quinta-feira, 8 de março de 2012



30 Anos de Independência
 Uma Visão Prospectiva da Cultura


Identidade especifica e global

Somos crioulos, crioulos de Cabo Verde. Esta é a nossa especificidade primeira. Nascemos do cruzamento de sangue e de culturas. Do confronto, primeiro, e do reencontro depois, entre a África e a Europa, emergiu a antropologia das ilhas. Nem a África somente, nem a Europa apenas. No caldeirão da história das nossas ilhas dois mundos se cruzaram, se fundiram, se amalgamaram, se constituíram numa nova individualidade cultural, num novo humanismo: a crioulidade atlântica de Cabo Verde, um novo rosto no mosaico africano. A nossa especificidade é mesmo isto. É esta antropologia crioula do atlântico, emergente, numa primeira fase, entre a África e a Europa e, depois, entre a África, a Europa e o Mundo.

Com efeito, o humanismo da nossa crioulidade tem a dor da escravatura, a seiva do Arquiélago, o trabalho e a tenacidade da diáspora espalhada no mapa, a cultura e a sabedoria da Africa e do mundo. Estas são as características de uma identidade islenha cuja essência foi formatada no confronto e no diálogo de culturas, e isto desde o longínquo século XV, em três fases bem distintas: a fase de dominação e de exploração escravocrata e colonial; a fase de resistência, de luta e de libertação; a fase de Independência e de desenvolvimento.

É dessa última fase que estamos a celebrar o trigésimo aniversário com a auto-estima por aquilo que conseguimos realizar, com orgulho do caminho andado, com amor por esta terra de rocha e mar que conseguimos transformar num país onde o direito, a tolerância, a paz, a liberdade, a democracia, o trabalho e a boa governação são recursos estratégicos do seu desenvolvimento.

É a especificidade de uma identidade que nasceu, ab initio, da riqueza do humanismo, para não dizer da globalização (que somente hoje virou moda), que confere ao povo caboverdiano, ontem e hoje, uma capacidade invulgar de compreender o universo, de dialogar com o mundo, de transformar o mar num caminho aberto e as rochas das nossas ilhas num desafio a vencer.

Nesses 30 anos de Independência, a nossa mundivivência, fundamentalmente, se resume na procura da autenticidade, na conquista dos caminhos do direito e do progresso, na visão programática e pragmática de vencer os desafios da liberdade, da democracia e do desenvolvimento. Agindo deste modo, conseguimos emprestar um rosto humano à globalização. E nesta perspectiva, a identidade específica da nossa língua, da nossa música, dos nossos hábitos e costumes, da nossa filosofia e organização existenciais, das nossas crenças e interpretações do real e do imaginário, é um complemento do mundo global, é uma exigência do humanismo e da interculturalidade.

Tudo isto para dizer que a nossa identidade específica não é um círculo fechado, mas antes um caminho aberto com várias estações onde o nosso humanismo crioulo se abastece, se enriquece, se globaliza, na partilha e no diálogo intercultural, na tolerância e aceitação da diferença, na procura e na valorização da diversidade.

Diversidade Cultural

Somos, sem sombra de dúvida, fruto da diversidade cultural. A tolerância e a «morabeza» do nosso povo são índices eloquentes dessa diversidade. Aprendemos a ser e a existir com os outros. E isto no país e na «terra-longe». A nossa mundivivência é moldada com o humanismo do nosso mundo e com o dos outros. Se isto tem sido a nossa natureza, então estamos condenados a viver da e na diversidade cultural. Por isso, não podemos, não devemos rejeitar o outro, quer no mapa das ilhas, quer na geografia do universo. Porém, aceitar o outro, não significa ser invadido social, cultural e economicamente. Somente quando consciente e criticamente aceitamos o mundo dos outros é que esse mesmo mundo passa a ser nosso, passa a pertencer-nos. Para tal, não basta ser tolerante. Há que ter os instrumentos que nos permitam analisar, avaliar e escolher.

Nada disso é possível se não conhecermos profundamente a nossa história, a nossa cultura, o nosso meio ambiente, a nossa idiossincrasia. Nada disso é possível se não tivermos a formação académica, humana e cívica. Nada disso é possível se não tivermos a humildade suficiente para conhecer os nossos limites, as nossas fraquezas, mas também as nossas riquezas e potencialidades.
           E o melhor caminho para se conseguir esses requisitos todos é o da formação, é o              da cultura.
        
