A reestruturação local dá-se
tanto a nível fonético, morfológico e sintático, como também semântico. Há quem
considere essa reestruturação como uma simples simplificação linguística, na
impossibilidade da interiorização, por parte da população subjugada, da
complexidade da língua portuguesa, a língua de dominação.
Neste pequeno estudo,
procuraremos demonstrar que a simplificação é corolário da lei do menor
esforço, uma lei presente na formação e transformação de todas as línguas do
mundo. Há que salientar ainda na formação e evolução da LCV nem sempre as
tendências de evolução em contexto unilingue se verificam linearmente. É que a
LCV resultou de várias línguas, em contextos pluriétnicos e de mudanças profundas
da ecologia dos “crioulisadores”[1].
A pluralidade de contextos de formação pode explicar a pluralidade e, muitas
vezes, a assistematicidade nas transformações operadas. É o caso da negação
“ka” que, normalmente, não poderia ter vindo de “nunca”, já que, na evolução
linguística, normalmente, as sílabas átonas que caem. Porém, a conjugação de
“nunca” com a negação em manjaku (ka), em mankañ (nko), em balanta (kë), em
mandinga (ke) pode justificar a negação “ka” na LCV.
Quanto à lei do menor esforço,
procuraremos demonstrar que essa lei foi determinante na formação da LCV,
sobretudo, quando abordarmos a componente lusitana. De momento, voltemos à
reestruturação local para mostrar que ela, muitas vezes, é mais complexa do que
a primeira vista se pode imaginar. Em grande medida, vamos colher alguns
exemplos do romance Odju d’Agu (Veiga,
2009). Os exemplos vêm acompanhados de um número que corresponde à página onde os
mesmos se encontram no romance, na edição em ALUPEC de 2009, já que a primeira
edição é de 1987 e exibe o alfabeto fonético-fonológico proposto no colóquio
linguístico de Mindelo. Quando não aparece o número de página significa que se
trata de uma frase solta, também elas da responsabilidade do autor destas
linhas.
Em primeiro lugar surge a
unidade que pretendemos demonstrar aspetos da reestruturação local. Segue-se a tradução literal onde o sentido
quase que desaparece. Seguidamente, damos a correspondência logico-semântica na
língua portuguesa. Através desse processo, ficará demonstrado que, mesmo que a
maioria do léxico da LCV provenha da língua portuguesa, o povo caboverdiano pôde
realizar uma verdadeira rutura tipológica, com base nos materiais linguísticos
da língua do dominador e do conhecimento implícito da estrutura das línguas de
substrato, criando, deste modo, uma nova língua.
[1]
Com este termo quero significar os que estiveram na origem da formação do crioulo
caboverdiano, o qual tem o mesmo significado que língua caboverdiana (LCV)
Gostaria de poder contar com os vossos comentários, desde que fundamentados, tanto os concordantes como os discordantes.
ResponderEliminarEu gostaria que o professor Manuel Veiga me explicasse a ultima frase, onde faz alusâo ao surgimento de uma nova lingua. Ja agora, gostaria de me apresentar. Eu sou licenciado em Linguistica Inglesa e atualmente, mestrando em Linguistica Inglesa e Estudos Ingleses Avançados na Universidade Cadi Ayyad, Marrakech -Marrocos. Eu tenho lido alguns dos posts que o professor tem publicado e confesso que detetei alguma confusâo nalguns desses posts. Eu tenho debruçado-me seriamente no estudo da nossa lingua materna " Kriolo - LCV ", e por isso tenho andado frequentemente a visitar o blog do professor e outros autores da promoçâo da nossa lingua. Faço votos, que esta seja a primeira de muitos dialogos e trocas de ideias com o professor.
ResponderEliminarCaro Sidy Manuel
ResponderEliminarQuando falo do surgimento de uma nova língua, estou a referir-me ao aparecimento do Crioulo Caboverdiano ou, se quiser, da Língua Caboverdiana. A mesma tem uma gramática própria (aspetos fonéticos, morfológicos e sintáticos), um léxico cujo material, na sua grande maioria procede da língua portuguesa, ao qual (léxico), na expressão do linguista alemão Jürgen Lang, os caboverdianos insuflaram uma alma nova. Veja, por exemplo, a expressão "mi gó", cujo material linguístico é totalmente português e que não significa nada nessa língua (mim agora). O mesmo não se pode dizer em Crioulo Caboverdiano. Darei conta de tudo isto nos post que, sistematicamente, irei publicando sobre a autonomização da língua caboverdiana, a partir das matrizes africana e lusitana. Se me continuar a ler, encontrará resposta melhor fundamentada à sua questão.