ALUPEC Versus Alfabeto Caboverdiano
A
Representação de “Y” Versus “i”
A
Pertinência ou não da Presença do “C” no ALUPEC
1.
ALUPEC
Versus Alfabeto Caboverdiano
Numa feliz iniciativa da
Universidade de Santiago, teve lugar na Cidade de Assomada, de 21 a 22 de Junho
de 2016, uma Mesa-redonda sobre a Escrita da Língua Caboverdiana.
Tive a honra de ser convidado
a participar na efeméride, via video-conferência, a partir de Paris, com uma
comunicação sobre “Prusésu di Skrita na
Kabuverdianu, di Séklu XIX pa Gósi”.
A apresentação da minha
comunicação suscitou algum debate, particularmente sobre a questão do ALUPEC versus Alfabeto Caboverdiano; sobre a representação do “y” versus “i”;
finalmente sobre a pertinência ou não da
presença da letra “c” no alfabeto caboverdiano.
No concernente ao primeiro
ponto, alguém argumentou que, com o decreto-lei 8/2009, de 16 de Março, institucionalizando
o ALUPEC como Alfabeto Caboverdiano, já não faz sentido continuar-se a falar de
ALUPEC.
Por discordar desta afirmação,
devo esclarecer:
a) ALUPEC
é a sigla adotada para o Alfabeto Unificado para a Escrita do
Caboverdiano.
b) O
mesmo foi aprovado, a título experimental, por um período de cinco anos, pelo
decreto-lei 67/98, de 31 de Dezembro.
c) Por
razões várias, o período experimental se prolongou por dez anos.
d) Em
Dezembro de 2008, desempenhando eu, na altura, as funções de Ministro da
Cultura, decidi propor ao Conselho de Ministro a consagração do ALUPEC que, até
então, era experimental.
e) Para
dar maior sustentabilidade à proposta de transformação do ALUPEC experimental em ALUPEC
institucionalizado, o meu gabinete organizou um Fórum com alguns utentes do
ALUPEC (praticantes curiosos, escritores, compositores, professores, linguistas,
investigadores) com o objetivo de se fazer uma avaliação, visando descobrir se
o ALUPEC reunia ou não as condições para passar do estatuto de experimental
para o de alfabeto consagrado.
f) Para
além do grupo acima referido, o meu gabinete promoveu consultas junto de vários
utentes desse alfabeto que não podiam tomar parte no Fórum já referido.
g) O
objetivo da mesa-redonda e das consultas não visava nem uma refundação do alfabeto,
nem uma nova proposta. Visava, tão-somente, um pronunciamento se o ALUPEC experimental reunia ou não as
condições para passar a ALUPEC
consagrado ou institucionalizado.
h) O Fórum
gozava da liberdade de sugerir a consagração sem mudanças; a não consagração
por razões que deveria apontar; a consagração mediante propostas a serem
limadas no futuro, mediante um estudo linguístico e sociolinguístico aprofundado,
por estruturas competentes.
i) De se
sublinhar que a institucionalização do ALUPEC
experimental em Alfabeto Caboverdiano
consagrado não pretendia a mudança de essência, apenas a do estatuto jurídico. O
ALUPEC continuaria a ser um Alfabeto, continuaria a ser unificado, continuaria
a ser um instrumento para escrita do caboverdiano.
j) Ora, não tendo mudado nem a sua natureza,
nem a sua essência, é o mesmo ALUPEC experimental que agora foi consagrado e institucionalizado.
k) Por
tudo isto, não vejo pertinência da proposta de substituição liminar de ALUPEC por
Alfabeto Caboverdiano. Os dois conceitos têm o mesmo conteúdo e finalidade, podendo assim co-existir e serem usados como
expressões sinónimas.
2.