Aliar a cultura à educação é possibilitar o diálogo intercultural no equilíbrio e na partilha. É estar prevenido para dar e receber, para escolher e rejeitar conscientemente, para conceder, mas também, para reivindicar.

E se a cultura e a educação são a fonte de ser e de existir em sociedade, a diversidade e o diálogo de culturas serão uma miragem se não se investir fortemente nesses dois sectores. E este investimento tem que ser equilibrado, já que investir apenas num, ou apenas no outro, faz abortar o diálogo intercultural, faz comprometer a dinâmica da diversidade cultural, tira o rosto humano à globalização.

Em 30 anos da nossa Independência, o esforço no domínio da educação é considerável. Temos que poder fazer este mesmo esforço no domínio cultural, não apenas por simples obrigação, mas também porque o desenvolvimento harmonioso e a globalização com rosto humano o exigem.

Não pode haver hesitação em ensinar a nossa língua, a nossa história, a nossa cultura, assim como não hesitamos em aprender a língua, a história e a cultura dos outros.

Haverá custos. Porém o preço de tudo o que vale a pena deve ser consentido. A Independência teve custos, a liberdade e a democracia têm custos, a construção de um Estado de direito tem custos, o desenvolvimento harmonioso, no âmbito da diversidade cultural tem custos também. Pensar que só o que vem de fora tem valor poderá significar alienação e não é isto que a globalização, com um rosto humano, exige.

Temos que poder ter algo para partilhar no «mercado» da diversidade, e esse algo, fundamentalmente, provém da nossa cultura. A Cesária Évora já o demonstrou, através da música. Onde estarão a voz dos outros sectores da cultura? Como dar-lhes voz e vez no concerto da diversidade cultural?
A criação de um Ministério especificamente para a cultura é já um sinal muito positivo. Trinta anos após a Independência Nacional, festejado com orgulho e com certeza no futuro, todos estarão atentos na escolha das sementes a serem lançadas à terra «pa kodjéta ser fadjadu na vólta d´anu». E é a certeza no futuro que nos diz que, com o «djunta-mô» e a parceria de todos: governo, artistas e criadores, mecenas e sociedade civil, a colheita cultural, nos próximos anos, tem que ser melhor que a dos anos 30 anos atrás. Se assim for, no mercado da diversidade cultural, Cabo Verde deixará de ser um consumidor, por vezes, passivo, para ser um criador e um parceiro necessário. Se assim acontecer, estaremos a dar razão à UNESCO[1] quando considera a diversidade cultural como uma exigência do direito do homem, como motor da criatividade, como elemento fundamental do humanismo.


 Auto-sustentalilidade da Cultura

           São as exigências do humanismo que reclamam um  mercado aberto para cultura.     
           A fome existencial, no ser humano, é tão forte, é tão grande que ela não pode ser            
           satisfeita  apenas com o menu da geografia humana do povo, do país ou da nação
           de origem. O humanismo não tem, não deve ter fronteiras. E é sobretudo da 
           cultura que ele se alimenta, se desenvolve e se projecta. A cultura não só forma
           e enforma o humanismo como também o fecunda e o revigora.
     Assim, quanto maior for a interculturalidade e o dialogo de culturas que praticamos, maior, mais sadio e mais fecundo é o nosso humanismo.

      O mercado internacional da cultura tem razão de ser na própria natureza que hoje o humanismo passou a ter: uma natureza tolerante, dialogante e convergente. E é com essa tripla natureza que ele ajunta as forças para resistir a uma globalização com laivos, às vezes, de arrogância e de totalitarismo.
      Porém, não é de qualquer iguaria que o humanismo esclarecido e exigente se alimenta. Tem que haver qualidade, tem que haver diversidade.



    E o mercado internacional da cultura, onde se semeia e se faz a colheita do humanismo, só constrói a sua própria auto-sustentabilidade se primar pela qualidade e pela diversidade.

      Um olhar retrospectivo dos 30 anos da nossa Independência mostra que a nossa cultura fez uma caminhada tanto na procura de mais qualidade como na de mais diversidade. Os passos que demos no domínio da música, da investigação, da literatura, da edidição, da representação artística, da preservação do património e da educação são significativos; a construção de mais liberdade, de mais democracia e de mais organização da sociedade é um facto; o apuramento da cidadania e do estado de direito, a melhoria ambiental, o melhoramento dos índices de desenvolvimento são factos inegáveis.

