segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Texto do Prof. Daniel Medina na apresentação de A Palavra e o Verbo de MV

A palavra e o Verbo.

Minhas senhoras e meus senhores,
Palavra de honra que custa. Custa sempre. Arrancar da caneta ou do computador, da verve de escrita ou da vontade ou obrigatoriedade de plasmar no papel algumas ideias rascunhadas pelo cérebro, por vezes, é um trabalho hercúleo. Pelo menos nos primeiros momentos.
Creiam que é uma angústia. As palavras não coopera
m. Juntam-se contra nós num complot. Ameaçamo-las e empurramo-las, mas não saem. Por vezes parece que têm vontade própria. E têm, podem ter a certeza. Quem trabalha ao lado delas sabe-o muito bem Tornam-se fugidias e fugitivas. Apetece desancá-las com epítetos musculados, mas, no fim, no fim mesmo, compreendemos que elas gostam mesmo é de jogar. Quando deixamos de correr atrás delas, vêm de mansinho encostar-se no dengo ainda tenso do intelecto, para depois insinuosamente deslizarem para a ponta dos dedos e, depois para o papel. Caprichosas e atrevidas, diria alguém nesta sala acerca das palavras. 
Penso que outros com mais competentes e clarividentes, chegaram há muito a esta conclusão. É que isso vem fazendo história e se repetindo desde o início do sonho dos tempos.
Sim. No princípio era o verbo. Lembram-se?
Numa tradução direta do grego para o português, “no início era a Palavra, e a Palavra esta com (em direção a) (o) Deus, e Deus era a Palavra. Por outro lado, traduzindo do latim para o português, “no princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus (ao lado dele) e Deus era o Verbo.
Qual nasceria em primeira instância? Sendo as duas sinónimas, uma conceitua, outra conjuga-se para a dinâmica que há porvir das intenções, nos pensamentos germinantes, nos anseios do que há de se escrever, de se materializar, no tempo (verbal), com o olhar ou os sentidos no sincronismo ou diacronismos que o espaço se lhe permitir na estrada desta vida.
No princípio criou Deus os céus e a terra.
O apóstolo João inicia seu relato sobre a vida de Jesus Cristo com esta declaração: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
O VERBO é  palavra que faz acontecer, é ação, como na criação onde segundo Gn 1,3 é a Palavra de Deus, o VERBO, que tudo cria: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz”.
Esta forma de identificar Jesus como o VERBO é encontrada no evangelho segundo João, cap. 1,1.10.14; e na Primeira Carta de João cap.1,1.
No Inicio era o Verbo é a notória abertura presente no primeiro capítulo do Evangelho de João, que nos seus versículos iniciais retoma a criação do mundo, tema ainda do primeiro capítulo do Gênesis. Contudo, ao tratar o Deus cristão como o próprio "Verbo", «No princípio era o Verbo  e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.» (João 1:1-4), João Evangelista incorpora à tradição cristã a concepção grega da oposição entre logos e caos, oposição esta que aparece desde de textos como a Teogonia de Hesíodo, escrito por volta de 900 anos antes deste que é o quarto e último evangelho, que, por sua vez, foi elaborado entre os anos 95 e 100 d.C. Cabe notar que todo o Novo Testamento foi escrito em grego koiné a lingua franca da parte oriental do Império Romano nas primeiras décadas da era cristã.
Do Verbo à Palavra.
A expressão palavra, na língua portuguesa, teve origem no latim vulgar paraula, sendo que essa vem do latim clássico parabola.
Muitas das histórias de Jesus Cristo são contadas por parábolas, como ficaram conhecidas popularmente. Essas eram de cunho moral e serviam para comparar determinada situação da vida real.
A frase “tirou a palavra da minha boca” significa que alguém disse exatamente o que a pessoa estava expressando, ou completou perfeitamente a ideia que ela iria expôr.