A
Representação de “y” Versus “i”,
O processo da
instrumentalização da escrita do caboverdiano tem aconselhado e praticado muita
prudência e muita ponderação. Aliás, o alfabeto proposto em 1979 esteve em fase
experimental, sem aprovação, durante dez anos. Em 1989 foi objeto de uma
mesa-redonda que aconselhou a sua refundação. A mesma mesa-redonda não se
sentiu com legitimidade e condições para introduzir alterações. Prudentemente,
aconselhou a criação de uma Comissão Consultiva de avaliação que, por sua vez,
aconselhou a criação de uma estrutura competente e pluridisciplinar para
estudar a questão e propor as mudanças que se impunham. Essa estrutura seria
criada em Novembro de 1993 sob o nome de Grupo
de Padronização do Alfabeto. Depois de seis meses de reflexão e de produção
de estudos sobre a matéria, esse Grupo viria a entregar ao Governo de então o
resultado do seu trabalho em Abril de 1994. O
Governo levou quatro anos sem se pronunciar e só viria a aprovar as Bases do Alfabeto Unificado para a Escrita
do Caboverdiano em 1998 (ALUPEC),
mas somente a título experimental. O horizonte dessa experiência deveria durar
cinco anos. Porém, somente dez anos depois, isto é em 2008, foi criado um Fórum
com objetivo muito específico: o de avaliar se o ALUPEC experimental tinha condições para ser consagrado ALUPEC institucionalizado.
O Fórum não tinha por
objetivos a introdução pontual de alterações nas Bases do Alfabeto Unificado
para a escrita do Caboverdiano. Com efeito, o Fórum não tinha por finalidade nem a instrumentalização, nem a padronização pontuais. Dele se esperava tão-somente o pronunciamento sobre se as condições estavam ou não reunidas para a transformação do ALUPEC experimental em ALUPEC institucionalizado.
Como disse já, o processo de instrumentalização
da escrita tem aconselhado e praticado muita prudência e ponderação.
O Fórum podia, sim, não
estando de acordo com algo que vem estipulado no ALUPEC, recomendar que, em estruturas
competentes, criadas para o efeito, fossem aprofundadas as propostas de alteração
que, eventualmente, esse mesmo Fórum indicasse.
É nesta base, e decorrente de
algumas das conclusões do Fórum, e das consultas havidas, que, na qualidade de
então Ministro da Cultura, propus à consideração do Conselho de Ministros o que
consta do decreto-lei 8/2009, de 16 de Março, nomeadamente o ponto quatro do preâmbulo,
nos seguintes termos:
“Dez anos após a aprovação do ALUPEC, foi realizado, em
Dezembro de 2008, um Fórum para a avaliação desse modelo de escrita, durante o
percurso feito e para perspectivar os caminhos do futuro.
O Fórum que reuniu vários utilizadores do ALUPEC (Linguistas,
professores, escritores, tradutores...) chegou às seguintes conclusões:
1. Que o ALUPEC é um instrumento útil e funcional para
a escrita na língua caboverdiana;
2. Que se deve criar incentivos para a
escrita do ALUPEC;
3. Que se deve
criar um Instituto Autónomo ou uma Academia para se ocupar da problemática da
língua caboverdiana (sublinhado meu).
4. Que a
padronização da escrita deve ser um caminho sempre em aberto, onde se
privilegia a ciência, o consenso e o bom senso, sujeitos à avaliação e
adaptação periódicas. Nesse sentido,
deve-se continuar a aprofundar a questão da acentuação e do til, bem como a
representação da constritiva velar nasal Ñ, do Y e do LH (sublinhado meu).
5. Que o ALUPEC
- pela funcionalidade e utilidade demonstradas; pelo interesse académico,
social e cultural de que tem sido objecto; pela plasticidade na representação
de todas as variantes da língua; por não ter tido a concorrência de nenhum
outro modelo alfabético sistematizado e consistente - deve ser instituído,
definitivamente, como Alfabeto Cabo-Verdiano” (sublinhado meu).
Face ao que vem estipulado nesse
decreto-lei, particularmente no ponto 4 do preâmbulo, acima referido, e no
artigo 3º, segundo o qual “O
Governo promove as medidas necessárias com vista ao aprofundamento do estudo
científico e técnico do alfabeto, ora instituído, e à padronização da escrita
nele baseada”, não vejo espaço para se duvidar da pertinência e das boas intenções do
diploma ou então para se pensar que o Governo traiu as propostas do Fórum.
Devo concluir este ponto
dizendo que assumo inteira responsabilidade do formato e do conteúdo da
proposta que mereceu a aprovação do Governo.
Mais como técnico do que
como Ministro, não podia aceitar, porque não era objetivo do Fórum, a
introdução de alterações, alterações essas que nem sequer gozavam de suficiente
e adequada fundamentação, nomeadamente quanto à substituição de “y” por “i”, na representação da coordenada copulativa, uma representação
que vinha desde a proposta de 1979 e que foi sancionada e praticada por um
grande número de utentes do ALUPEC, de 1979 a 2008, sem contestação formal.