     Porém, o mercado internacional e a auto-sustentabilidade da nossa cultura exigem muito mais capacitação; exigem mais organização e mais «djunta-mô»; exigem mais unidade e mais investimento na cultura; exigem mais civismo, mais patriotismo e mais cidadania; exigem mais trabalho e mais reivindicações positivas; exigem mais espírito empreendedor e mais cultura de qualidade, de solução e de resultados.
    
      Um humanismo com essas características pode realizar milagres. Em Cabo Verde, temos orgulho do caminho trilhado e o milagre que conseguíamos realizar dá-nos a certeza que podemos muito mais e que, a nível da transformação cultural do país e do aumento da qualidade, vamos poder dar muito mais ao país e à nação global. Para tal, temos que poder construir mais pontes. A ponte entre a cultura e a educação; a ponte entre a cultura e a cidadania.

Cultura, Educação, Cidadania
           
            O desenvolvimento de Cabo Verde esteve e está assente sobre estas três colunas.
            A cultura é o maior desafio da nação global. E isto porque ela é a consciência do
            nosso mundo e do mundo dos outros. Essa consciência dá-nos a dimensão das                        
            coisas, estabelece a ponte com o passado, semeia a visão do futuro, constrói o progresso e a qualidade de vida. Não há, não pode haver, desenvolvimento sem a cultura. Em Cabo Verde, foi a cultura que impulsionou as diversas revoltas sociais para a conquistar da dignidade; foi ela que constituiu em desígnio do nosso povo frente à seca, à fome, à estiagem, à emigração forçada e à resistência secular não só diante das intempéries da natureza, como também diante  dos horrores da dominação, seja ela escravocrata, seja ela colonial. Foi a cultura ainda que impulsionou o nosso povo à luta para independência, à construção da liberdade, da democracia, do estado de direito. Foi a cultura que gerou, alimentou e alimenta a nossa crioulidade, a nossa morabeza, a nossa língua, a nossa idiossincrasia, e isto tanto no solo pátrio com na «terre-longe».
     
            Foi a cultura que nos ensinou a transformar pedras em pão, a converte o mar num caminho e as dificuldades em desafio constante para a descoberta de soluções. Foi a cultura que semeou a cultura nas rochas, no mar, nos vales e nas achadas da nossa terra, utilizando a regra gota-a-gota da chuva,  da resistência e da esperança. Foi a cultura que concebeu o crioulo, que criou o batuque e o funaná, que cultivou a morna e a coladeira, que inspirou os artistas, os poetas e compositores, que inventou a serenata, a cachupa e a djagasida. Foi a cultura ainda que conferiu ao povo das ilhas força e tenacidade para edificar o Estado de direito, para aumentar a qualidade de vida, para construir o desenvolvimento e plasmar um humanismo com o rosto da nação global caboverdiana.
            Toda essa cultura tem que ser valorizada, deve ser valorizada. Há dois caminhos insubstituíveis para a sua valorização . Dito de outra maneira: há duas condições fundamentais para que o desenvolvimento tenha um rosto humano e se manifeste no equilíbrio e no aumento da qualidade ambiental. Esses dois caminhos são a educação e a cidadania. Com efeito, se a cultura alimenta a educação, esta, por sua vez ilumina e fecunda a cultura.                   
            Ora, uma educação bem alimentada e uma cultura bem iluminada potenciam uma cidadania de qualidade em todos os níveis: na arte, nas indústrias, nos negócios, nos investimentos, na política, na cooperação, em fim, no desenvolvimento equilibrado e auto-sustentado.

            Em Cabo Verde, a independência e o desenvolvimento têm o selo da cultura, da educação e da cidadania. Temos o orgulho do caminho andado e temos a certeza que novos caminhos do desenvolvimento se vão abrir-nos pela frente. Temos ainda a certeza que esses novos caminhos só serão possíveis se conseguirmos realizar um verdadeiro casamento entre a cultura, a educação e a cidadania.

           Temos que poder fazer com que a presença da nossa língua, da nossa história e da nossa cultura, em geral, nos ambientes académicos do nosso país, seja uma presença de cidadão, com a garantia de todos os seus direitos cívicos, e não a de um simples hospede ou convidado para certas ocasiões.
            