Trata-se também da representação gráfica da palavra falada, a faculdade de falar/de se expressar/de dar a sua opinião, a aptidão oratória e o direito ou a vez para falar em assembleias políticas e outras corporações. Por outro lado, a palavra corresponde ao compromisso de alguém na medida em que dá a sua honra e a promessa ou oferta (“Dou-lhe a minha palavra” ou “Manuel é um homem de palavra”).
A palavra pode ser estudada a partir de diversas perspetivas. Podemos analisá-las, dentro da sua enorme complexidade, mediante os critérios: fonológico, formal ou morfológico, funcional e semântico.
Palavra é um termo, um vocábulo, uma expressão.  É uma manifestação verbal ou escrita formada por um grupo de fonemas com uma significação. Dentro de todas essas aceções, a função da palavra é representar partes do pensamento humano, e por isso ela constitui uma unidade da linguagem humana.

Minhas senhoras e meus senhores,
Qual obra de vulto é uma construção sonhada, planificada, esboçada, com avanços e recuos na escolha dos materiais, leia-se temáticas ou pontos escolhidos de observação ou abordagem.
A Palava e o Verbo, na perspetiva do autor “é um repositório do pensamento cultural que o caraterizou num percurso que vai de 1990 até 2015. É fruto de muitas reflexões culturais”. Outra coisa não seria de esperar, sendo ele um homem “atravessado pela cultura”, dos pés à cabeça, com uma especial paragem pela linguística. Outra vez a palavra a querer entrar novamente agora vestida de termo.
Como diz o autor, “através da magia da palavra se consegue recriar, compreender ou interpretar o mundo que nos rodeia, o social que nos interpela e o cultural que nos envolve e carateriza”.

Esta é uma obra testemunhal.
Testemunho costuma ser metonimicamente falando, a versão de uma dada experienticidade, vivência ou observação.
Testemunho também é legar, transmitir algo aos outros, como forma de prossecução e consequente continuidade, porquanto a vida é sempre uma eterna caminhada para o aperfeiçoamento, a estética, em que, há a transmissão sistemática do archote de luz conducente a um hipotético sonho de vitória final.
Recebemos dos outros e fazê-lo intuitivamente – não sei – deixando aos outros a nossa visão, o espírito das coisas, que perpassaram por nós.
Neste caso, a Palavra e o Verbo espelha a singularidade de uma vivência. Simboliza um percurso. Deixa-nos antever a continuação do seu inestimável contributo, mas, está aqui o… “eu fiz”, num orgulho comedido e disfarçado como é timbre dos grandes homens, quando descobrem que, na cultura em particular, o “trabalho e a luta continuam”.
A vida é feita de projetos. Nela imbricam os desafios de vária índole. Aceitamo-los ou adiamo-los. A escolha missionária deste percurso é sempre nossa. E por vezes, ficamos com a sensação de missão cumprida.
As datas, os projetos colocados de pé (não só na letra, palavra ou verbo), mas materializados em prol do desenvolvimento do país, ou do encontro ou reencontro consigo mesmo.
Há um ror de “azáguas” e caminhos a serem descobertos, nestas 652 páginas.  
O autor optou por construir um edifício de três andares, mais um terraço com vista para as ilhas. Os seus percursos variados assim o exigiam.
A Palavra e o Verbo, aparece numa primeira instância numa linha de reflexões culturais. Na segunda etapa aproveita-se de esmeradas apresentações feitas em plenários, prefácios e dados biográficos. Fecha com chave especial (ouro ou platina) com as intervenções na qualidade de Titular da Pasta da Cultura.
No pensamento alinhavado de Manuel Veiga nesta obra “os textos testemunham a oficina e a lavoura das minhas palavras e do meu verbo, em algumas “azáguas” do meu quotidiano”.
Com este laborioso trabalho de pesquisa, reflexão e compilação, Manuel Veiga inaugura mais uma fase da sua vida cultural e académica.
As histórias de vida têm e devem ser contadas. Nelas habitam verdadeiros tesouros culturais e relacionais. Elas estão imbuídas de traços oníricos que nos impelem numa espécie de movimento incessante de procura e ao mesmo tempo de transmissão dos conhecimentos alcançados, observados, aferidos e consolidados em cada estação das nossas vidas.
No livro, o espaço dedicado à Cultura e Desenvolvimento de Cabo Verde, prendeu a nossa atenção, pelo estilo, pela sagacidade e perspicácia na sua aturada análise. Um trabalho de fôlego. Uma perspetiva angular, se me permitem “humanamente científica”, em que se entrelaçam o olhar de quem já atravessou o mundo, com um prisma técnico de quem augura legar um contributo ao Desenvolvimento de Cabo Verde – que passa indubitavelmente pela sua cultura nas suas várias vertentes – numa espécie de espírito missionário de quem tem que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro – tudo isso, passível de ser pluralizado.
Aqui, a problemática da Cultura e do Desenvolvimento alinham pelo mesmo diapasão. Simbionizam-se salutarmente. A visão é tão sóbria que nos conduz a uma reflexão sobre as nossas atitudes e comportamentos, convocando o nosso interior de cada um a analisar responsavelmente os vários processos de desenvolvimento, as entregas, fugas ou adiamentos, ou como melhorar o espelho do que queremos, sonhamos, esboçamos, planificamos e ou que precisamos corrigir no rumo de algumas navegações.
Neste ínterim, e no seu eterno afã visando a cultura, não poderia faltar um ponto que referisse e reverenciasse – merece aplausos – uma certa emergência da Cultura Caboverdiana. Por entre dados históricos, poesia, libertação e construção de uma estrada para estes dez grãozinhos de terra, nasce o que ele desenha como uma nova ordem em que se intercala, por vezes numa simbiose perfeita, o crioulo, a música, a literatura, as tradições orais, a religião, a expressão plástica, as festas populares, símbolos e valores tradicionais, numa análise em que se entrecruzam forças, fraquezas, ameaças, oportunidades, perspetivas, redireccionamentos, esperanças, fechando sub-repticiamente com o orgulho de se ser cabo-verdiano.

