Português» (sublinhado meu). Ainda o anterior Primeiro-Ministro, Dr. Carlos Veiga, em conferência de imprensa publicada no Jornal A Semana nº394, de 12.03.99, afirma: «Eu acredito perfeitamente que, tal como noutros países que são crioulos também, é possível ver o crioulo [caboverdiano] a ser escrito, a haver jornais e o ensino em crioulo. Em termos de ensino a faculdade que nós temos de podermos utilizar duas línguas - uma, a nossa língua materna, e a outra a língua portuguesa que também é nossa -, é vantajosa para Cabo Verde. Será uma revolução, mas valerá a pena, custe o que custar. E não custará muito porque as vantagens são incomensuráveis superiores aos custos» (sublinhado meu).
Face a tudo isto, senhor David Leite, onde estará a guerra institucional «declarada ao português?»; onde se esconde «o conflito com a lusofonia»? Poderá haver quem, isoladamente, pense assim e que levou o David Leite a tirar a conclusão que tirou, porém, não deve ser uma boa estratégia confundir a árvore com a floresta, ou então a política linguística do Pais com a formulação de uma opinião isolada, inconsistente e infundada.
O senhor Leite diz ainda que o ALUPEC é um alfabeto «Nos KU NOS», «sem Norte» e que ignorou os emigrantes. Não sei qual o alcance que dá aos sintagmas «Nos Ku Nos» e «sem Norte». Querendo dizer que o ALUPEC foi concebido, fundamentalmente, para a escrita do caboverdiano, não vemos qual o mal que isto encerra. Qualquer alfabeto é para servir a língua para a qual foi criado. Não vejo o alfabeto português a servir, plena e globalmente, o inglês ou o árabe. Mas nem por isso somos autorizados a considerar o alfabeto português isolacionista ou, na sua concepção « Es ku Es».
Quanto a «Sem Norte», se quererá dizer que o ALUPEC não serve para escrever as variantes do Norte de Cabo Verde, está equivocado. Recomendo-lhe que leia o romance Perkurse de Sul d’Ilha, de Eutrópio Lima da Cruz, natural da Boa Vista; os trabalhos universitários de Carlos Delgado, natural de Santo Antão; as traduções que Guy Ramos, natural de S. Vicente, está a fazer a partir da Banda Desenhada TINTIN.
Porém, se «sem Norte» significa «sem horizonte», é caso para lhe perguntar: porquê que, a partir da aprovação do ALUPEC, em 1998, os trabalhos académicos feitos em Cabo Verde , em Portugal, na França, nos EUA, na Alemanha, quase em exclusividade, utilizaram o ALUPEC.
Porquê que a partir da aprovação do ALUPEC o ensino do crioulo em Cabo Verde , em Portugal, nos EUA se tem processado, fundamentalmente, a partir desse modelo de alfabeto?
Porquê que o Parlamento caboverdiano adoptou o ALUPEC na transcrição das intervenções em crioulo dos senhores deputados?
Porquê que têm surgido várias teses, romances, ensaios, livros de poemas utilizando esse mesmo modelo de alfabeto?
Porquê que a recolha, transcrição e divulgação das tradições orais levadas a cabo pelo Instituto da Investigação e do Património Cultural tem privilegiado esse mesmo modelo de escrita?
Porquê que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Cabo Verde , foi vertida no ALUPEC?
Porquê que a série de banda desenhada Lobo ku Xibinhu, da empresa Imájen, adoptou o ALUPEC?
Porquê que, hoje, vários spots publicitários utilizam o ALUPEC;
Porquê que no então ISE e no Instituto Pedagógico houve e há experiências, de vários anos, do ensino do crioulo, com base no ALUPEC?
Porquê que em Portugal há, neste momento, experiências de ensino bilingue, com base no ALUPEC?
Porquê que em França e na Alemanha há experiências de investigação universitária, com base no ALUPEC?
Porquê que, hoje, em várias Universidades dos EUA, se ensina o crioulo, com base no ALUPEC?
Porquê que a Igreja Nazarena, a Igreja Evangélica Baptista, a Igreja Assembleia de Deus e a Igreja Adventista do Sétimo Dia (todos em Cabo Verde ) adoptaram o ALUPEC na tradução da Bíblia, tendo sido já publicados dois volumes?
Senhor Leite, alguns podem ainda não conhecer o «Norte» do ALUPEC, mas isto não significa que ele não tenha «Norte».
Quanto à marginalização dos Emigrantes, gostaria de lembrar-lhe: que o professor Salazar Ferro, primeiro promotor do ensino da matemática em crioulo, nos EUA, participou no Colóquio Linguístico de 1979; que nesse mesmo Colóquio tomaram parte Teobaldo Virgínio, Mesquitela Lima e Maria Arminda Resede, todos da diáspora; que Manuel da Luz Gonçalves, Presidente do Instituto Crioulo-Americano, nos EUA, grande promotor do ensino do crioulo, participou no Fórum de Alfabetização Bilingue de 1989; que vários emigrantes, nomeadamente Inês Brito, Carlos Almeida, Manuel da Luz Gonçalves, Celestino Fernandes tomaram parte no Colóquio Internacional de Estudos Crioulo, realizado em Cabo Verde , em 2005; que vários representantes da diáspora, nomeadamente, Dulce Duarte, Ana Josefa Cardoso , Agnelo Montrond, José Luís Tavares, Carlos Almeida, Inês Brito, Manuel da Luz Gonçalves, tomaram parte, em Janeiro de 2009, na Mesa redonda de avaliação e projecção do ALUPEC.
Poderá dizer que conviria haver mais participação de emigrantes; o que não pode dizer é que eles foram ignorados.
III. AS DÚVIDAS
Para responder às dúvidas, gostaria, antes de mais, de informar ao senhor Leite, que a padronização do crioulo vai levar muito tempo, talvez mesmo, várias décadas. Até lá, teremos que, como estipula o ALUPEC, tolerar a existência de «interfones», tais como: b/v, s/z; r/rr; l/r; dj/lh; dj/j; x/j; n/d; tx/x; g/j; (baka/vaka; kasa/kaza; géra/gérra; bólsa/bórsa; midju/milhu/midje; djanta/janta/jantá; oxi/oji/aoje; nu/du; txabi/xave; gentis/jentes).