            Uma cidadania formada e informada com base na cultura, na ciência, na história e no ambiente nacionais e internacionais, é um dos maiores trunfos para um desenvolvimento humano de qualidade e para uma sã e enriquecedora competição no mercado da globalização. Uma cidadania formada e informada sabe valorizar as heranças culturais, os caminhos trilhados, os méritos e os deméritos, os heróis e heroínas, as referências ambientais, as transformações conseguidas, o desenvolvimento arquitectado e construído.
     
      Uma cidadania formada e informada sabe negociar nos palcos mundiais das grandes decisões; sabe competir com a qualidade do seu produto nos mercados exigentes da globalização; sabe ainda o valor e o segredo da auto-sustentabilidade, a todos os níveis: na arte, na economia e na política.

       Uma cidadania formada e informada é o garante e a condição da certeza que temos no futuro, isto é, de um desenvolvimento de qualidade e auto-sustentado.

Desafios e visão do futuro


A abordagem,  no domínio da cultura, ficaria incompleta se não falarmos dos desafios e da visão do futuro que temos para este sector. Trinta anos após  a nossa Independência Nacional, urge perspectivar a cultura como algo que, além de ampliar os horizontes educacionais e de promover a cidadania   e o bem-estar social,  gera empregos e sustentabilidade para a economia, facilita o diálogo civilizacional, a tolerância e a paz entre as nações. Por isso, a actuação do Ministério da Cultura, para os próximos anos, orientar-se-á por algumas finalidades essenciais:

  • Insuflar a cultura de mais oxigénio, em termos de competitividade e de recursos  humanos, financeiros e materiais para que que possa estar à altura dos reais desafios do milénio e de Cabo Verde, estando certos de que ela é o maior e o melhor produto antropológico que o País possui.

  • Influenciar, positivamente, o ambiente  social, político e económico do País para o desenvolvimento do tecido cultural caboverdiano e para um maior e melhor investimento na diversidade cultural.

  • Procurar um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o incentivo à criação artística, a promoção da organização e do espírito de «joint-venture» no sector cultural, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na investigação, na educação artística e na formação, bem como a promoção nacional e  internacional da cultura caboverdiana.

Esta é uma visão que comporta desafios, responsabilidades e viragens de fundo, cientes de que a Historia deve ser um recurso progressivo e dinâmico.                                                                                                               
Um desses desafios é a oficialização da língua caboverdiana que se afigura como  uma das nossas grandes metas, particularmente no momento em que a maioria da população (52%) defende a oficialização da língua materna. Oficializar a língua caboverdiana significa mais do que o simples uso do crioulo nos actos oficiais. Simboliza o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos  que a utilizam, o reconhecimento efectivo da nossa diversidade cultural  e o gesto real de inclusão social de todos os caboverdianos, quer no Arquipélago, quer na Diáspora. Tivemos a grata oportunidade de assistir o Common Threads, em Boston e  o fórum Conneting the Global Capeverdean Nation, em Washington, DC, e confirmamos, uma vez mais, e de molde formidável, de que a língua caboverdiana é, mais do que um idioma, uma condição da integração e da requalificação do conjunto do tecido cultural da nação global caboverdiana.

A opção política do Governo para a criação de sinergias em prol do desenvolvimento, em parcerias e sociabilidades diversas,  terá de passar pela introdução das redes: a rede de bibliotecas, a rede de teatros, a rede de museus, a rede dos centros culturais,  a rede de arquivos e a rede de homens e mulheres de cultura. Assim, todos os equipamentos dependentes do Ministério da Cultura e todos os equipamentos integrados em redes nacionais devem proporcionar programas educativos e de cidadania, dirigidos aos diferentes públicos.

Essa opção política terá de passar também pela aproximação às rotas internacionais que, já de si, determinam a inserção em universos de escala e economias mais globalizadas. A rota dos escravos, a rota das navegações inter-atlânticas, a rota dos monumentos e sítios, a rota dos museus da tragédia (prisões, revoltas, fome),  a rota da música, a rota do artesanato e das festas tradicionais, etc.  As  redes e as rotas podem refazer o desenho geo-estratégico de Cabo Verde e permitir mais inserção a partir da dimensão e da potencialidade cultural do Arquipélago.