Minhas senhoras e meus senhores,
Quem fez a travessia do séc. XX para o séc. XXI; quem viu Cabo Verde hastear a bandeira da independência; quem seguiu na clandestinidade a luta de libertação; quem como ele que da juventude até esta etapa da maturidade teve a oportunidade de degustar esse honroso passeio pela história, não poderia esquecer-se num livro deste quilate, da independência nacional, mais precisamente dos seus 30 anos. Manuel Veiga estava na Cultura, aliás, como sempre esteve e estará. E traça uma visão prospetiva da Cultura, apresentando os desafios e as suas visões do futuro.
Ora, da Cultura no Estado da Nação, à mobilidade e identidade cultural, até chegar a um novo sentir numa nova aurora, e passando pela economia da cultura, tudo se junta para que este livro seja uma referência no futuro no que tange à Cultura.
Outros temas interessantes que poderão aqui ser encontrados, são: do português ao crioulo ou o processo de autonomização linguística conseguida; poética e ética – que fronteiras; Cabo Verde - da diglossia à construção do bilinguismo. Nestes momentos encontramos com várias incursões, não fosse ele uma das principais referências como estudioso do crioulo de Cabo Verde.
Os testemunhos são uma constante. Aliás, uma vida sem testemunhos, pontos de vista, ou reflexões sobre os próprios percursos, não é uma passagem digna desse nome. A luta com que diariamente enfrentamos os obstáculos, e degladiamo-nos connosco mesmos numa procura de saídas ou numa de vitórias leva-nos a atingir, por vezes, o estado de consciência de que os testemunhos são importantes, tanto para darmos conta do que praticamos em termos de coisa pública, como no domínio da experiência junto dos outros mais novos, com reflexões meditativas provocadas por alguma sabedoria atribuída pelo suor do tempo.
A segunda parte do livro é bafejada com um igual e extenso leque de profundas apresentações públicas de obras, de prefácios diversos e de dados biográficos de autores caob-verdianos, com uma argúcia e pertinências culturais e de cidadania impressionantes pelo seu aturado conteúdo analítico.
A terceira e última fase desta soberba obra encerra com uma compilação de algumas das suas intervenções na qualidade de titular da Pasta da Cultura.  
Minhas senhoras e meus senhores
É esta a esteira dos nossos homens. Homens que lavram do dealbar das manhãs à boca da noite a intrinsecalidade dos momentos por construir, por solidificar, por ressignificar, por tornar Cabo Verde uma terra de seres cultores da verdadeira “cultura” nas várias aceções da palavra.
A palavra e o verbo são construções. O processo iniciático é no interior de cada um de nós.
Mas, palavra de honra, que o verbo aqui colocado no presente, bastas vezes no condicional, levou-me a matutar se terei tido o engenho suficiente para colocar as minhas verborreias no indicativo desta apresentação. O futuro o dirá.
Confesso que no início ao levantar a caneta em riste, numa espécie de ameaça ao papel deitado preguiçosamente em cima da pequena secretária, hesitei com que palavra ou verbo haveria de iniciar esta prosa escrita numa linguagem que fosse escorreita e que fizesse jus à dimensão cultural e à grandeza desta obra. Os pecados são confessados somente no fim. E no fim, só há uma certeza: obrigado Manuel Veiga. 