Como é do seu conhecimento, em termos macrolinguísticos, há uma variedade Norte e uma variedade Sul do crioulo. Além disso, não só há variantes no grupo Norte e no grupo Sul, como há também variantes em cada ilha e, às vezes, em cada localidade, o que não é nenhuma novidade: o português do Norte de Portugal, do Centro, do Sul, dos Açores, da Madeira, do Brasil e da Comunidade lusófona africana tem particularidades, mas exibe também aquilo que os linguistas Celso Cunha e Lindley Cintra chamam a superior unidade do português.
Neste momento, o importante é investigar, é estudar e utilizar as variedades e as variantes existentes, sem discriminação. Essa investigação, esse ensino e uso, juntamente com a mobilidade social, com a criação artística e a comunicação social, vão responsabilizar-se pela padronização a médio e longo prazos.
Dirá que isto é complexo, longo e, talvez mesmo difícil. Há um exemplo em Cabo Verde que nos leva a crer que o processo levará o seu tempo, mas não será impossível.
Basta ver a formação da variante de S. Vicente que, nos finais do século XVIII, ainda não existia. Com a vinda de compatriotas do Fogo, Santo Antão, S. Nicolau, Boavista e Santiago, todos à volta do Porto Grande, em pouco tempo, emergiu uma variante unificada que hoje tem uma personalidade própria. Tudo isto para concluir que a unificação linguística, em Cabo Verde , não é uma miragem. Por enquanto, é natural que no Sul se escreva «Prizidenti» e ao Norte se escreva «Prezidente». É natural ainda que ao Sul se escreva «disendenti» e ao Norte se escreva «dessendente» (des-sen-den-te). Como vê, o primeiro «s» é impulsivo e o segundo é explosivo.
O ditongo «ão» está previsto no ALUPEC e é representado por «ãu» (pãu). Quanto a «bida/vida», já disse que o ALUPEC, na fase de padronização, deve tolerar os interfones, nos casos em referência e em outros existentes.
No tocante a «sukundi/skondê e «pikinóti/pikenin», o processo de padronização virá a dar uma resposta. Ou uma expressão suplantará a outra, ou ambas as expressões existirão, sendo uma variante da outra. A linguística permite isso, naturalmente, sem sobressaltos. Neste sentido, as variantes são uma riqueza e não um obstáculo.
No que se refere a «Vitamina C», trata-se de uma marca cuja patente deve ser respeitada, pelo que não muda, do mesmo modo que, a nível informático, em todas as línguas do mundo, hoje, «Microsoft» ou «Windows» têm a mesma representação da língua inglesa.
Relativamente aos nomes próprios, em todas as línguas, e o crioulo não é excepção, há liberdade de representação.
A terminar, uma palavra sobre a oficialização do crioulo. Muitos dizem que as condições não estão ainda reunidas. Porém, ninguém esclareceu quais são essas condições. O texto da Constituição estipula: «O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna caboverdiana, em paridade com a língua portuguesa».
Ainda ninguém aventou a hipótese, segundo a qual, a criação de condições é para possibilitar a paridade com a língua portuguesa e não, necessariamente, para possibilitar a oficialização do crioulo.
Tudo indica que o número 3 do artigo nono da Constituição que diz «Todos os Cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las», só não será uma contradição se o entendimento dos números 1 e 2 forem que o português é língua oficial plena; que o crioulo é língua oficial em construção; que o Estado deve criar as condições para a construção da paridade entre o português e o crioulo caboverdiano. Caso contrário, como poderá a Constituição exigir um dever e conferir um direito de algo que não existe? Se, como estipula, «Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las», parece cristalino que as duas línguas oficiais existem, ainda que uma seja língua oficial plena e a outra em construção. Este entendimento linguístico é lógico. Se houver outro entendimento, então há contradição na letra e no espírito da Carta Magna.
Chegado a este ponto, se me permite, gostaria de dar alguns esclarecimentos a questões que, recorrentemente, aparecem no debate sobre a oficialização da nossa língua materna.
Costuma-se perguntar: que significa a oficialização? Quais são as implicações? Qual a variante que se vai oficializar? Que relação vai existir entre o português e o crioulo, após a oficialização deste último?
Devo dizer que, num contexto de bilinguismo, a oficialização é um reconhecimento jurídico-constitucional que confere legitimidade a uma língua de fazer parte do sistema de ensino e de, livremente, ser usada na administração, na criação e manifestação culturais, na comunicação social, em fim, em todas as circunstâncias de comunicação, particularmente as formais. Note-se que em nome da cidadania, o uso da língua materna no sistema de ensino é obrigatório, mas em todas as outras circunstâncias é livre, num contexto de real bilinguismo. E mesmo no sistema de ensino esse uso deve ser progressivo, em conformidade com as reais possibilidades. Em Cabo Verde , neste momento, não podemos massificar o ensino do crioulo (nota-se que falo do ensino do crioulo e não em crioulo). É recomendável que, como estipula a Resolução nº48/2005, de 14 de Novembro, se parta de cima para baixo, isto é, primeiro nas estruturas superiores de ensino, que permite a formação de professores, e só depois nas estruturas básicas e secundárias.
E quais as implicações da oficialização? Em primeiro lugar, há uma legitimação do ensino e do uso do crioulo, não apenas de jure, mas também de facto, sempre na base da liberdade de escolha do uso, já que possuímos uma outra língua oficial, com dignidade patrimonial, que é o português. A legitimação é do ensino, é da livre utilização na administração, na criação cultural, na comunicação social…
E que variante se vai oficializar? Oficializa-se o crioulo ou então a língua materna caboverdiana. Durante todo o período que durar a padronização ou unificação linguística, as variantes (expressões regionais e locais do crioulo) serão objecto de ensino e de investigação, como também veículo de comunicação na respectiva ilha.
A título de exemplo, a minha proposta é: em cada ilha, o ensino parte da variante local, depois faz-se a ponte com as duas variedades (Norte/Sul) de sociabilização maior. A nível da oralidade, mas também na criação cultural e na comunicação social, cada um utilizará a variante da sua escolha e/ou competência.