A cultura constitui um dos vectores principais, se não o principal, para a afirmação de Cabo Verde no mundo. Em vários círculos e de várias formas: no espaço africano, no espaço lusófono, na comunidade de todos os povos e nações. A presença regular de criadores e obras nos circuitos internacionais (feiras do livro, mostras de arquitectura e artes plásticas, festivais de cinema e de artes performativas), a edição dos autores caboverdianos nos países lusófonos e em línguas estrangeiras, a promoção de co-produções, designadamente no âmbito da CPLP, de obras cinematográficas e audiovisuais, todas constituem esferas de actuação dos respectivos institutos do Ministério da Cultura. Mas devemos ir mais longe e propomos, por isso, uma articulação mais efectiva entre estes institutos e as nossas embaixadas e associações comunitárias, assim como parcerias regulares entre o turismo, os organismos de promoção externa da cultura e da economia caboverdianas. Parcerias entre os Institutos e os seus congéneres de outros países são igualmente desejáveis, visando de modo prioritário uma integração mais efectiva do espaço cultural caboverdiano.

Cabo Verde tem de pertencer de forma mais activa à rede internacional dos debates da cultura. Essa rede deve trabalhar na perspectiva do estabelecimento de novos acordos internacionais permitindo que o mercado da cultura deixe de ser estritamente mercantil uma vez  que opera com produtos que incorporam uma identidade. Um tal mercado deve ser um espaço dedicado às condições de preservação e estímulo à diversidade cultural dos povos, ao invés de preocupar-se com barreiras que em nada facilitam o mercado da diversidade. Tal acordo seria estabelecido no âmbito de um Convenção sobre a diversidade cultural cuja aprovação está prevista para Outubro de 2005, pela Conferência Geral da UNESCO, fórum internacional para a discussão de temas culturais. Em suma, importa que Cabo Verde tenha mais presença e visibilidade nas organizações e actividades internacionais em prol da cultura, designadamente no contexto da União Africana, da CEDEAO, da CPLP e da UNESCO.

A inserção no mundo, que é mister e de todo estratégico, será feito com as cautelas e as responsabilidades do desafio. Cabo Verde deve promover os seus aspectos singulares, com os quais participa com excelência e competitividade no mundo globalizado. O índice do desenvolvimento humano não se mede hoje apenas pelo acesso a saúde e educação, democratização e redução da pobreza. Ele mede-se também e mais do que nunca, pela liberdade à cultura e à identidade, por uma política adequada de valorização e afirmação da diversidade cultural. Com a globalização, renasce a necessidade de políticas da identidade. Os países querem manter a sua identidade cultural num mundo globalizado. Os cidadãos querem ter liberdade e espaço para falarem as suas línguas, celebrarem os seus folclores e preservarem o seu legado histórico. Os Estados passam a enfrentar novos desafios face a estas novas demandas. A diversidade cultural, afirma o Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, está para ficar – e para crescer.
Estivemos recentemente em Madrid, no Encontro Mundial dos Ministros da Cultura, e pudemos  não só subscrever a ideia de que a diversidade cultural é factor de desenvolvimento sustentável, como também defendemos que a política dos Estados sobre a diversidade cultural deveria ser tomada como  um dos critérios da boa governação. E não esqueçamos que o Artigo 1º da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO, em 2001, diz que a diversidade cultural é tão necessária para a humanidade, assim como a bio-diversidade é para a natureza.

Outro aspecto intrínseco à nossa visão do futuro é a sustentabilidade da Cultura. O Ministério da Cultura, sem abandonar a subvenção financeira às manifestações culturais em situação crítica e/ou de sobrevivência e promoção,  teria de  desmantelar a prática assistencialista da utilização do fundo publico, perpetuando a proletarização dos operadores culturais e inibindo, em consequência,  a produção dos bens culturais, pela via da competitividade e da qualidade. O Ministério da Cultura teria de, através de uma campanha pedagógica e de capacitação produtiva dos operadores,  desacelerar essa prática de procura sistemática e desenfreada do fundo publico, havendo mecanismos de Mecenato, de marketing empresarial e cultural e de instituições de crédito no mercado cabo-verdiano e fora dele.  A nossa visão das políticas publicas tem a ver com as condições de sustentabilidade para a Cultura, alçada à condição de factor estratégico do desenvolvimento de Cabo Verde. O mercado externo – tanto inter-comunitário (diáspora, no caso) e internacional – será o  elemento central para a continuidade e o aprofundamento da nossa cultura. Logo, caberá ao Ministério da Cultura dois tipos de política publica – uma orientada para a Educação e a Cidadania, e outra orientada para a Indústria (sobretudo a do Turismo de matriz cultural, histórica e ambiental) e a promoção da competitividade. Cabo Verde,  para se inserir saudavelmente no mundo,  deverá desenvolver identidades múltiplas e complementares, isto é, ter a capacidade de viver localmente e globalmente. Mover-se a partir de duas éticas complementares – a da identidade local e nuclear, e a da identidade global e humanística. Só que a cultura para a Educação e a Cidadania tem sido hesitante e a cultura para a indústria e o mercado tem sido a nossa fraqueza.

