terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O QUE É A PADRONIZAÇÃO?

 Alguém, sabendo que eu me interesso pelas “coisas da língua”, colocou-me a pergunta, em epígrafe.

 

Eis a minha resposta: PADRONIZAÇÃO é a interiorização, a socialização e a consensualização, numa comunidade linguística, de construções gramaticais, de palavras e de expressões próprias de uma língua ou de suas variantes geográficas, ou de domínios outros, dessa mesma língua, bem como ainda do modelo de alfabeto e de escrita.

No caso do nosso crioulo, com variantes que cobrem as nove ilhas habitadas, a padronização será a interiorização, a socialização e a aceitação de particularidades linguísticas dessas variantes. Por exemplo, no interior de Santago diz-se “téta rixu”, correspondente, em Santanton a “brasa gerrotxóde”.

 

Ora, no dia em que os santiaguenses interiorizarem e aceitarem o “brasa gerrotxóde”, e os santantonenses, por sua vez, interiorizarem e aceitarem “téta rixu” (ainda que com adaptação fonética (téta rije), nesse dia, ou nessa altura, se pode dizer que se deu a padronização das duas expressões.

 

Aguém poderá dizer que isto é “sonhar acordado”. Responderei dizendo: se antes da Independência alguém me dissesse que, em Santiago, um dia encontraríamos tanto a expessão “menina rei di bunita” como “menina bunita pa frónta”, eu diria ao meu interocutor que estava a sonhar acordado. Hoje, após a mobilidade social que se deu no pós-Indepencia, as duas expressões co-habitam, pacificamente, em Santiago.

Acontece que essa padronização não se dá por geração espontânea. Ela só pode dar-se com uso prolongado e com a socialização das duas expressões, através da comunicação oral, do ensino, do uso na comunicação social, na administração formal, na escrita, na literatura, nas artes e na cultura.

 

Isto significa que a padronização não se fixa por decreto, mas sim pela interiorização e consensualização. O linguista-estudioso analisa a abrangência e a consistência de tal consensualização e propõe que a palavra ou expressão sejam consideradas padronizadas pela entidade competente. Assim sendo, a padronização é mais um trabalho da cidadania do que de poderes públicos, e as ilhas que quiserem que a sua variante entre no crioulo padrão têm que investir social, cultural, cientifica e pedagogicamente na sua variante. Quem souber investir "no mercado social e cultural, na na publicidade técnica e científica" da sua variante ganhará a batalha da padronização.

 

Espero ter respondido a pergunta do meu interlocutor.

Dezembro de 2021, Manuel Veiga

 

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