E a relação entre o crioulo e o português? A Constituição impõe que a relação seja de paridade, isto é de um real bilinguismo (em construção) em que as duas línguas gozarão, de forma progressiva, do mesmo estatuto. Ao Português, que já é língua oficial de jure e de facto, deve-se reconhecer e optimizar também um estatuto de maior informalidade. Ao crioulo, que é língua do nosso quotidiano informal e ambiental, deve-se reconhecer de jure o estatuto formal e oficial, uma vez que de facto já goza, e vem gozando progressivamente, deste mesmo estatuto.
Fico por aqui, na certeza de que o debate vai prosseguir de forma serena, assumida, fundamentada, respeitadora, e melhor ainda, se for com a morabéza que tem caracterizado a tradicional idiossincrasia do nosso povo.
Caboverdianamente, Manuel Veiga Praia, 1/10/09
[1] Este artigo foi objecto de várias dezenas de comentários. Os interessados que consultem o Asemana on line de 2 de Outubro de 2009 (rúbrica Opinião). O artigo do senhor David Leite que provocou esta tomada de posição foi publicado no Asemana oline de 19/09/09, também na rúbrica Opinião.
PA UN SIDADANIA KAPÁS DI LÉ MUNDU
NA LÍNGUA DI IDENTIDADI
Kantu N rasebe, na pasudu dia 6 di Marsu, un amável konviti di Prof. João Rosa, pa fase aprizentason di si livru « Diskursus Línguístiku y Realidadis na Salas di Aula...», N pensa dôs bês antis di da-l nha konsentimentu.
Na verdadi, N staba dianti di un diléma. Di un ladu, ténpu pa lé y pa organiza ideias éra skasu, sérka di un sumana. Di otu ladu, adimirason y rekonhisimentu ki N ten pa diáspora kabuverdianu na Mérka, trokadu si grandi sforsu na prosésu di afirmason y valorizason di nos língua matérnu é tãu grandi, ki responde ma nãu sa ta parseba mi disgetós, fóra di jeitu. N fitxa korájen, N rusponde ma sin.
Kel-li é razon pamodi, na es bóka di tardi, na Auditóriu di Reitoria, pa inisiativa di Uni-Cv y kolaborason di Mestradu na Kriolístika y Língua Kabuverdianu, N sta li, na prezénsa di autor y di es ilustri plateia, ta partilha ku nhos rikéza di un livru ki, N ka ten dúvida, ta raprizenta un kontributu inportanti na prosésu di afirmason y valorizason di língua kabuverdianu. Na spreson di autor, es livru é, seguramenti, un kontibutu pa «un sidadania kapás di lé mundu, na língua di téra, na língua di nos identidadi».
Prefasiador di óbra, Magnífiku Reitor, Doutor António Correia e Silva, ten razon óki e ta fla: «a sociedade cabo-verdiana possui um problema linguístico, cuja não solução atrasa, senão mesmo bloqueia o seu desenvolvimento social, cultural e até político». Y kel-li pamodi nu ten un «língua di Stadu ki é purtugês y nu ten un língua di sosiedadi ki é kriolu», es últimu ku un prezénsa kuazi ki klandistinu na sistéma di ensinu, na adiministrason, na literatura, na komunikason sosial y na tudu situasons formal di komunikason.
Óra, si kriolu é língua di sosiedadi y di spasus di identidadi, pamodi ki el ta kontínua klandestinu, sen fasilidadi y real posibilidadi di lé mundu, na sistémas di edukason y na spasus di formalidadi?
Livru di João Rosa é un kistionamentu y un propósta di soluson relasionadu ku klandistinidadi formal di nos língua y ku direitus kultural ki própi Konstituison di Repúblika ta konfiri-l, na artigu 79º, 3, alínea f, undi sta prétu na branku, ma stadu debe «promove diféza, valorizason y dizenvolvimentu di língua matérnu kabuverdianu y insentiva si uzu na komunikason skritu».
Antis di N entra na aprizentason di análizi di autor, N ta gostaba di ripiti un di kes dés razon pa studa kriolu ki nu aprizenta na abertura di Mestradu di Kriolístika y Língua Kabuverianu, na Novénbru di 2010. Na es abertura, N flaba ma nu debe studa kriolu, valoriza statutu di língua di sosiedadi ki dja el ten, dizenvolve statutu di língua di Stadu ki el sa ta meste, pa el pode lé mundu konsientimenti y livrimenti, dja ki, pa lén di el ser língua di nos identidadi, el é, igualmenti, língua di nos Nason Global. Na verdadi,Pamodi el é Língua di nos Nason Global:
· Kabuverdi é mutu más ki «dés granzinhu di Téra». El é un Nason Global ta «rola na mapa di mundu».
· Na es dés ilha, «dés speransa y dés sertéza», nu prende símia kultura y kodje nos identidadi, sobritudu na língua di téra.
· Na mapa mundi, nu prende símia fraternidadi y kodje solidariedadi: di pãu, sifrãu y funéma[1].
· Na Fransa, nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia fransês, y nos umanismu é franko-kriolu.
· Na Portugal, nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia purtugês, y nos umanismu é luzo-kriolu.
· Na Senegal, nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia wolof, y nos umanismu é senegalo-kriolu.
· Na Olanda nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia olandês, y nos umanismu é kriolo-neerlandês.
· Na Mérka nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia inglês, y nos umanismu é merkano-kriolu.
· Na Angola, na Mosanbiki, na S.Tumé, na Giné-Bisau, nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia purtugês, y nos umanismu é afro-kriolu.
· Na Dinamaarka nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia dinamarkês, y nos umanismu é dano-kriolu.
· Na Brazil nos é kriolu, mas tanbe nu ta pâpia brazileru, y nos umanismu é kriolo-brazileru.
· Na Kabuverdi nu ta vive y nu ta transmiti nos identidadi, sobritudu, na kriolu, mas tanbe nu ta konvive ku purtugês, y nos umanismu é kabuverdianu, un kabuverdianu sen fronteiras di umanismu.