É forte a percepção de que vivemos em Cabo Verde um ambiente cada vez mais aberto à cultura. Naturalmente que esta fase saudável não é isolada do sucesso global do nosso país. Um dos factores importantes do status quo é o desenvolvimento antropológico de Cabo Verde, 30 anos passados sobre a nossa Independência Nacional, o que nos dá razões de orgulho e certeza no futuro, no momento em que as janelas estão abertas para novos e grandes desafios. Neste emblemático início do milénio, Cabo Verde demanda uma Nova Largada e a cultura se afigura como prioritária e crucial para a vida espiritual e material do povo caboverdiano. Felizmente, começa a haver uma visão segundo a qual a cultura, numa perspectiva moderna, ousada e sustentável do país, é um dos factores mais determinantes do PIB, da integração nacional e da inserção internacional. Para que esta visão se transforme em realidade, há que continuar a investir mais e melhor na cultura. É  o “espírito do milénio” que o aconselha. É a humanização da globalização que o reclama. É a energia e a fecundidade da diversidade cultural que o exigem.  Não há dois caminhos para o sucesso da Nação. Ou seguimos o «espírito do milénio» e entramos livremente no ciberespaço da globalização, ou então hesitamos em valorizar a nossa diversidade cultural e deixamos, deste modo, de ser o sujeito da história, a história do nosso humanismo, a história do humanismo planetário.
            É fundamental, diríamos mesmo que é indispensável que se promova a diversidade cultural em Cabo Verde. Não há dúvidas de que essa promoção passa pelo incremento à investigação, à inovação e à defesa e valorização do nosso legado histórico. Ela é ainda corolário de uma política que vai no sentido de realizar um verdadeiro casamento entre a cultura, a educação, a cidadania e a competitividade. A diversidade cultural pouco avança se não tivermos um espírito aberto e crítico frente à globalização e ao diálogo inter-civilizacional. Para além dos aspectos atrás referidos, a diversidade cultural exige ainda uma verdadeira política de inc entivos. Incentivos na formação, na legislação cultural, nos patrocínios e créditos especiais, mas também através de prémios culturais significativos. A Cultura, em todos os domínios, reclama por mais e melhores prémios, ainda que distanciados no tempo.
            O compromisso do Ministério da Cultura, na actual conjuntura,  será  o  de promover: mais investigação, mais inovação, mais capacitação artística, mais cidadania cultural, mais incentivos à cultura e à criatividade, mais diálogo inter-civilizacional, mais condições de sustentabilidade e de competitividade para a cultura. Porém, esse compromisso só será respeitado se a parceria público-privada passar a ser um recurso estratégico largamente aceite e cultivado por todos os actores sociais: governantes, políticos, operadores económicos, artistas e criadores, homens e mulheres e de cultura. Cabo Verde não poderá ser excepção diante do «novo espirito do milénio». Por isso acreditamos que o século  XXI vai ser, está sendo o século da cultura e das tecnologias de informação e comunicação. E isto no mundo global, mas também no nosso rincão local.

Nascimento e significado de «A cultura em Cabo Verde: 30 anos de percurso».
    
