quinta-feira, 8 de março de 2012


A Cultura no Estado da Nação


  1. Nação cumpridora

Somos e pretendemos ser, cada vez mais, uma Nação cumpridora e visionária nos domínios da arte, da ciência, da história, da cidadania e da cultura em geral.
Isto significa que Cabo Verde, apesar dos constrangimentos da natureza, respira e inspira cultura, cumpre e preconiza um maior cumprimento no chão da cultura. Com efeito, a nossa música, através da voz de oiro dos nossos intérpretes, através da palavra e da melodia dos nossos trovadores e compositores,  tem alcandorado o nome de Cabo Verde no solo pátrio e, particularmente, na arena internacional.
Se em Cabo Verde falamos crioulo e escrevemos sobretudo em português, nos palcos da globalização o nosso melhor instrumento de comunicação tem sido a música. É por isso que ela é diamante, mas também é gramática de entendimento no Arquipélago, na diáspora e nas tribunas mundiais do humanismo.
Ora, a Nação sente-se reconhecida perante a vivacidade, a ousadia e o talento de tantos artistas nossos que têm estado a içar bem alto a bandeira das ilhas lá onde a diplomacia ainda não chegou ou precisa da cumplicidade da arte para melhor semear e colher a parceria e a solidariedade.
Porém, a cultura não é só a arte. Ela é história e vivência, ela é também os valores com os quais a Pátria se identifica, mas também aqueles outros que essa mesma Pátria adopta e partilha, no concerto planetário das nações.
Também a este nível a Nação vem cumprindo, embora o caminho percorrido está ainda longe da meta desejada.
De se reconhecer que as celebrações do 30º aniversário da Independência Nacional foi um momento alto da celebração da nossa história, do resgate dos nossos valores e símbolos, do reconhecimento da Nação para com os que fazem ou promovem a cultura, a ciência e a história.
Por outro lado, fez-se uma significativa promoção do livro, dentro e fora do País. Assistiu-se ao lançamento de várias dezenas de obras, entre as quais Cabo Verde-30 anos de Cultura e Cabo Verde-30 anos de Edições. Encontra-se em curso um estudo sobre obras e acontecimentos aniversariantes em 2006, um ano mágico para a cultura, como, entre outros: 150 anos do livro O Escravo de José Evaristo de Almeida, 70 anos da revista Claridade; 20 anos de Odju d’Agu,  das revistas Fragmentos e Sopinha do Alfabeto .... Foi atribuído o «Grande Prémio Cidade Velha», encontrando-se a obra premiada no prelo. Foram erguidos três monumentos, sendo um sobre a cultura, o outro alusivo à Revolta de Ribeirão Manuel e, finalmente, um terceiro em homenagem às Vítimas da Fome e do Desastre de Assistência.
Foram feitas duas mesas redondas, sendo uma sobre a Cultura no Feminino e outra sobre Cultura Educação e Cidadania, estando em preparação a edição das comunicações apresentadas.
Organizou-se o Colóquio Internacional de Estudos Crioulos com a participação de mais de 200 estudiosos do espaço da crioulofonia e de Universidades onde se ensina ou se investiga o crioulo.
Foi aprovado, pelo Governo, uma resolução sobre Estratégias de Afirmação e Valorização da Língua Caboverdiana, um dos documentos mais avançados, até hoje publicados, em matéria da defesa e reconhecimento da cidadania para  a nossa língua materna.
Prosseguem os trabalhos de restauro de vários elementos do património cultural como: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário da Ribeira Brava; a Igreja de Nossa Senhora do Rosário da Ribeira Grande de Santo Antão, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de S. Filipe, no Fogo; a Casa de Nho Eugénio Tavares, na Brava; a Pedra do Letreiro, no Paúl; o Forte da Preguiça, em S. Nicolau; o Campo de Concentração, no Tarrafal de Santiago; o Centro Nacional de Artesanato, no Mindelo; a Capitania Velha (Réplica da Torre de Belém), em S. Vicente.
A obra de maior vulto, porém, a nível do património histórico, situa-se na Cidade Velha (hoje Cidade da Ribeira Grande de Santiago) onde vários elementos do património histórico tem sido objectos de intervenção, estando em curso não só os trabalhos do restauro e de requalificação do bairro de S.Sebastião, como também a reconstituição de um dossier para declaração da Cidade Velha como Património Mundial da Humanidade. Foi assinado o contrato de concessão para a exploração da zona turística da Cidade Velha. Brevemente, será inaugurado o Centro de Transformação Agrícola, integrado no projecto de harmonização patrimonial com a valorização social.
Em curso, ainda, vários trabalhos de musealização: Museu da Tabanka, em Santa Catarina; Museu da Resistência no Tarrafal de Santiago; Antigo Centro Nacional de Artesanato, em S. Vicente; Núcleo do museu arqueológico da Praia; Museu Etnográfico da Praia. Foi posta à disposição de Cabo Verde, pela Torre de Tombo, um vasto manancial de documentação sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, o qual acaba de ser reconhecido, pela World Monuments Funnd, como um dos cem elementos do património histórico mundiais em perigo.  Prosseguem acções de consevação, microfilmagem e digitalização de documentos arquivísticos.
Ainda dentro desta perspectiva de resgate da memória, está programado o inventário e a classificação do património histórico do País. Nesta mesma perspeectiva, está em curso a preparação do centenário de nascimento da Geração Claridade, uma ocasião ímpar para a Nação prestar uma merecida homenagem a esses valorosos timoneiros da literatura e da cultura caboverdianas.