· Si nu rapara dretu, na mapa mundi y na Nason Global, kriolu é sima sangi na korpu umanu, e ta alimenta tudu sélula di Nason, y é, omesmu ténpu, elementu di unidadi y di singularidadi di es mesmu Nason. Nton, ka ta fase sentidu ki kriolu ser apénas língua di sosiedadi, el meste ser, el ten ki ser, língua tanbe di Stadu, mas sen ndjutumentu pa otus língua di globalizason.
· Y kel-li pamodi na mundu, nos é kabuverdianu, nu ta komunika na kriolu y na línguas di globalizason, nos umanismu é formatadu pa un «pensar global» ku pé finkadu na nos téra, undi marka di Kabuverdi y di kabuverdianidadi ta sta karapatidu na tudu gramátika y sintasi di nos vivénsia.
· Y, si «dja ka ta disdja», studa y valoriza kriolu ten ki ser un dizígniu nasional. Un inperativu di Nason Global. Ka ten tadju. É pa ka ten própi!
Mas nos nu sabe ma kriolu, na spasu di formalidadi sta inda kuazi ki klandistinu, sima Magnifiku Reitor skrebe na prefásiu di livru, y autor João Rosa ta ben dimonstra un verdadi ki ta duê, mas ki nu ka pode nega:
«Cabo Verde, como Estado de Direito, precisa, ironcamente, partir das experências de pessoas no estrangeiro, que trabalharam intensamente durante as últimas décadas para utilisar o sistema ortográfico como meio de ensino e de aprendizagem e que obtiveram marcado êxito. Para muitas pessoas e instituições no exterior, onde o português carrega menos capital cultural dentro da matriz das relações linguísticas, o crioulo cabo-verdiano tem sido utilizado como meio de alfabetização e de desenvolvimento educativo» p. 127.
Es afirmason di João Rosa ta leba-nu pensa na «mala di emigranti» di poéta Jorge Barbosa. João Rosa pode ka traze-nu pa Téra nin oru, nin prata, nin dólar, nin euro; mas e traze-nu u-ki ten más valor ki oru y ki dólar. E traze-nu dizafiu di prokura lé mundu na língua di nos identidadi; e traze-nu kultura, traze-nu siénsia, e traze-nu un análizi di situason linguístika fetu na três laboratóriu inportanti di nos Téra: na Santiagu, na S.Visenti y na Brava. E traze-nu pa nu basta sedi, si nu krê, agu frésku di fonti undi e bebe, na karman y na kanéka di un Universidadi merkanu, undi el studa, undi el prende ama y adimira si Téra, si Povu y si Língua.
Na análizi di João Rosa, na kes três laboratóriu ki dipariba nu rafiri, e distingi três piríudu stóriku: un piríudu kolonial, antis di 1975; un piríudu di tranzison ki ta bai di 1975 a 1990; un piríudu di atualidadi ki ta bai di 1990 ti gósi.
Pa análizi di kes três piríudu la, el fase entrevistas y inkéritus, el promove dibatis, el investiga na dokumentus di arkivu, sobritudu jornais y, inda, el obiserva konvivénsia di kriolu ku purtugês na salas di aula na Santiagu, na S.Visenti y na Brava.
Prof. João Rosa entrevista pesoas di jerason diferenti: kes ki vive na époka y na sistéma edukativu kolonial, ki vive na sistéma edukativu di tranzison y ki vive y sa ta prende na sistéma edukativu di momentu atual. Entrevistadu más bédju, di époka kolonial, tinha 66 anu; entrivistadu más bédju di époka di transison tinha 36 anu y entrevistadu más nobu tinha 18 anu. Matéria di entrevista, di dibati, di obiservason na salas di aula ô di piskiza arkivístiku, na kes três ilha ki dja nu pâpia di el, éra: lugar ki kriolu y purtugês ta okupa na spasus di identidadi y di formalidadi; prublemátika di ofisializason di kriolu, na kontestu di variantis ki ta izisti; prezénsa di kriolu y di purtugês na salas di aula; kriolu y purtugês komu indikdor di klasi y sínbolu di poder, na kes três laboratóriu di obiservason: Santiagu, S. Visenti, Brava.
KONKLUZONS di Análizi di João Rosa:
1) Kriolu, pa tudu banda, é língua di identidadi y di informalidadi; y purtugês é língua di formalidadi, di poder y di statutu sosial di grandésa. Na Santiagu, mesmu na aulas, pontualmenti, pofesoris ta pirmiti uzu di kriolu. Déntu di salas di aula alunus ta pâpia ku profesor na purtugês, mas entri alunus língua uzadu é senpri kriolu. Na spasus di informalidadi, sima na adiministrason, alunus ta uza purtugês pa pode ser ben atendidu. Na S.Visenti, uzu di purtugês é más alargadu, tantu na salas di aula komu na spasus di formalidadi, sima na adiministrason, na prokura di enpregu y na relason ku algen di ruspetu. Na Brava, uzu di purtugês é más restritu. Es uzu ta restrinji sobritudu na aula di purtugês. Na tudu otus spasu, di informalidadi ô di formalidadi, uzu di kriolu é natural.
2) Relativamenti a problemátika di ofisializason di kriolu, na kontestu di variantis, investigason di João Rosa ta konklui: Pa jerason di ántis di Indipendénsia, di un fórma más spresivu, ofisializason é un disperdísiu y mesmu un retrosésu. Y kel-li pamodi é ka pratikável ofisializa 9 variantis di kriolu. Na es partikular, João Rosa ta sita Henrique Teixeira di Sousa ki nu artigu puplikadu na Terra Nova, di Dizénbru 2004, e ta flaba ma ofisializason di kriolu ta raprizentaba: « um salto no esscuro com consequências complicadas ... Se o crioulo fosse decretado língua oficial, seria apenas um acto honoris causa, porque o português continuaria ad aeternum, a usar a insígnia de oficial, mesmo que despromovido pelo ecreto-lei… Podiam dizer: escrevam em crioulo! Qual dos crioulos? O de Santo Antão, o de Santiago ou o de Santa Luzia?... O português é o nosso sermo eruditus e o crioulo o nosso sermo vulgaris. Então deixem-nos como estamos, porque estamos bem».
