Na data em que
Amílcar Cabral completou 95 anos de idade lembrei-me do texto que escrevi em “O
LEGADO DE CABRAL NA MEMÓRIA DO TEMPO” sobre o seu HUMANISMO VISIONÁRIO, e isto
no âmbito da candidatura de alguns dos seus escritos ao “Programa Memória do
Mundo da UNESCO”.
E porque o texto se enquadra muito bem no momento em que o COVID 19 devasta a Humanidade, julguei pertinente lembrar o que então escrevi:
E porque o texto se enquadra muito bem no momento em que o COVID 19 devasta a Humanidade, julguei pertinente lembrar o que então escrevi:
Uma das páginas
mais bonitas e mais significativas do humanismo de Cabral, aquela que antevê a
HUMANIDADE como uma família e a VIDA como um dom e uma bênção para todos, para
o Homem preto ou branco, vermelho ou amarelo, para os sujeitos de todas as
raças, de todo os horizontes, de todos os credos, de todos os Partidos, de
todas as condições sociais. Como vate visionário, eis o sonho que acalentou:
"Hoje, na fogueira
das bombas, assa-se carne humana. A responsabilidade dessa tremenda realidade
que é a guerra é reciprocamente imputada pelos adversários em luta. Arrasam-se
cidades inteiras e de edifícios que foram magníficos ficam escombros…
Mas do caos
surgirá um mundo novo e melhor. Está tão certo isto como é certo que o mundo
precisa de uma remodelação: uma nova ordem que não é a nazi, nem a que alguns
sonham que há-de ser defendida por uma Polícia Internacional…
Será outra
que significará o Homem, preto ou branco, vermelho ou amarelo, que
proporcionará ao Homem uma vida vivida e não sofrida. Em que Ele, esteja no
mais longínquo aposento do Mundo, terá a certeza no dia de amanhã e terá sempre
presente que pertence a uma mesma família pela qual tem de velar – a
HUMANIDADE.
E, ao pensar
nessa futura realidade que muito chamarão quimera, lembro-me das palavras do
Abade de la Roudaire: ‘Não será já, talvez, mas o dia da Justiça e da Paz há-de
raiar com certeza. Há na Terra um só povo a que pertencem todas as Nações’.
Não será já, mas
é amanhã!
E é para amanhã que eu quero ter filho. Estou na casa dos vinte, e nada me garante que poderei subir a ladeira ascendente da vida, dobrar a colina, descer a prumo e pender da outra banda – que é a velhice – e, depois de ter vivido, entrar, atravessando o fio do nada que separa o ser do não ser, na planície desconhecida que é a Morte.
E é para amanhã que eu quero ter filho. Estou na casa dos vinte, e nada me garante que poderei subir a ladeira ascendente da vida, dobrar a colina, descer a prumo e pender da outra banda – que é a velhice – e, depois de ter vivido, entrar, atravessando o fio do nada que separa o ser do não ser, na planície desconhecida que é a Morte.
…não sei se não
serei um dos que ficarão pelo caminho…
Mas com o meu filho não será o mesmo. Ele há-de viver a vida por que anseio, hão-de ser para ele realidades as minhas esperanças de hoje…
Mas com o meu filho não será o mesmo. Ele há-de viver a vida por que anseio, hão-de ser para ele realidades as minhas esperanças de hoje…
Mas o meu
filho viverá. Ele há-de ser aquilo que desejar ser, desde que, sendo-o,
concorra para a felicidade de todos. O filho que tiver viverá num mundo
diferente…
Nesse futuro
e próximo mundo de que o meu filho fará parte, ele ou ela, talvez venha a
escrever: A Vida. Por toda a parte a Vida. Por toda a parte a felicidade e a Vida”(Cf. Amílcar Cabral 2015. Cabo
Verde - Reflexões e Mensagens, FAC: 29-30).
Que belas páginas!
Cabral escreveu-as em Outubro de 1944, quando tinha apenas 20 anos de idade.
Trata-se de um dos legados mais valiosos que o jovem Cabral nos deixou. Sabia que
o seu sonho era, para muitos, uma quimera, na altura em que a teve. Porém, como
poeta visionário queria que, pelo menos, os seus filhos tivessem a sorte de, um
dia, ver o seu sonho concretizado. Sabemos que o mesmo, inteiramente, ainda não
aconteceu. Nem em Cabo Verde, nem no mundo. Basta ver o que se passa hojeno mundo com o COVID 19.
A
HUMANIDADE, como família, do jeito que Cabral a preconizara, é ainda um
projeto. A cada um de nós a responsabilidade de concretizar esse projeto.
Qualquer que seja a geografia ou o contexto em que vivemos hoje, uma coisa é
certa: o Mundo precisa, urgentemente, de fazer da HUMANIDADE uma família. De
outro modo, estamos condenados a enfrentar um dilúvio ou uma catástrofe mundial
em que os poucos sobreviventes poderão, eles mesmos, acabar por não sobreviver.
Manuel Veiga
Sobre este texto, o Reitor do Semiário de S. José, na Praia, o Reverendo Padre José Borjas, comentou:
ResponderEliminar"Um texto humanista-cristāo, … belo, profundo, poético, com uma visāo de um projecto universal ainda por realizar e que depende de todos e de cada ser humano Sem excepçāo! Texto que traduz o ideal cristāo da fraternidade total que Jesus viveu e passou como missāo do Homem-Novo de que Ele é a realizaçāo plena!”