terça-feira, 11 de outubro de 2016

A PALAVRA E O VERBO


A 3 de Novembro do corrente ano, juntamente com a Acácia Editora, programo o lançamento do meu mais recente livro. Trata-se de um TESTEMUNHO/LEGADO do meu percurso como homem de cultura, como linguista e como amante das letras.

Num universo de 654 páginas, procuro demonstrar que, através da força mediática da Palavra e do Verbo, o meu "eu" é capaz de significar, de transfigurar, de construir e de comunicar o mundo que nos rodeia, o social que nos preocupa, o cultural que nos enforma e o virtual que nos interpela.
Espero que os meus amigos, os meus ex-alunos, os meus leitores, os meus companheiros de profissão, os amantes das letras e da cultura, estarão comigo no dia do lançamento, festejando A PALAVRA E O VERBO.

Oportunamente o convite será distribuído pela via normal e através das redes sociais. Desde já obrigado e, caboverdianamente, um abraço amigo.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Autonomização da Língua Caboverdiana, frase 20




LCV: Kumida bira ka ta pasa-l na garganta
MLP: Comida vira(r) negação TMA passar lhe na garganta
CSP: A comida começou a não passar-lhe na garganta

A RL (reestruturação local) diz respeito particularmente a ausência do artigo, ao verbo «virar», à negação “não”, à sintaxe verbal e à transformação do «lhe» em «-l».
O artigo não existe nas línguas africanasoriginárias do CCV. Assim, tomemos apenas a RL do «virar» que ainda não foi objeto de nenhuma análise .
O lexema conservou o significado de virar/voltar, mas também o de «transformar: «Djon bira pa el, txoma-l di buru» (o João voltou-se para ele e chamou-lhe de burro); «ténpu bira friu» (a temperatura desceu, isto é mudou de mais quente para mais frio); «mel bira fórti» ( o mel ficou avinagrado, isto é, houve a transformação de um estado para outro). Esses exemplos levam-nos a concluir que a semântica fundamental de «bira» é «virar ou voltar». Um «voltar» que pode ser tanto físico («e rabida pa mi» - voltou-se para mim), como também pode ter o sentido de transformar: «mel bira vinagri»; «ténpu bira friu». Em LCV, «bira» com o sentido de «transformar» parece ter um rendimento funcional muito maior que em Pt. Com efeito, em Pt não é muito corrente dizer-se « o mel virou avinagrado, o tempo virou frio». Há um outro campo semântico do «bira» em LCV que não conseguimos identificar em Pt: «bira si, txuba bira ta txobe» de repente a chuva começou a chover». O «bira» com o sentido de «de repente» e com o de «começar» é, ao que parece, uma reconstrução local.



(LCV: Língua Caboverdiana; MLP: Material Linguístico em Português; CSP: Correspondência Semântica com o Português; RL: Reestruturação Local).

sábado, 23 de julho de 2016

Autonomização da LCV, Frase 19


LCV
Krê  própi,   dja  es  fase-m     el  kórda

MLP
Crer próprio  já eles fazer-me ele corda
CSP
Talvez            já  mo fizeram         feitiço

A RSL é visível. Apenas pelo MLP não chegamos ao sentido da frase.

Em LCV, o «krê» parece ter uma dupla origem. Umas vezes em «querer» e outras vezes em «crer». Em F19, parece ter provindo de «crer». Quando alguém diz» «creio que amanhã vá chover», a frase encerra dúvida, incerteza. Daí o «krê própi» com o sentido de “talvez”. O «própi» do sintagma «krê própi» representa tão-somente uma topicalização, um elemento para reforçar a dúvida.

Porém, há também o «krê» com origem no querer, por exemplo «N krê bai (quero ir).