Es pozisionamentu di autor di Ilhéu di Contenda ta fase-nu lenbra un afirmason di uma ilustri diputada ki duranti dibati parlamentar di revison konstitusional di 1999, el afirma, katigórikamenti, ma «ofisializason di kriolu ta raprizenta un retrosésu sivilizasioal pa Kabuverdi».
Nu debe fla inda ma persepson di ofisializason, sobritudu fóra di Santiagu, é ma varianti di Santigu, konssideradu más pértu di Áfrika, é kel ki ta ben ofisializadu, en detrimentu di kes otu. Y kel-li, apezar di ka ten ninhun diklarason ofisial na kel sentidu la, é un di kes prinsipal obijeson pa ofisializason di kriolu.
3) Relasionadu ku prezénsa di kriolu y di purtugês na salas di aula, trabadju di João Rosa ta leba-nu konklui ma, na Brava, prezénsa di kriolu é dominanti y é permitidu mesmu na salas di aula. Purtugês é uzadu sobritudu na aula di purtugês. Na S. Visenti kriolu ta okupa sobritudu spasus di informalidadi y purtugês é utilizadu na aulas, na relasons ku profesor, na buska di enpregu, na adiministrason (óki relason é formal).
4) Autor ta papia-nu, tanbe di utilizason di língua y d kursu akadémiku komu manifestason di klasi y di poder. Na tudu spasu di análizi di autor, uza purtugês, txeu bês, ta raprizenta formalidadi y ruspetu, mas tanbe manifestason di klasi supirior. Otu indikador di poder, di grandésa y di klasi supirior, partikularmenti na Brava, é nível di kursu akadémiku y algen más inportanti é kel ki ten un kursu akadémiku.
Pa ilustra forsa identitáriu di nos língua matérnu y di nisisidadi urjenti di, pa alén di el ser língua di sosiedadi, el ser tanbe língua di Stadu, di siénsia y di sistémas di ensinu, João Rosa ta ralata-nu un di kes obiservason ki el fasi na un sala di aula na ilha di Santiagu:
« Entrei na sala di aula e alguns estudantes estavam a discutir quetões de física no quadro... como sempre e sem surpresa o código consistentemente utilizado era o crioulo... Edith [a professora] entra e os estudantes continuam a falar [em crioulo]. O estudante angolano é o único que fala português... De longe em longe, ouço os estudantes a dizer p’sora (contracção de professora) e não posso evitar de pensar que fora do contexto escolar, provavelmente estes estudantes têm uma interacção limitada, se é que têm alguma com o português. Aqueles que realmente são capazes de falar a língua com certa fluência, aprende-no em casa e não no ambiente escolar», p. 98.
Y si es konstason di Prof. João Rosa é régra y non isseson, anton nu pode fla ma ma situason é preokupanti.
Kel-li signifika ma nu meste pô kriolu ku purtugês, tudu dôs, língua di sosiedadi y língua di Stadu, na Kabuverdi. Y autor ta tirmina ku un krítika fórti, mas pozitivu, óki el ta fla:
«A força esmagadora do crioulo como meio de expressão a todos os níveis da sociedade cabo-verdiana não pode ser negada. No entanto, na esfera educativa essa força é restrita, pois, por motivos políticos, há a exigência de que os estudantes comuniquem apenas em português... a política de língua na esfera educativa parece favorecer muito as classes mais altas que normalmente têm acesso às experiências estruturadas que requerem a utilização e a prática do português. Embora a política nacional pareça estar no caminho certo, com tentativas para oficializar o crioulo cabo-verdiano... é pouco provável que essa oficilização ... seja suficiente a longo prazo. A oficialização do crioulo não erradica imediatamente o reconhecimento sistémico e histórico da diferença de poder entre estas línguas, nem garantiria o ajuste social aos mandatos legais. Para ter efeitos a longo prazo, uma política de oficialização teria de ser acompanhada por uma vasta implementação de condições estruturais direccionadas para a valorização do estudo e do uso do crioulo em todos os campos sociais», p. 125.
Y si polítika linguístiku ka bai na sentidu di un efetivu afirmason y valorizaso di kriolu, nu pode fla, autor ta konklui, ma Stadu ka sa ta kunpri si papel di «kria un sidadania kapás di di lé mundu», p. 125.
Nu ta tirmina ku es xamada di atenson pa pulítika linguístiku di país. Nu ka pode fika iternamenti ta fla ma kondisons ka sta kriadu. Tudu kondison nunka ka ta pode kriadu, tudu di un bês. Ensinu y valorizason di kriolu, pa entidadis konpetenti, debe ser feitu a kurtu, médiu y longu prazus. Anton, nu komesa ta planifika y ta konkretiza a kurtu, médiu y longu prazus.
Pa autor di livru, ta fika rejistadu nos agradisimentu y nos rekonhisimentu pa kontributu na es kanpu di afirmason y valorizason di nos língua; aliás es agradisimentu ta stende pa tudu diáspora, partikularmenti pa diáspora na Mérka undi utilidadi di kriolu é vizível na ensinu, na investigason, na traduson, na Ospital y na Tribunal.
Si Kabuverdi ta atxa ma izénplu di mérka é poku, e debeba toma otus izénplu sima kel di ilhas Maurícias ô di Seychelles, undi kriolu é ofisializadu y e ta studadu na sistéma di ensinu; ô, anton, izénplu di Curaçau undi papiamentu sta ofisializadu, é uzadu na ensinu y na meius di komunikason sosial y, sobritudu é ezijidu komu elementu kurikular na kareira di ensinu, na tudu nível.
Na dia ki nu mostra ma kriolu é útil nãu só na sfera identitáriu, mas tanbe na sfera di informalidadi; na dia ki nu ser kapás di torna putugês língua di informalidadi, sen ki el perde statu di língua ofisial, na es dia, si nu ka konsigi un paridadi konplétu, nu ta konsigi un situason di sidadania lingístiku tantu pa kriolu komu pa purtugês. Y kel-la debe ser nos distinu, un distinu ki debeba tanbe ser un dizígniu nasional.