De sublinhar que o Fórum
apresentou duas razões para a alteração proposta e nenhuma delas com fundamento
suficiente. O primeiro fundamento, de ordem linguística, dizia que a
representação deveria ser “i” porque,
na escrita com base no ALUPEC, a um som corresponde um grafema e vice-versa.
Ora se é “i” o som, o grafema também
deveria ser “i”. O segundo
argumento, de carácter sociolinguístico, dizia que se o sistema se prima pela
biunivocidade, escrever “y” e
pronunciar “i” criaria confusão na
cabeça das crianças.
Disse atrás que os
argumentos não eram suficientes. Na verdade, apenas tendencialmente há, no
ALUPEC, a correspondência entre o som e o grafema. Por exemplo, em “más txeu” e em “más algen”, no primeiro “más”
o som é [s] e no segundo o som é [z]. Sendo o nosso alfabeto de base
fonológica, em ambos os casos o fonema é [s]
e o grafema é, também, “s” e não “z”.
Além disso, o ALUPEC
comporta dígrafos (tx, dj, nh, lh), o que contraria o sistema de representação
“uma letra / um som”. Daí que seja
falacioso considerar-se que no ALUPEC há sempre a correspondência “uma letra/um
som”.
Quanto à confusão
provocada nas crianças, não vejo como a
representação apenas de um som e de um grafema possa criar tamanha confusão.
Em aprendendo e apreendendo as razões por que se escreve “y” ou “i”, e em que
circunstâncias, o problema fica desde logo resolvido.
Na minha perspetiva,
poderá haver muito mais confusão escrever com o mesmo grafema “i” a conjunção coordenada copulativa “y”, a vogal “i” e a terceira pessoa do singular do presente de indicativo do
verbo ser que, na Ilha do Maio, se realiza também “i”: “mi i bon” (mi é
bon).
Curiosamente, a
representação “y” acaba sendo pedagogicamente
recomendável. Na verdade, sabendo que quando o “y” aparece numa frase ou numa expressão é sempre e sistematicamente
conjunção coordenada copulativa sindética, o magistério, nesse particular, fica
facilitado e a pedagogia ganha pontos. Por tudo isto, a prudência aconselhava
maior ponderação. Foi o que aconteceu com a aprovação do Decreto-Lei 8/2009, de
16 de Março, nos termos em que se apresenta.
3.
A
Pertinência ou não da Presença do “C”no ALUPEC
A letra “c” não
figura nem na proposta de alfabeto de 1979, nem no ALUPEC de 1998.
Hoje eu defendo a introdução
desse grafema no ALUPEC institucionalizado. Porém, essa introdução só deve ser
consumada quando for ponderada e avaliada por uma estrutura com competência
para tal e aprovada pela instância competente. Uma vez introduzida, a letra “c” só seria usada em situações muito
específicas, abaixo referenciadas.
Na minha perspetiva, a
introdução do “c” é pertinente pelas
seguintes razões:
a)
Para a representação de nomes de pessoas: Cabral, para quem não quiser mudar para
“Kabral”.
b)
Para a representação de siglas já existentes: TACV; CPLP…
c)
Para a representação de símbolos ou de marcas
internacionais: cm, numeral romano
como C, CC (100, 200)…; vitamina C …
d)
Na totalidade das línguas românicas, no inglês
e no alemão o “etc” é representado
com “c”. Em todas essas línguas, ele
é um “idiofone”. Sendo a escrita uma
convenção (que deve primar pela pertinência,
economia, sistematicidade e clareza) considero conveniente que o ALUPEC
institucionalizado ou seja, o alfabeto caboverdiano, adote também o mesmo
idiofone.
Para terminar, devo
acrescentar que o modelo de acentuação no ALUPEC precisa de pequenas
modificações, particularmente na quarta e sexta regras. Essas propostas de
alterações constam da minha comunicação, pelo que não as referirei aqui. Devo
salientar, no entanto, que as alterações propostas só podem vigorar plenamente
após a validação de uma estrutura competente e aprovação pela instância, ela
também com competência para tal.
Junho de 2016
Manuel Veiga