Alguns amantes da
nossa língua materna levantam a questão de saberem como será possível o
processo de padronização, tendo em conta as variantes existentes, e como
conceber o material didático, de forma sustentável, sem prejudicar as variantes
locais e sem comprometer o magistério do crioulo em nenhuma ilha.
Antes de mais, a
existência de variantes é mais uma dádiva do que um problema. Ela, se bem
conduzida, representa uma possibilidade de termos um crioulo unificado rico,
dúctil, maleável, com assinalável plasticidade, uma espécie de arco-íris
linguístico.
Mas como isso será
possível?
Não se vai fazer
“djagasida desordenada” de variantes. Se assim o fizermos, a iguaria
linguística seria intragável.
O mesmo não acontece
se:
1)
Tomarmos como bases, para o processo de
padronização e de elaboração de material didático, as duas variedades, com
força globalizante, na medida em que são compreendidas, faladas e aceites em
mais do que uma ilha. É um facto que a expressão da ilha de Santiago e a da
ilha de S. Vicente constituem as duas variedades a que nos estamos referindo.
2)
Uma vez definidas as duas variedades,
com tendência globalizante, há que enriquecê-las, ao Norte e ao Sul, com as
respetivas especificidades pertinentes e representativas das variantes locais
de cada ilha (a variante de S Vicente com as especificardes das ilhas do Norte
e a variante de Santiago com as especificidades das ilhas do Sul). Simultaneamente,
mas de forma mais lenta, dar-se-á, também, a padronização entre as duas
variedades globalizantes.
Esta será a estratégia nacional e
governamental da política linguística.
3)
Haverá porém, uma estratégia local de
desenvolvimento linguístico. A partir do material didático elaborado com base
nas variedades globalizantes (S Vicente e Santiago), haverá adaptação em cada
ilha onde o ensino parte da variante local respetiva, mas com o horizonte
aberto em relação às variedades globalizantes. O professor, em cada ilha,
deverá conhecer a respetiva variante. O material didático já confecionado nas
duas variedades servir-lhe-á de arquétipo e de inspiração para ensinar a
variante local e despertar a curiosidade dos alunos em relação às variedades
globalizantes.
4)
Com essa metodologia, haverá dois polos
de elaboração de material didático, mas com nove experiências, a nível da
didática.
5)
A padronização (num processo de muitos
anos), vai dar-se a nível Sul-Sul, a nível Norte-Norte e a nível Norte-Sul, de
forma sustentável, abrangente e com poupança de recursos materiais.
6) O Estado é chamado a investir nas variedades
globalizantes. As ilhas (municípios, instituições locais, sectores de
criatividade cultural e artística, cidadão, em geral) são chamadas a investir,
primeiro na variante local e, num segundo momento, querendo, nas variedades
globalizantes (sempre em contraponto com as variantes locais).
7) Deve-se deixar liberdade
a uma ilha que quiser investir apenas na variante local, arcando com a
responsabilidade de os respetivos alunos não dominarem, depois, o caboverdiano
oficial e que terá por base as duas variedades globalizantes, enriquecidas com
o que é específico e representativo em todas as outras variantes.
8) Deve-se deixar inteira liberdade à ilha ou ilhas que entenderem não
investir no crioulo porque, na sua ótica, o mesmo não leva a lado nenhum.
Porém, terão a responsabilidade de, mais tarde, aceitarem que a concorrência
laboral opte por quem tiver competência linguística nas línguas oficiais da
República.
9) Uma nota final: a
variante, variantes ou variedade do crioulo que forem mais usadas na
comunicação oral, na comunicação social; que tiverem mais trabalhos nos
domínios da cultura, da arte e da literatura; que ousarem fazer mais estudos
científicos gramaticais, lexicográficos e outros; que massificarem o ensino da
língua materna, seguramente, contribuirão mais, também, no processo de
padronização. A padronização não se faz com blablá, com recalques, com ciúmes,
com regionalismos doentios, com ignorância ofensiva. Ela é um trabalho mais da
cidadania engajada do que do Governo. Este apenas deve fazer o que a cidadania
não pode fazer. Quem quiser ver a sua variante valorizada que trabalhe para que
isto aconteça.
Esta a minha opinião.
Quem tiver melhor alternativa, séria, competente, responsável e operacional,
que a manifeste.
Dezembro de 2021,
Manuel Veiga
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