Caro JLHA: Até Abril
de 1979, todos, em Cabo Verde, escreviam com base no alfabeto português, salvo
a escrita do “ka” adotado por um ou outro escritor, de forma não sistemática. Note-se
que a experiência de António d’Paula Brito, de 1988, não era nem conhecida, nem
praticada. Dela tive conhecimento em 1984, quando, pela primeira vez, visitei
os EUA.
No Colóquio Linguístico de Mindelo, realizado na data acima referida, eu, por
ter estudado em França o “funcionalismo” de André Martinet, um dos fundadores,
juntamente com Jakobson e Troubtskoy, da Escola de Praga, sobre a ciência
fonológica, onde vigora o princípio da bi-univocidade fonema-grafema, fiz parte
da Comissão Técnica daquele Colóquio. A mesma Comissão apresentou e advogou um
novo modelo de alfabeto e de escrita para o crioulo, isto é, o de BASE FONÉTCO-FONOLÓGICA.
A proposta foi
sancionada pelo Colóquio. Note-se que a mesma fala de “alfabeto de base
fonético-fonológica”. Isto significa que a escrita, também, seria de base
fonético-fonológica ou seja: deveria ser,
tendencialmente, fonológica, tendo em conta os vários condicionalismos
fonéticos ou, até, culturais que poderiam ir à contracorrente do princípio
fonológico. Note-se que tanto o alfabeto como a escrita resultam da ciência,
mas também do consenso.
Aliás, a aprovação
experimental do ALUPEC, em 1998, com a representação dos sons palatais por “lh,
tx, dj, nh, x, j” só foi possível porque o ALUPEC não é 100% fonético-fonológico,
mas apenas tendencialmente fonético-fonológico.
Ora, este mesmo
princípio poderá justificar o emprego do “e mudo” nas variantes do Norte, sem que isto represente “completa subversão”,
sem que isto gere “grandes disfunções e discrepância”, em
relação ao ALUPEC.
Quanto ao “s” implosivo que, ao Norte, tem a prolação de “x” (lista, pista,
vista…), é o princípio da bi-univocidade grafema/fonema que justifica a
utilização do “s” e não “x”, no contexto referido. O mesmo se deve dizer da representação
“s” e não “j”, em palavras como: “más, ves, vós” e não “maj, vej, vój”.
Como vês, caro JLH,
se há alguém a subverter o ALUPEC, esse alguém não sou eu, seguramente.
Maio de 2021, Manuel
Veiga
NB: Trata-se de uma
resposta que dei ao José-Luís Hopffer Almada que escreveu na minha página do
Facebook de 26 de Maio de 2021 o seguinte post:
“Caro Manuel Veiga creio que a representação
explícita do e mudo nas variantes das
ilhas do Norte de Cabo Verde com e tem um grave senão, qual seja a completa
subversão do princípio biunívoco fonético-fonológicos que presidiu à construção
do alupec, designadamente a cada fonema um grafema, a cada grafema um fonema,
com excepção dos dígrafos dj, tx, nh. Sendo assim, a letra e representaria sons
completamente diferentes e num alfabeto oficial unificado como é o alupec
levaria a grandes disfunçoes e discrepâncias Penso pois que esse tipo de
compromissos é inaceitável. Sendo possível escrever as variantes do Norte sem
sacrificar a coerência funcional do alupec, penso, como leigo que sou, mas
também como escritor cultor do crioulo e usuário do alupec, que se deve
explorar essas possibilidades todas. Parece - me pois preferível escrever tud
ou tud' ou ainda sapot ou sapot' do que tude ou sapote. Ser fiel a certas
sonoridades das variantes do barlavento cabo-verdiano e, por isso, usar o x em
lugar do s, como emA pixta ou xkola, muito habitual, por exemplo, em Mário
Matos, parece-me sumamente coerente com a base fonético-fonológica do alupec,
embora pessoalmente preferisse o uso do s, como também se usa o m em lugar do n
em, por exemplo, da-m em lugar de da-n, mesmo em se tratando da variante de
Santiago. Abraços”
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