Quanto ao «fazer corda», com o sentido atual de «fazer feitiço», poderá, eventualmente, ser uma prática no português arcaico que hoje já não existe. Note-se que a “corda” amarra, e quando se é amarrado, perde-se a mobilidade, fica-se dependente. Ora, quem tem feitiço está dependente de um mal provocado, normalmente por uma bruxa. É como se estivesse amarrado por esse mal.

NB: LCV - Língua Caboverdiana; MLP: Material Linguístico em Português; CSP: Correspondência Semântica em Português.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A Minha Homenagem ao Vate de "Os Loucos Poemas de Amor"



Conheci Osvaldo Osório nos finais de 1979. Eu tinha sido nomeado Técnico Superior da Direção-Geral da Cultura, em Outubro de 1978. Note-se que a Direção-Geral da Cultura tinha sido criada, se não me falha a memória, em Agosto de 1978.
Tinha acabado a minha licenciatura nesse ano e, ao apresentar-me ao Ministério da Educação, Cultura, Desportos e Juventude, fui naquele mesmo instante recrutado para prestar trabalho na recente criada Direção-Geral da Cultura.
Logo depois, creio que no decorrer de 1979, Osvaldo Osório, e mais tarde Ovídio Martins, terão sido recrutados também.
Foi numa altura de fracos meios financeiros e de grande escassez de recursos humanos e materiais. Basta dizer que o orçamento para as atividades culturais, inscrito no Orçamento do Estado, se elevava apenas a 300 mil escudos.
As dificuldades por que passava a Direção-Geral da Cultura desafiavam a nossa imaginação criativa na solução dessas mesmas dificuldades. Foi no travar dessas lutas que me cruzei com Osvaldo Osório, ele responsável do Departamento das Tradições Orais e eu do Departamento de Linguística.
Na altura, o conhecimento que tinha das nossas tradições era ainda limitado e circunscrito ao meu torrão-natal, Santa Catarina de Santiago.
Com Osvaldo Osório, já na altura uma personalidade de referência, tanto no campo da cultura caboverdiana, como da poesia islenha, aprendi a ter mais empatia e mais luz sobre a cultura do meu povo, sobre a literatura caboverdiana que não tive a sorte de estudar nos bancos da escola.
A forte ligação que hoje tenho com a língua, com a cultura e com a literatura caboverdianas é fruto do “djunta-mô”, da sementeira e das “azáguas” que que tive o privilégio de implementar ao lado do irmão mais velho e mais conhecedor da mundivivência do nosso povo.
Obrigado Osvaldo. Em muitas coisas foste para mim um mestre nesses difíceis anos do pós-Independância. Hoje, reconheço que o caminho que fiz, tanto na faina cultural, como no labor literário, tem também a tua positiva cumplicidade.
É por tudo isto, mas também e, sobretudo, pelo contributo de elevado nível que deste às letras caboverdianas que penso que o tributo que hoje a Academia Caboverdiana de Letras te presta é deveras merecido. De longe, quero associar-me a essa homenagem.
Gostaria também que a mesma fosse extensiva à tua cara-metade, D. Armandina. Sabe-se que a cegueira te surpreendeu quando ainda estavas numa fase muito produtiva da tua vida. Essa produção poderá ter ficado, de algum modo, afetada. Entretanto, ela continuou fecunda porque, no teu próprio dizer, a D. Armandina se transformou nos teus próprios olhos. E não é só isso: é o carinho, o desvelo, a atenção da mulher amada e esposa dedicada que a transformaram, também, numa assistente eficiente e prestimosa.
Numa recente jornada poética, promovida pela Cátedra Amílcar Cabral, em que o Osvaldo era convidado de honra, o mesmo terá declarado que vive apaziguado, num ambiente de liberdade, sem remorso, e sem condenar ou choramingar a sorte que a vida lhe reservou, após a cegueira.
Na altura disse que só um espírito superior, só quem tenha atingido um certo grau de nirvana, só uma vivência de profunda espiritualidade, podia ter uma postura tão elevada. O próprio Osório teria afirmado, na ocasião, que hoje se sente “um homem de fé, e não apenas com fé”.
É isto mesmo, grande Osvaldo! A tua cegueira não te diminuiu cultural e espiritualmente. És um homem novo, mais maduro, mais experiente e, sobretudo, mais LIVRE. Atingiste o degrau cimeiro da sabedoria.
Para ti, o meu profundo respeito, o meu melhor tributo.
                                                                                           Julho de 2016

