quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Pragmatismo Versus Perfecionismo

 

Há vários anos que uma parte significativa da sociedade caboverdiana vem defendendo a introdução do magistério da língua caboverdina, de forma sistemática e abrangente. E isto, a coberto de dispositivos legais existentes, quais sejam:
1) A Resolução 8/98 que estabelece: “… progressivamente o crioulo caboverdiano será valorizado como língua de ensino”.
2) O Decreto-Lei 67/98 que, no preâmbulo, consigna: “… sendo o crioulo língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial da identidade nacional, o desenvolvimento harmonioso do País passa necessariamente pelo desenvolvimento e valorização da língua materna”.
3) Art. 7º.1 da Constituição da República (CR) que estabelece como tarefa do Estado “Preservar, valorizar e promover a língua materna e a cultura cabo-verdiana”.
4) Art.9º.2) da CR que ordena: “O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”, sendo certo que o que se pretende é a construção da paridade formal e informal entre as duas línguas da República.
5) Art.79º.3 f), igualmente da CR, segundo o qual “para garantir o direito cultura, incumbe especialmente ao Estado: Promover a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna cabo-verdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita”.
6) O Decreto Legislativo 2/2010, de 7 de Maio, sobre as Bases do Sistema Educativo que determina: “O Sistema educativo deve valorizar a língua materna, como manifestação privilegiada da cultura”.
Ora, o ensino do crioulo caboverdiano tem amparo constitucional e legal.
Já na década de 1980 foi introduzido na Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário, mais tarde no ISE (Instituto Superior de Educação), seguidamente na Uni-CV. Esta última instituição não só o introduziu em vários cursos, como, em2010, criou o Mestrado de Crioulística e Língua Caboverdiana, de onde saíram vários/as mestres, alguns/as dos/as quais com o doutoramento, neste momento.
É certo que todas as condições não estavam criadas para a introdução do ensino do crioulo, porém, o ótimo é inimigo do bom. Cabo Verde, se tivesse esperado por reunir todas as condições para começar a lutar pela Independência, estaria ainda hoje sob o domínio colonial.
É preciso ousar; é preciso correr riscos calculados. É preciso sonhar com a perfeição, investindo no pragmatismo possível.
Eu saúdo vivamente a decisão do Ministério da Educação em realizar uma experiência piloto do ensino do crioulo, a partir do 10º ano de escolaridade. Com os ensinamentos colhidos nessa experiência vai-se poder generalizar o ensino do crioulo com mais segurança.
Como alguém que sempre lutou pela causa da afirmação da nossa língua materna, tendo participado no Colóquio Linguístico de 1979; no Fórum de Alfabetização Bilingue de 1989; alguém ainda que presidiu o Grupo de Padronização, de onde saiu o ALUPEC; alguém que assessorou o Governo no dispositivo legal que aprovou, experimentalmente, o ALUPEC e na institucionalização do Alfabeto Caboverdiano; alguém que coordenou o Mestrado de Crioulística e Língua Caboverdiana; alguém que já escreveu várias obras em crioulo e sobre o crioulo (gramática, dicionário, romances, ensaios vários, tese de doutoramento, estudo sobre Formação do Crioulo – Matrizes Originárias)
Julgo ter legitimidade para me pronunciar sobre o projeto de ensino piloto preconizado pelo Ministério da Educação.
E o meu pronunciamento vai no sentido de apoiar o projeto, recomendado que, na medida do possível, haja a preocupação de se procurar a melhor solução, com pragmatismo, realismo, responsabilidade e amor à Terra, à Pátria e à Caboverdianidade.
Se o meu percurso me der legitimidade para pedir algo ao meu povo, em matéria de valorização do elemento mais determinante da nossa identidade, eu pediria que, com sentido de responsabilidade e de realismo, ajuntemos as mãos para a concretização de tão nobre tarefa.
Que tenhamos como preocupação procurar a solução de problemas e não criar mais problemas.
Caboverdianamente,
Manuel Veiga,16/11/2021
Jose Luis Hopffer Almada, Marciano Moreira e 16 outras pessoas
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