Es konkluzon-li, dja ten un monti di ténpu ki tékinikus tra, falta polítikus pa ser más aténtu y más konsekuenti. É ka normal fase kanpanhas eleitoral só na kriolu, pamodi é na el ki midjór ta veikuladu y ta diskodifikadu mensájens, y óki txiga óra di rekonhise sidadania di kriolu ben ku diskursu kansadu ma kondisons inda ka sta kriadu.
Ta txiga óra, y ka sa ta dura, ki eleitoradu ta ben iziji ki polítikus ser koerenti y konsekuenti ku ses atitudi: en matéria di pulítika di língua, en matéria di rekonhisimentu di sidadania pa língua di nos identidadi, pa língua di nos kultura, pa língua di nos vivénsia di tudu dia y di tudu óra.
Boby Marley, sitadu pa João Rosa, ta flaba ma el e ka ten instruson, mas ma el ten inspirason, y pur isu el é ka tolu. N ta spera ma nos, ku instruson, mas tanbe ku inspirason, nu ka ta ser nin tolu, nin malkonxedu, pamodi oxi dja nu ka é más flajeladus di béntu di lésti.
Y, sima Ovídio Martins ta flaba, « ... nu ta móre y nu ta ressusita tudu anu/ Pa dizispéru di kenha ki krê inpidi-nu/ di anda/ Teimozamenti nu sta sakédu/ Na un dizafiu dianti di tudu forsas stranhu/ Y séka ku stiájen dja ka ta mete-nu medu más/ Pamodi dja nu diskukri nos oríjen, nos kabésa» ( O. M., 1962,Caminhada, Lisboa, CEI, trad. livri).
É ku konsiénsia trankadu na petu ki nu ten ki transforma kriolu di língua apénas di sosiedadi na língua tanbe di Stadu, ki nu ta rakonhise si sidadania, «un sidadania kapás di lé mundu na língua di téra». Kel-li é grandi mensájen di livru di Prof. João Rosa. Nhos lé-l ku razon, mas tanbe ku kurason, y un nobu azágua kultural y linguístiku ta kontise, sa ta kontise, na txon di nos téra. Muitu obrigadu
Praia, 15 di Marsu di 2011
Manuel Veiga
Kordenador di Mestradu di Kriolístika y Língua Kabuverdianu na Uni-CV
O MEU TESTEMUNHO
Com a recente remodelação governamental, pessoas de vários quadrantes se têm interrogado sobre a real motivação da minha demissão.
Num aspecto, quase todos estão de acordo: a demissão é mais uma distinção do que uma punição. Com efeito, para uns, o Governo não é o único lugar onde Manuel Veiga pode dar o que de melhor tem e sabe. Por isso, a sua saída poderá significar um novo desafio. Para outros, o Governo é um lugar transitório e é sempre salutar a passagem do testemunho, o que é bom para a democracia , mas também para incentivar novas ideias, novas dinâmicas e novas pragmáticas; há os que entendem que o menos bom nessa demissão é o timing escolhido, na medida em que tendo acontecido no seguimento do não reconhecimento , pela oposição parlamentar, do estatuto de oficialidade à língua caboverdiana, poderá isto significar uma derrota política para Manuel Veiga, já que ele tem sido um dos rostos mais visíveis, em Cabo Verde, em matéria da afirmação e valorização da língua caboverdiana (LCV); opiniões há, ainda, que acreditam que Manuel Veiga foi vítima de lobbies que temem ou que condenam a actual política governamental que vai no sentido da dignificação da LCV, a língua que mais e melhor corporiza, veicula e especifica a singularidade cultural e identitária do povo cabo verdiano.
É possível que todas essas asserções tenham algum fundo de verdade. Do meu ponto de vista, o meu ciclo, como Ministro da Cultura, chegou ao fim. Por isso, encaro a minha saída com tranquilidade, com normalidade. Duvido que algum interesse escuso tenha precipitado a minha saída. Mas, se porventura esse interesse chegou a existir e estiver ligado à negação da conquista da dignidade para a língua do nosso quotidiano ambiental e identitário, então teria que sentir-me recompensado com esta saída. Na verdade, o soldado que morre na frente de batalha, em defesa da pátria, se não for considerado um herói, deve, pelo menos ser tido como um patriota.
Os meus críticos têm afirmado que, como Ministro da Cultura, dei atenção quase que exclusivamente ao ALUPEC e à problemática da LCV. Acontece que nos cinco anos e quatro meses que estive no elenco governamental, apenas contribuí para aprovação das Linhas Estratégicas para a Afirmação e Valorização da Língua Caboverdiana (Resolução 48/2005); dei ainda o meu contributo para a aprovação do Alfabeto Caboverdiano (Decreto 8/2009); a institucionalização do Prémio Pedro Cardoso, para incentivar a criação em LCV, contou também com o meu impulso e aprovação.
Devo confessar que no meu consulado, como Ministro da Cultura, as questões linguísticas constituem uma gota de água no oceano imenso das muitas outras acções levadas a cabo. Para a avaliação dos leitores, aqui fica o registo de algumas das importantes actividades culturais do meu consulado e que não podem ser substimadas:
· A Cidade Velha, metáfora de Cabo Verde, alcandorou-se ao estatuto de Património da Humanidade. Trata-se de um dos acontecimentos mais importantes da nossa história recente, na medida em que esse estatuto significa o reconhecimento internacional da nossa crioulidade, da nossa antropologia e da nossa história. Nós que éramos um ponto, quase que invisível, no mapa, hoje somos, cada vez mais, uma referência nos palcos da globalização. E o estatuto de património mundial vai densificar e optimizar a imagem de Cabo Verde.
