segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A PADRONIZAÇAO DO CABOVERDIANO NO CONTEXTO DE VARIANTES

  

Alguns amantes da nossa língua materna levantam a questão de saberem como será possível o processo de padronização, tendo em conta as variantes existentes, e como conceber o material didático, de forma sustentável, sem prejudicar as variantes locais e sem comprometer o magistério do crioulo em nenhuma ilha.

Antes de mais, a existência de variantes é mais uma dádiva do que um problema. Ela, se bem conduzida, representa uma possibilidade de termos um crioulo unificado rico, dúctil, maleável, com assinalável plasticidade, uma espécie de arco-íris linguístico.

 

Mas como isso será possível?

 

Não se vai fazer “djagasida desordenada” de variantes. Se assim o fizermos, a iguaria linguística seria intragável.

 

O mesmo não acontece se:

 

1)    Tomarmos como bases, para o processo de padronização e de elaboração de material didático, as duas variedades, com força globalizante, na medida em que são compreendidas, faladas e aceites em mais do que uma ilha. É um facto que a expressão da ilha de Santiago e a da ilha de S. Vicente constituem as duas variedades a que nos estamos referindo.

 

2)    Uma vez definidas as duas variedades, com tendência globalizante, há que enriquecê-las, ao Norte e ao Sul, com as respetivas especificidades pertinentes e representativas das variantes locais de cada ilha (a variante de S Vicente com as especificardes das ilhas do Norte e a variante de Santiago com as especificidades das ilhas do Sul). Simultaneamente, mas de forma mais lenta, dar-se-á, também, a padronização entre as duas variedades globalizantes.

 

        Esta será a estratégia nacional e governamental da política linguística.

 

3)    Haverá porém, uma estratégia local de desenvolvimento linguístico. A partir do material didático elaborado com base nas variedades globalizantes (S Vicente e Santiago), haverá adaptação em cada ilha onde o ensino parte da variante local respetiva, mas com o horizonte aberto em relação às variedades globalizantes. O professor, em cada ilha, deverá conhecer a respetiva variante. O material didático já confecionado nas duas variedades servir-lhe-á de arquétipo e de inspiração para ensinar a variante local e despertar a curiosidade dos alunos em relação às variedades globalizantes.

 

4)    Com essa metodologia, haverá dois polos de elaboração de material didático, mas com nove experiências, a nível da didática.

 

5)    A padronização (num processo de muitos anos), vai dar-se a nível Sul-Sul, a nível Norte-Norte e a nível Norte-Sul, de forma sustentável, abrangente e com poupança de recursos materiais.

 

6) O Estado é chamado a investir nas variedades globalizantes. As ilhas (municípios, instituições locais, sectores de criatividade cultural e artística, cidadão, em geral) são chamadas a investir, primeiro na variante local e, num segundo momento, querendo, nas variedades globalizantes (sempre em contraponto com as variantes locais).

7) Deve-se deixar liberdade a uma ilha que quiser investir apenas na variante local, arcando com a responsabilidade de os respetivos alunos não dominarem, depois, o caboverdiano oficial e que terá por base as duas variedades globalizantes, enriquecidas com o que é específico e representativo em todas as outras variantes.

 

8) Deve-se deixar inteira liberdade à ilha ou ilhas que entenderem não investir no crioulo porque, na sua ótica, o mesmo não leva a lado nenhum. Porém, terão a responsabilidade de, mais tarde, aceitarem que a concorrência laboral opte por quem tiver competência linguística nas línguas oficiais da República.

 

9) Uma nota final: a variante, variantes ou variedade do crioulo que forem mais usadas na comunicação oral, na comunicação social; que tiverem mais trabalhos nos domínios da cultura, da arte e da literatura; que ousarem fazer mais estudos científicos gramaticais, lexicográficos e outros; que massificarem o ensino da língua materna, seguramente, contribuirão mais, também, no processo de padronização. A padronização não se faz com blablá, com recalques, com ciúmes, com regionalismos doentios, com ignorância ofensiva. Ela é um trabalho mais da cidadania engajada do que do Governo. Este apenas deve fazer o que a cidadania não pode fazer. Quem quiser ver a sua variante valorizada que trabalhe para que isto aconteça.

 

Esta a minha opinião. Quem tiver melhor alternativa, séria, competente, responsável e operacional, que a manifeste.

Dezembro de 2021, Manuel Veiga

 

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