"O Crioulo não serve para a ciência; as variantes regionais são um empecilho à unidade nacional (antes dizia-se: à unidade do Império)"
Quem nunca estudou o
latim, o inglês ou o francês, mesmo que em casa tenha aprendido essas línguas, seguramente,
não será capaz de, nelas, abordar qualquer tema científico, filosófico ou
técnico. Este é um dado de facto e ninguém contesta.
Porém, há uns ilustres
doutores que nunca estudaram o crioulo caboverdiano e acham que nele não
conseguem abordar qualquer tema científico e/ou filosófico por ser uma língua
pobre. Só um ignorante poderia chegar a essa conclusão absurda.
Para abordar qualquer
tema com objetividade, eficiência, pertinência e propriedade de linguagem, seja
qual for a língua suporte, há que conhecer bem essa língua. Ora, conhecer bem
significa estudá-la, aprendê-la, interiorizá-la, utilizá-la.
Igualmente, qualquer das
línguas ditas de civilização possuem variantes regionais e toda a gente acha
isso normal. Porém, em tratando-se do crioulo caboverdiano, alguns ilustres
pedagogos e profetas da desgraça acham que as variantes são um empecilha à
unidade nacional e ao estatuto oficial. Este é mais um absurdo dos profetas da desgraça, armados em
pedagogos.
Devo lembrar a esses pedagogos
que: “…até ao século XVI, e mesmo para além
disso, só o latim era considerado como língua … Etienne Dolet dirá, em 1540,
que as línguas europeias não podem ser reduzidas a Arte (Arte aqui significa
exatamente a gramática) … Durante toda a idade média, gramática era sinónimo de
latim clássico… As outras línguas eram consideradas como não susceptíveis à estrutura
gramatical e portanto não passavam de idiomas fracos e vulgares”(Cf. J.
Mounin, 1967. Histoire da la Linguistique
des Origines au XXe Siècle PUF, p. 112).
É compreensível que na
Idade Média as pessoas possam pensar desta maneira. O que não é compreensível é
haver hoje, no século XXI, 45 anos após a nossa Independência, haver ainda uns “ilustres
pedagogos”, iletrados em matéria do crioulo, a pensarem que a nossa língua materna
caboverdiana não serve para a ciência, e que as variantes regionais são um
empecilho à unidade nacional.
Há que ter o mínimo de
decência intelectual. Quem é iletrado em crioulo, quem nunca estudou o crioulo,
quem nunca o utilizou em domínios formais de comunicação, honestamente, não pode
saber se o ele serve ou não para a ciência. Então é melhor ficar calado do que
dizer asneiras ou tirar conclusões absurdas.
Outra desinteligência é quando se diz que o crioulo não nos leva a lugar nenhum, como a querer dizer um povo que deve criar a sua língua pensando antes no estrangeiro do que nele próprio. Acham que devemos apostar apenas no português que nos pode levar além-fronteira. Pergunto: será que falando o português já poderei comunicar, por exemplo, no Japão, na China, na Arábia Saudita, no Paquistão, nas duas Coreias?...
Claro que não. Querendo falar com um estrangeiro, o melhor caminho é aprender a sua língua. É isto que o estrangeiro deve fazer também, quendo falar com os caboverdianos que não entendem a língua dele.
Tratando-se de literatura, escrevendo em caboverdiano, a obra, se tiver qualidade reconhecida, poderá ser traduzida em qualquer língua da globalização. Por isso, escrevendo em crioulo é possível chegar, sim, aos mercados da globalização, via tradução.
Considerar que, em vez de um real bilinguismo, devemos privilegiar o português, por ser língua de um número maior de falantes, é um atentado, sim, à cidadania e à valorização da nossa cultura e da nossa identidade nacional. Ora, isso, poderá descambar na alienação.
Eu prefiro valorizar as duas línguas da República. Mais: prefiro, ainda, aprender outras línguas da globalização para poder comunicar com o mundo, lá onde nem o português e nem o crioulo chegam.
Quem quererá, honestamente, reprovar esta minha atitude?
Outra desinteligência é quando se diz que o crioulo não nos leva a lugar nenhum, como a querer dizer um povo que deve criar a sua língua pensando antes no estrangeiro do que nele próprio. Acham que devemos apostar apenas no português que nos pode levar além-fronteira. Pergunto: será que falando o português já poderei comunicar, por exemplo, no Japão, na China, na Arábia Saudita, no Paquistão, nas duas Coreias?...
Claro que não. Querendo falar com um estrangeiro, o melhor caminho é aprender a sua língua. É isto que o estrangeiro deve fazer também, quendo falar com os caboverdianos que não entendem a língua dele.
Tratando-se de literatura, escrevendo em caboverdiano, a obra, se tiver qualidade reconhecida, poderá ser traduzida em qualquer língua da globalização. Por isso, escrevendo em crioulo é possível chegar, sim, aos mercados da globalização, via tradução.
Considerar que, em vez de um real bilinguismo, devemos privilegiar o português, por ser língua de um número maior de falantes, é um atentado, sim, à cidadania e à valorização da nossa cultura e da nossa identidade nacional. Ora, isso, poderá descambar na alienação.
Eu prefiro valorizar as duas línguas da República. Mais: prefiro, ainda, aprender outras línguas da globalização para poder comunicar com o mundo, lá onde nem o português e nem o crioulo chegam.