· No domínio da recuperação do património histórico, nunca se fez tanto em Cabo Verde, com a intervenção ou a comparticipação do Governo a que pertenci. Os exemplos abundam: a recuperação de várias unidades hitóricas na Cidade Velha; a recuperação de algumas Igrejas, como a de Nossa Senhora da Conceição, no Fogo; as Igrejas de Nossa Senhora do Rosário da Ribeira Grande de Santo Antão e da Ribeira Brava, em S.Nicolau; a Capela de Trindade; a Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Assomada; a recuperação, em curso, do ex-Orfanato de S.Nicolau, para a instalação de uma Casa de Cultura; a recuperação, já na fase final, de uma Casa de Morgado, em Chã de Tanque, para Museu da Tabanca; a recuperação, já na fase final, da Alfândega Velha da Boavista, para Centro Cultural; a recuperação, já na fase final, da Capitania Velha (réplica da Torre de Belém), no Mindelo, possivelmente para a instalação de uma galeria de música; a recuperação do Campo de Concentração do Tarrafal para Museu da Resistência e da Liberdade. Ainda no domínio do património, foram criados o Museu da Arqueologia e o da Arte Tradicional. Deixo ainda inscrita no Orçamento de Estado, para 2010, uma verba de alguns milhares de contos para amortizar a compra da casa onde viveu Amilcar Cabral e algum terreno adjacente, para a criação de um grande compexo cultural.
· No Domínio de Planos Estratégicos, deixo em curso, com financiamento garantido, o Plano Estratégico para o Desenvolvimento Cultural e o Plano Estratégico para o Desenvolvimento da Economia da Cultura, no seguimento das recomendações do Fórum sobre a Economia da Cultura, realizado em 2007.
· No Domínio da Preparação da Cultura para Novos Desafios, foi recentemente aprovada a nova Orgânica do Ministério da Cultura onde as grandes novidades são: o surgimento de uma Direcção Nacional da Cultura para propor estratégias culturais e fiscalizar a sua implementação, certificar produtos culturais, reconhecer quem é quem na arte, propor medidas legislativas e incentivos, como ainda coordenar a formação na área da cultura. Na Orgânica figura ainda a criação da Agência de Promoção Cultural para dinamizar e valorizar não só os aspectos simbólicos e identitários da nossa cultura, mas também preparar a cultura para o mercado da arte. A Orgânica prevê ainda a fusão do Instituto do Arquivo Histórico Nacional e o da Biblioteca Nacional. Pela primeira vez, a cultura passa a ter quatro Delegações Regionais, uma em S.Vicente, devendo cobrir as ilhas de S.Nicolau e Santo Antão; outra no Sal, devendo cobrir a Boavista; outra no Fogo, cobrindo a Brava; e outra em Assomada, cobrindo todos os Concelhos do interior de Santiago e Maio.
· No Domínio da Investigação, foram publicadas importantes obras de referência como: a História Concisa de Cabo Verde; Cabo Verde – 30 Anos de Cultura; Kab Verd Band; O Ano Mágico de 2006 – Olhares Restrospectivos sobre a História e a Cultura Caboverdianas; A Construção da Identidade Nacional; Em Busca da Nação; A Construção Social do Discurso Educativo em Cabo Verde (1911-1926) – UM Contributo para a História da Educaçção; Africanidades versus Europeismos – Pelejas Culturais e Educacionais em Cabo Verde; In Memória de João Lopes; Cabo Verde e as Artes Plásticas – Percurso & Perspectiva; Cartografia Antiga de Cabo Verde. Também no prelo se encontram, com financiamento garantido, as Actas do Simpósio Internacional sobre o Cinquentenário da Revista Claridade - 1986; as Actas do Simpósio Internacional sobre a Geração Claridosa Centenária – 2007; Claridade na Palavra dos Outros, uma colectânea de textos espalhados em jornais, revistas ou comunicações; Textos Avulsos de Baltasar Lopes; Testemunhos sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, em dois volumes. Em curso um estudo sobre a olaria tradicional e um outro sobre a cimboa.
· No Domínio dos Incentivos: Aumento do montante do Grande Prémio Cidade Velha para dois milhões de escudos; criação de vários prémios, como Pantera – Descoberta de Talento Jovem, no montante global de um milhão e trezentos mil escudos; Prémio Pedro Cardoso, no montante de um milhão e duzentos mil escudos, no domínio da valorização da língua caboverdiana. Ainda a institucionalização de Bolsa de Criação Cultural, no montante de um milhão de escudos. Foram assinados vários protocolos nas áreas do teatro, da dança, do audiovisual, da formação e da criação de infraestruturas culturais. Um grande número de artistas contou com apoio para digressões, animação cultural, gravação de CDs e edição de livros. O carnaval e as festas de romaria e dos santos populares têm contado com apoios do Ministério da Cultura. Alguns artistas foram sujeitos de homenagem, em vida. O Centro Cultural Ildo Lobo, o Centro Cultural do Mindelo, o Centro Cultural Norberto Tavares e a Biblioteca Nacional mantiveram as portas sempre abertas para exposições, encontros, tertúlias, conferências, espectáculos, aterliers de arte. Note-se que a Escola de Música «Cimboa», do Palácio da Cultura Ildo Lobo, tem à volta de 250 inscritos.
· No Domínio das Tradições Orais, foram organizados vários trabalhos para divulgação, os quais contaram com apoio de patrocinadores para publicação.
· No Domínio Arquivístico, para além da catalogação e recuperação de um leque considerável de documentos, procedeu-se à microfilmagem e digitalização de muitos e variados documentos; foram assinados alguns protocolos com instituições do Estado para a recuperação documental; foram publicadas várias obras de investigação e realizadas várias exposições temáticas em vários Concelhos do País.
· No Domínio do Livro, para além da edição de obras de referências, já mencionadas, há um número considerável de títulos editados. A Biblioteca Nacional acolhe uma média diária de 250 utentes, nos períodos escolares. As feiras do livro, em todos os Concelhos do País, têm sido um prática sistemática e, mesmo no estrangeiro, foram realizadas feiras nos EUA, em Portugal e no Brasil.
· No Domínio da Legislação, para além dos diplomas já referidos no sector da valorização da língua cabovediana, há que referir o diploma da entrada em execução do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa – mediando um período experimental de seis anos; a classificação de diversas unidades do património histórico da Cidade Velha; a aprovação de várias convenções culturais; a institucionalização dos prémios já referidos; a aprovação de um novo Código de Direitos de Autor.