 Tomámos posse como titular da pasta da cultura em Outubro de 2004. De       imediato, definimos que as áreas prioritárias do Ministério que dirijimos seriam, no contexto do
 programa do governo, a investigação, a preservação do património cultural, a criatividade e a criação de um ambiente favorável de aproximação entre a cultura e a educação. Para levar a cabo essa missão sabíamos e sabemos que tínhamos que estimular uma forte cultura de parceria; parceria no governo, parceria com os sectores públicos da cultura, parceria com os mecenas, pareceria com todos os colaboradores, parceria com os artistas e criadores, parceria com a sociedade civil, em geral. Sabíamos  e sabemos que o sucesso do Ministério da Cultura e da política cultural depende de uma visão programada, mas também do entusiasmo e do engajamento do «sistema cultura». Assim, para além das audiências individuais e dos encontros sectoriais, quisemos promover debates alargados com os artistas e criadores, com um duplo objectivo: O de promover a cultura de parceria, uma cultura que quando falta a água da chuva, inventa a água da imaginação; uma parceria que promove a cultura de resultado e a cultura de soluções. Um outro objectivo era o de ouvir os artistas e criadores. Ouvir as suas preocupações, as suas inquietações, as suas críticas e propostas.
  
 Foi nessas audiências e encontros alargados que, em mais do que uma ocasião, surgiu a ideia de que seria útil que o Ministério da Cultura promovesse um «directório» da cultura que abarcasse os 30 anos da independência. O mesmo seria uma forma de perpetuar e de resgatar as nossas referências nos mais diversos sectores da nossa mundivivência artisco-cultural.

Assim nasceu a ideia de «A cultura em Cabo Verde: 30 anos de percurso» e é   com muito orgulho que assinamos esta despretensiosa nota, participando no clube dos artistas e criadores que quiseram dar corpo a este projecto que é deles, que é de todos nós, mas sobretudo que é o testemunho do percurso cultural do nosso povo nesses 30 anos de história, de liberdade e de desenvolvimento.
  Agradecemos a todos os sujeitos deste projecto, a todos os artistas e criadores desta terra de rocha e de mar cuja alma é a cultura. É esta alma que nos dá a ciência e o conhecimento para transformar as «pedras em pão»; é ela que insufla em nós a esperança e a tenacidade de resistir; é ela que nos deu e dá a consciência e a visão do nosso mundo; é ela que nos faz tolerantes diante  da diversidade e exigentes diante da competição do mundo global; em fim, é ela que nos faz VIVER. 

            A cultura é tudo isto e temos que poder prova-lo, temos que poder, através dela transformar as atitude e as mentalidades no sentido da sua valorização, da sua afirmação, do seu reconhecimento. 
            Não basta dizer que ela é o nosso «diamante». Há que levar a sociedade civil, política e artística a tomar consciência que, mais do que diamante, ela é o oxigénio que respiramos, a alma que nos vivifica.

           O Ministério da Cultura tem a consciência da grandeza da missão que lhe é confiada, no âmbito da política governamental, para o sector cultural. Não deixa de ter consciência também que essa política só poderá ter sucesso se ela for capaz de construir uma verdadeira estratégia de parceria com os artistas e criadores; se ela for capaz de ouvir e de sentir o pulsar dos que no dia-a-dia fazem a cultura; se ela conseguir formar e informar uma visão planificada do desenvolvimento cultural onde todos os artistas e criadores, todos os políticos e decisores, todos os caboverdianos da Nação global possam ter cumplicidades activas e positivas.

            Para colocarmos a cultura no patamar que merece, a responsabilidade é nossa. Não basta reclamar, é preciso demonstrar. E a capacidade de demonstração tem exigências: a qualidade do produto e a leveza da arte de convencer.

            É com este apelo à qualidade, à arte de convencer, à parceria do e no sistema cultural, à organização dos agentes e produtores culturais, à procura constante de formação e de capacitação que queremos terminar estas breves notas.

            A todos o sistema cultural, a todos as mulheres e homens de cultura queremos dizer que o Ministério da Cultura existe porque eles existem.

            No ano do Trigésimo aniversário da Independência Nacional, com o orgulho do caminho andado e com a certeza de que o futuro será melhor, queremos deixar, na qualidade de governantes para a área da Cultura, o nosso firme compromisso de, com a cumplicidade do sistema cultural, dos artistas e compositores, dos mecenas e dos mídias, elevar a Cultura ao patamar que merece. Fica o compromisso e contamos com a parceria activa, entusiasta e positiva de todos. 

Manuel Veiga

Ministro da Cultura
Presidente da Comissão Executiva do Trigésimo Aniversário da Independência
«2005- Ano do Trigésimo Aniversário da Independência Nacional»



[1] Declaração Universal da Diversidade Cultural, XXXIª Conferência-Geral da UNESCO, 2001


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