  1. Nação Visionária

Somos uma Nação visionária. Queremos resgatar e valorizar a nossa história, mas queremos também construir uma nova história, queremos ser agentes e sujeito da transformação cultural do País, da edificação de um futuro onde a cultura, a política e a economia são irmãs gémeas igualmente reconhecidas e acarinhadas pela mãe-pátria.
Esta perspectiva visionária só poderá ser fecunda e realista se conseguir celebrar um verdadeiro casamento entre a cultura e a inclusão, a cultura e a diversidade, a cultura e a sustentabilidade.
A inclusão cultural, em Cabo Verde, é hoje um dos desafios de maior grandeza a nível da política cultural. Ora, se o acesso à cultura e à arte é muito mais fácil hoje do que ontem, o certo é que a inclusão cultural, na sua verdadeira dimensão, continua sendo mais um projecto do que uma vivência abrangente.
Os maiores inimigos da inclusão cultural continuam sendo a pobreza, o analfabetismo e a ignorância.
Promover a inclusão cultural significa combater a pobreza, eliminar o analfabetismo, aumentar o nível de conhecimento de todos os cidadãos, nas cidades e no campo, quer sejam eles criadores, consumidores ou promotores da cultura.
Esta tarefa ultrapassa as possibilidades e as competências do Ministério da Cultura e dos poderes públicos, em geral. Há que fazer um verdadeiro pacto de sociedade para que o triângulo pobreza, analfabetismo e ignorância seja erradicado do solo pátrio. 
Para tanto, há que desenvolver a economia, há que humanizar o investimento, há que aproximar (mais) a educação da cultura, há que haver crédios especiais à cultua, há que convencer os homens de negócio, os operadores económicos e os decisores políticos que qualquer projecto económico está votado ao fracasso se não tiverem em conta a integração social e a dimensão cultural do desenvolvimento. No fundo, a inclusão cultural é um problema de recursos, mas também é uma questão de atitude.

Um outro grande desafio é a diversidade cultural. Fundamentalmente, ela significa duas coisas: a aposta nas nossas particularidades culturais e ambientais, a abertura consciente e crítica às conquistas da humanidade.
É pela cultura e pela situação  geo-estratégica que Cabo Verde realiza melhor a globalização. Com efeito, é particularmente, através da especificidade da sua cultura, do nível dos seus recursos humanos, da particularidade da sua morabéza e do lugar que ocupa na encruzilhadas de três continentes (Europa, África e América) que o nosso País dialoga e participa no concerto das nações. O Facto da antropologia das Ilhas ser crioula, desde o inicio da sua formação, faz com que ela seja altamente tolerante para com as outras culturas. Por isso, aceita facilmente as diferenças, comunica com empatia as suas especificidades, integra-se com relativa facilidade na diversidade cultural do universo.

Em Cabo Verde, o desafio da política cultural é a inclusão, é a diversidade, mas também é a sustentabilidade.
Este terceiro desafio se afigura hoje, mais do que nunca, como um imperativo para a comunidade artística, para os  poderes públicos e para a cidadania. Parafraseando o artista Gilberto Gil, diríamos que para haver sustentabilidade há que encará-la como um «desafio partilhado» sendo necessário «disseminar a ideia de investimento em cultura como um exercício de cidadania corporativa».
O salto que hoje se deseja e se espera no âmbito do desenvolvimento cultural não acontecerá se não formos capazes de construir, pedra a pedra, e com a cumplicidade de todos, o edifício da sustentabilidade.
Em Cabo Verde, a aposta na sustentabilidade cultural significa a aposta numa «cidadania cultural corporativa». Significa ainda desenvolver as indústrias da cultura e esse desenvolvimento passa por: uma política sistémica e sistematizada de formação; uma cultura de organização onde a criatividade não se confunde com a administração da arte; finalmente, uma predisposição de djunta-mô, a diversos níveis: entre os artistas e criadores; entre estes, os poderes públicos, os mecenas, os formadores e a cidadania em geral.
De todos esses caminhos na procura da sustentabilidade destacaríamos a questão formação. O mercado cultural em Cabo Verde é reduzidíssimo. A arte e a cultura quase que se sentem sufocadas por causa dessa exiguidade. Há que mudar o status quo. E isso passa pelo investimento na formação através do sistema do ensino, mas também através de escolas de arte integrada, de qualificação em escolas profissionais, de aprendizagem ou de aprofundamento em ateliers, seminários, workshops, etc, etc.
Com esta política de formação estrutural e estruturante, a qualidade e a diversidade do produto cultural aumentarão consideravelmente, o mercado da arte alargar-se-á significativamente, as indústrias da cultura passarão a ser mais fecundas e mais dinâmicas; a sustentabilidade acontecerá e a cultura passará a ser, definitivamente, um recurso estratégico para o desenvolvimento humano, social  e económico.
Esta é a perspectiva visionária do Governo e da Nação. Venceremos, porque somos uma Nação que ousa e que cumpre.

                                                                                         Gabinete do Ministro da Cultura, Julho de 2006

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