· Colóquios, Fóruns, Mesas-redondas, Efemérides de carácter nacional: Em 2005, o Colóquio Internacional sobre os Estudos Crioulos, em colaboração com o Comité Internacional de Estudos Crioulos, tendo estado presentes mais de 200 especialistas de espaços crioulos ou de universidades onde se estuda um determinado crioulo; em 2007, o Fórum sobre a Economia da Cultura no Debate da Mudança; em 2007, ainda, o Colóquio sobre Cidade Velha – O Futuro do Passado; em 2008, o Colóquio Internacional sobre a Geração Claridosa Centenária; em 2008, ainda, Mesa-Redonda para avaliação do ALUPEC; em 2009, e em colaboração com as Fundações Amílcar Cabral e Mário Soares, o Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal; ainda em 2009, Mesa-Redonda sobre Vida e Obra de António Aurélio Gonçalves. Para 2010, foram programados um Colóquio Internacional sobre Cidade Velha e a Cultura Afro – Mundo: O Futuro do Passado II; uma Mesa – Redonda sobre Cultura e Emigração sob o signo das Referências Culturais das segundas gerações de emigrantes caboverdianos; uma outra Mesa – Redonda sobre as Revoltas Sociais em Cabo Verde, em saudação ao centenário da Revolta de Ribeirão Manuel. O Ministério da Cultura presidiu a Comissão Executiva das comemorações do 30º aniversário da Independência nacional. O Dia Nacional da Cultura, celebrado todos os anos a 18 de Outubro, tem sido festejado em 2006 sob o signo do o seu patrono Eugénio Tavares; em 2007, sob o signo da Claridade; em 2008 sob o signo da música; em 2009, sob o signo das tradições. Tudo indicava que em 2010 seria sob o signo da História.
· No Domínio das Homenagens, vários artistas e criadores foram sujeitos de homenagens pelo Ministério da Cultura. Porém, a homenagem maior que o Governo a que Manuel Veiga pertenceu pretende prestar, no âmbito dos 35 anos da Independência Nacional e dos 550 anos da Descoberta de Cabo Verde tem por sujeito o povo caboverdiano que sempre lutou e sempre venceu: no período escravocrata, no regime colonial, na luta de libertação, nos períodos de estiagem e de fome, durante a emigração forçada, na construção e afirmação do Estado de direito, na construção da boa governança, na consolidação da qualidade de vida e do ambiente. O símbolo da homenagem é um Monumento à Liberdade, cujo concurso foi lançado, sendo Domingos Luisa o artista ganhador, tendo, entre outros, os seguintes termos de referência: «o Monumento deve retratar a história e vivência do povo caboverdiano ao longo do tempo, com referência às várias fases dessa história: a colonização, a escravatura, a emigração forçada, a fome, a estiagem, a luta contra o analfabetismo, a luta armada a independência nacional, a reconstrução do País, a luta para o desenvolvimento, progresso e liberdade. Deve ser um ícone grandioso, à altura da simbologia que representa, isto é, a de uma história sofrida, heróica, de dor e de amor, construída e em projecção. O mesmo deve poder retratar essa história, congregando todos os caboverdianos, de todos os tempos, de todas as idades, de todas as confissões religiosas, de todas as sensibilidades políticas. Monumento deve ser o rosto da Nação Global Caboverdiana».
· Distinções Recebidas – Curiosamente, o ano de 2009 foi o ano em que as críticas foram mais abundantes, mas também foi o ano em que o Ministério da Cultura recebeu mais distinções: O Presidente da República condecorou o Ministro da Cultura com a medalha do Vulcão, pelo contributo dado à elevação da Cidade Velha a Património da Humanidade; o Presidente do IIPC e o Coordenador Científico do dossier de candidatura foram também condecorados com a Medalha de Mérito, pelo senhor PR, pelas mesmas razões; o Governo distinguiu o IIPC, por ocasião do 3º aniversário da VII Legislatura; a Câmara de Ribeira Grande de Santiago distinguiu o Ministro da Cultura como Cidadão Honorário, pelo valioso contributo dado na promoção e valorização da Cidade Velha; o Ministério da Cultura foi distinguido pela Tiver, como um dos rostos de Cabo Verde de sucesso; o Ministro da Cultura foi distinguido pela Associação de Tradução da Bíblia, pelo contributo à causa do crioulo; o conjunto musical Ferro Gaita e a Escola Secundária Fulgêncio Tavares distinguiram o Ministério da Cultura pelos incentivos que tem dado à cultura.
· Em conclusão: Por tudo o que ficou dito, é evidente que não estive no Governo apenas para aquecer a cadeira do poder. Com poucos recursos, realizei muitas coisas boas. Saio contente de ter realizado o que era possível, dentro dos constrangimentos existentes. Porém, saio insatisfeito por ter sido incompreendido por alguns sectores e por não ter podido satisfazer a grande expectativa do mundo artístico que é do tamanho do mundo, quando o orçamento da Cultura não chega a 1% do OE. Apesar de tudo, saio sem mágoa, sem ressentimento, com a consciência tranquila de ter procurado fazer o melhor, com responsabilidade, entusiasmo e amor.
Na Óra di bai, queria fazer três agradecimentos: à minha família, que sempre me apoiou e que representa a fonte de grande parte das minhas energias; aos meus colaboradores, que acreditaram em mim e juntos colocámos a nossa pedra no edifício cultural de Cabo Verde; ao Senhor Primeiro Ministro, José Maria Neves, que, em 2006, encontrando-me em recuperação de uma doença grave, não aceitou o meu pedido de demissão, porque acreditava que tinha muito ainda para dar a Cabo Verde, na qualidade de seu colaborador. E eu, que vesti a camisola da cultura para nunca mais tirar, a partir da confiança renovada do senhor PM, e do encorajamento que recebi de vários amigos, sobretudo do Senhor Presidente da República, comecei a sentir que a camisola da cultura se tinha transformado na minha pele, talvês mesmo, no meu próprio sangue.
Por isso, tenho razão mais que suficiente para dizer, hoje, que a cultura curou-me, que ela restituiu-me a vida. Então, o meu reconhecimento maior vai para o Povo de Cabo Verde que me legou uma língua e uma cultura que tanto prezo, e de que tanto me orgulho.
Praia, 8 de Março de 2010
Manuel Veiga
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