                                                                                           Manuel Veiga

A Minha Homenagem ao Vate de "Os Loucos Poemas de Amor"



Conheci Osvaldo Osório nos finais de 1979. Eu tinha sido nomeado Técnico Superior da Direção-Geral da Cultura, em Outubro de 1978. Note-se que a Direção-Geral da Cultura tinha sido criada, se não me falha a memória, em Agosto de 1978.
Tinha acabado a minha licenciatura nesse ano e, ao apresentar-me ao Ministério da Educação, Cultura, Desportos e Juventude, fui naquele mesmo instante recrutado para prestar trabalho na recente criada Direção-Geral da Cultura.
Logo depois, creio que no decorrer de 1979, Osvaldo Osório, e mais tarde Ovídio Martins, terão sido recrutados também.
Foi numa altura de fracos meios financeiros e de grande escassez de recursos humanos e materiais. Basta dizer que o orçamento para as atividades culturais, inscrito no Orçamento do Estado, se elevava apenas a 300 mil escudos.
As dificuldades por que passava a Direção-Geral da Cultura desafiavam a nossa imaginação criativa na solução dessas mesmas dificuldades. Foi no travar dessas lutas que me cruzei com Osvaldo Osório, ele responsável do Departamento das Tradições Orais e eu do Departamento de Linguística.
Na altura, o conhecimento que tinha das nossas tradições era ainda limitado e circunscrito ao meu torrão-natal, Santa Catarina de Santiago.
Com Osvaldo Osório, já na altura uma personalidade de referência, tanto no campo da cultura caboverdiana, como da poesia islenha, aprendi a ter mais empatia e mais luz sobre a cultura do meu povo, sobre a literatura caboverdiana que não tive a sorte de estudar nos bancos da escola.
A forte ligação que hoje tenho com a língua, com a cultura e com a literatura caboverdianas é fruto do “djunta-mô”, da sementeira e das “azáguas” que que tive o privilégio de implementar ao lado do irmão mais velho e mais conhecedor da mundivivência do nosso povo.
Obrigado Osvaldo. Em muitas coisas foste para mim um mestre nesses difíceis anos do pós-Independância. Hoje, reconheço que o caminho que fiz, tanto na faina cultural, como no labor literário, tem também a tua positiva cumplicidade.
É por tudo isto, mas também e, sobretudo, pelo contributo de elevado nível que deste às letras caboverdianas que penso que o tributo que hoje a Academia Caboverdiana de Letras te presta é deveras merecido. De longe, quero associar-me a essa homenagem.
Gostaria também que a mesma fosse extensiva à tua cara-metade, D. Armandina. Sabe-se que a cegueira te surpreendeu quando ainda estavas numa fase muito produtiva da tua vida. Essa produção poderá ter ficado, de algum modo, afetada. Entretanto, ela continuou fecunda porque, no teu próprio dizer, a D. Armandina se transformou nos teus próprios olhos. E não é só isso: é o carinho, o desvelo, a atenção da mulher amada e esposa dedicada que a transformaram, também, numa assistente eficiente e prestimosa.
Numa recente jornada poética, promovida pela Cátedra Amílcar Cabral, em que o Osvaldo era convidado de honra, o mesmo terá declarado que vive apaziguado, num ambiente de liberdade, sem remorso, e sem condenar ou choramingar a sorte que a vida lhe reservou, após a cegueira.
Na altura disse que só um espírito superior, só quem tenha atingido um certo grau de nirvana, só uma vivência de profunda espiritualidade, podia ter uma postura tão elevada. O próprio Osório teria afirmado, na ocasião, que hoje se sente “um homem de fé, e não apenas com fé”.
É isto mesmo, grande Osvaldo! A tua cegueira não te diminuiu cultural e espiritualmente. És um homem novo, mais maduro, mais experiente e, sobretudo, mais LIVRE. Atingiste o degrau cimeiro da sabedoria.
Para ti, o meu profundo respeito, o meu melhor tributo.
                                                                                           Julho de 2016

                                                                                           Manuel Veiga