Quem quererá, honestamente, reprovar esta minha atitude?
Março 2020, Manuel Veiga
De David Hopffer Almada, através do seu e-mail de 18/3/2020:
ResponderEliminar"Meu Caro Manuel Veiga:
Acabo de ler a tua mensagem infra.
Subscrevo a tua posição nela expressa.
Por acaso (e por sorte!) não tive o azar de ouvir!
A luta é difícil , mas a vitória é certa! Apenas uma questão de tempo…já esteve muito mais longe!
Ainda há muita alienação, a vários níveis!
Há que resistir e persistir!
Uma coisa é segura e firme: a vitória é certa!
Haja serenidade para continuar a fazer a caminhada … que a “estrada” é longa, mas o “destino” já esteve muito mais longe!
Os meus cumprimentos, com aquele abraço e amizade de sempre,
DAVID HOPFFER ALMADA"
Rua do Sporting, nº 4, 1º Andar Esq.
ASA - Cx. P. 327 - PRAIA
Telef. (238) 262 31 00/02/04
Móvel: (238) 991 20 25
Fax: (238) 262 31 03
Da Confrade Vera Duarte, no seu e-mail de 18/03/2020:
ResponderEliminar"Caro Confrade
Saudações.
Obrigada pela partilha. Temos de valorizar a riqueza de sermos um povo bilingue, embora ainda em construção. São sempre bem-vindas as boas contribuições. Por isso...adelante!!!
Cumprimentos
Vera Duarte"
Com a devida vénia, publico o e-mail do confrade José Luis Tavares de 20/03/2020:
ResponderEliminar"De: José Luís Tavares
Enviada: sexta-feira, 20 de março de 2020 05:06
Para: Uni-CV / FCSHA - Manuel Veiga ; jose luis almada ; Evel Rocha ; Carlos Alberto Barbosa ; Carlos Araujo ; Daniel Medina ; Daniel Spinola ; David Hopffer Almada ; Dina Salustio ; Donaldo Macedo ; Filinto Elísio ; Giordano Custódio ; Herminia Curado Ferreira ; Jorge Fonseca ; João Filho ; Lit Fatima Bettencourt ; Ludgero Correia ; Vera Duarte ; arturvieira21@bol.com.br; carlota.alves24@gmail.com; jorge.tolentino ; leolopes@cvtelecom.cv; mario.sousa ; samuel gonçalves ; simonecaputo@gmail.com; vascomartinsmusic
Assunto: RE: Conclusões absurdas
Caro confrade Manuel Veiga,
Caríssim@s,
Era minha intenção dirigir-me aos confrades da ACL sobre a matéria de semelhante natureza, quando deparo com o texto/email do confrade Manuel Veiga, que, intuo, terá na origem o mesmo facto: a entrevista do Presidente da direcção da ACL ao programa Nha terra, Nha Cretcheu, episódio onde, participando uma das nossas maiores autoridades em matéria da língua cabo-verdiana, se optou por dar o papel central a outrem. Critérios, se bem que discutíveis. Mas não essa a questão central.
Vi o episódio uma e outra vez, para que não me restassem dúvidas sobre aquilo que tinha em presença. E a pergunta que se me impôs logo foi: a pessoa em causa estava a falar em nome próprio ou enquanto Presidente da Direcção da ACL? Como em nenhum momento a ouvi dizer que estava a manifestar posições próprias (legítimas a todos os títulos) e não enquanto Presidente da direcção da ACL, é nessa condição que devo analisar tais declarações.
O cidadão e o indivíduo em causa é livre de ter as posições que entender sobre a língua cabo-verdiana, isto não está em questão. Mas o Presidente da direcção da ACL, quando emite opiniões públicas, tem que estar vinculado àquilo que são as posições da ACL, mormente sobre matéria de capital importância para o nosso devir colectivo, como é o caso da língua nacional cabo-verdiana.
Não sei qual a posição oficial da ACL em relação à língua cabo-verdiana, mas, naturalmente, e por simples bom senso, ela deverá ser de apoio e adesão incondicionais à sua dignificação constitucional e à materialização prática que a letra e o espírito da lei há muito reclamam. Portanto o Presidente da Direcção da ACL não pode manifestar reservas de nenhuma ordem, mesmo sob o diáfano manto da simples prudência. Quando fala em nome de um colectivo, tem que exprimir o sentir e as determinações desse colectivo, mesmo que tenha pessoais e fundadas reservas sobre a matéria em questão. Ou então, numa atitude de saudável coerência, que se saúda sempre, deve abandonar o lugar que ocupa.
E é apenas por não saber se há uma determinação expressa da ACL sobre a questão (embora ela seja clara, lógica e natural no sentido da sua valorização e implementação) que não proponho aqui uma Assembleia para discutir um voto de censura ao Presidente da Direcção da ACL. No entanto, aproveito a ocasião para sugerir uma assembleia onde se discutisse e ficasse expressa e vinculativamente lavrada a posição da ACL sobre a matéria.
E para que se saiba bem quais são as implicações quando falamos de «língua própria de um território», aproveito a oportunidade para oferecer em anexo a tradução para a língua cabo-verdiana da Declaração Universal dos direitos Linguísticos, da minha autoria, lançada em Lisboa no dia 21 de Fevereiro, dia internacional da língua materna.
Mantenhas aqui da terra longe.
José Luiz Tavares"